Sempre houve uma profunda aversão a vínculos afetivos constituídos fora dos “sagrados laços do matrimônio”. Mesmo enquanto o casamento hipoteticamente era tido por indissolúvel e os desquitados não podiam casar. As pessoas se desquitavam e o novo relacionamento era denominado pela feia expressão “concubinato”.
 
Ele era visto como vínculo clandestino e a lei se encarregava de impor-lhe todo o tipo de restrições e impedimentos. Verdadeira condenação à invisibilidade que sempre é causa de grandes injustiças.
 
Até que a jurisprudência criou a expressão “companheiro” para identificar as uniões extramatrimoniais, que passaram a receber aceitação no meio social. A palavra “concubinato” continuou identificando os amores mantidos fora do casamento. Vínculos clandestinos sem o reconhecimento de qualquer direito.
 
Ainda assim, os companheiros permaneceram fora do âmbito de proteção do Direito das Famílias e das Sucessões. Considerados como “sócios” de uma sociedade de fato (CC 983), quando do seu fim — pela morte ou pela separação — se procedia à partilha do acervo adquirido. Divisão que dependia da prova da efetiva participação de cada um. Claro que, em uma época em que as atividades “do lar” não tinham qualquer valor econômico, todo o patrimônio ficava para o varão. Nenhum outro direito era assegurado. E não restava qualquer obrigação. Nem alimentos, nem direito sucessório.
 
Mesmo depois de a Constituição reconhecer as uniões constituídas sem a chancela do Estado como entidade familiar, chamando-as de união estável (CR 226 ª 3º), continuou a ojeriza às relações concubinárias, sempre ligadas à ideia de relações espúrias.
 
Tanto é assim que a legislação infraconstitucional, ao regular a união estável, insiste em emprestar sobrevida a essa figura.
 
Reconhece a união estável entre pessoas casadas, conquanto estejam separadas de fato (CC 1.723, §1º). Ou seja, entre pessoas impedidas de casar. Mas é chamada de concubinato a relação não eventual entre o homem e a mulher, impedidos de casar (CC 1.727). Pelo jeito, a lei quis foi excluir da tutela jurídica os amantes: é a outra ou outro, como bem define Rodrigo da Cunha Pereira. Relacionamentos que, mesmo duradouros, não chegam a constituir uma família, já que não é o tempo, por si só, o elemento determinante da constituição de uma entidade familiar.
 
Apesar de a lei subtrair dos concubinos os direitos assegurados à união estável, acaba impondo-lhes o dever de mútua assistência. Isso porque o concubinato do credor de alimentos faz cessar o encargo alimentar do ex-marido ou ex-companheiro (CC 1.708). Claro que a norma tem caráter punitivo. Afinal, a própria lei assegura às pessoas separadas o direito de constituírem união estável. Pelo jeito, é considerado procedimento indigno o fato de uma pessoa que recebe alimentos constituir uma união estável (CC 1.708, parágrafo único). Ou isso ou é necessário concluir que é imposto o dever de fidelidade a quem recebe alimentos.
 
O Código Civil continua punindo o que chama de concubinato:
 
— CC 550: A doação do cônjuge adúltero ao seu cúmplice pode ser anulada pelo outro cônjuge, ou por seus herdeiros necessários, até dois anos depois de dissolvida a sociedade conjugal.
 
— CC 1.642: Qualquer que seja o regime de bens, tanto o marido quanto a mulher podem livremente: (…) V – reivindicar os bens comuns, móveis ou imóveis, doados ou transferidos pelo outro cônjuge ao concubino, desde que provado que os bens não foram adquiridos pelo esforço comum destes, se o casal estiver separado de fato por mais de cinco anos.
 
— CC 793: É válida a instituição do companheiro como beneficiário, se ao tempo do contrato o segurado era separado judicialmente, ou já se encontrava separado de fato.
 
Somente em sede de direito sucessório existe uma norma redentora com relação aos filhos.
 
— CC 1.803: É lícita a deixa ao filho do concubino, quando também o for do testador. Ou seja, o filho que era chamado de “ilegítimo” (fruto de uma relação extraconjugal), pode ser beneficiado pelo pai, via testamento.
 
Mas o caráter punitivo volta ao impedir que o concubino seja beneficiado por testamento. A disposição testamentária é nula (CC 1.900, V).
 
— CC 1.801: Não podem ser nomeados herdeiros nem legatários; III – o concubino do testador casado, salvo se este, sem culpa sua, estiver separado de fato do cônjuge há mais de cinco anos.
 
O dispositivo é tão confuso que não dá para saber. Quem tem de estar separado há mais de cinco anos? O testador? Separado quando elaborou o testamento ou quando morreu? Ora, se ele estava separado, mantinham uma união estável. E quem deveria ser o inocente? O testador casado ou o amante? Culpado de quê? Por ter sido o pivô da separação? E a culpa perdura por cinco anos após a separação? Mas como perquirir culpa quando esse instituto foi banido do Direito de Família quando foi decretado o fim da separação pela EC 6/2010?
 
Como bem diz Cristiano Chaves, é preciso uma visão mais atualizada das referidas normas, que, sem dúvida, estão apegadas a conceitos morais já superados e, de certo modo, contestáveis.
 
Assim, é imperioso concluir que o concubinato não mais existe. Apesar do preconceito que ainda permeia os vínculos afetivos mantidos por pessoas casadas ou por quem vive em uma união estável. As tentativas legais de blindar tais relacionamentos acabam afastando a responsabilidade ética que deve ser imposta aos vínculos afetivos. A todos eles.
 
As uniões simultâneas e poliafetivas — quer mantidas às escondidas, quer ostentivamente — pouco a pouco vêm sendo reconhecidas pela Justiça.
 
Não há outra forma de impor a quem ama mais de uma pessoa que seja responsável por quem cativa.