Sem instrumento particular ou escritura pública, não há doação, e sim empréstimo gratuito. Com esse entendimento, a 4ª Vara Cível de Madureira, no Rio de Janeiro, condenou um pai de santo a devolver R$ 45 mil e um automóvel Honda Fit a uma idosa, além de lhe pagar indenização por danos morais de R$ 5 mil. A decisão é de 6 de novembro.
 
Com depressão, a mulher procurou ajuda espiritual e conheceu o pai de santo, passando a buscar conselhos com ele periodicamente. Em 2016, disse que recebeu R$ 60 mil de salários atrasados e que queria juntar R$ 76 mil para quitar seu apartamento. O religioso então a convenceu a fazer um empréstimo de R$ 45 mil para ajudar a reformar a casa de santo.
 
A idosa também emprestou o Honda Fit a ele. E pagou R$ 3,5 mil para cura espiritual — porém, diz ter sido mantida em cárcere privado por cinco dias, sem alimentos e condições sanitárias. Representada pelo escritório Roniele Silva Advocacia, a mulher pediu a Justiça a devolução dos bens e indenização por danos morais.
 
Em contestação, o pai de santo alegou que o carro e o dinheiro foram doados a ele. E sustentou que não houve cárcere privado, e sim um recolhimento, do qual a idosa poderia sair a qualquer momento.
 
O juiz Luiz Otávio Barion Heckmaier apontou que doações superiores a 30 salários mínimos exigem escritura pública, conforme o artigo 108 do Código Civil. Como o carro vale R$ 15 mil, ela transferiu o total de R$ 60 mil ao pai de santo, o equivalente 80% de seus rendimentos em 2016, que foram de R$ 75 mil.
 
Diante da renda da mulher e da ausência de escritura pública ou instrumento particular, fica claro que ela não teve a intenção de fazer doação, disse o julgador. Assim, avaliou, os negócios jurídicos foram, na verdade, empréstimos gratuitos. Logo, o pai de santo deve devolver o carro e o dinheiro para ela.
 
No entanto, o juiz negou a restituição dos R$ 3,5 mil repassados para cura espiritual, pois o pagamento não foi comprovado. Heckmaier também não verificou que ela ficou em cárcere privado. Mas destacou que o pai de santo gerou sofrimento à idosa ao aproveitar de sua fragilidade emocional para convencê-la a lhe transferir os bens. Por isso, condenou-o a pagar indenização por danos morais de R$ 5 mil.