Caso se constate que o devedor busca fraudar um procedimento executivo, poderá ser aplicada multa por ato atentatório à dignidade da justiça
Tem sido cada vez mais frequente o número de devedores que, a fim de esquivar-se de obrigações perante seus credores, renunciam ao seu quinhão hereditário, sendo esta uma das possibilidades de frustrar o recebimento de valores por parte do credor, ao menos em um primeiro momento. Não raro, a renúncia por parte do herdeiro devedor faz parte de um “acordo” com os demais herdeiros para que estes transfiram o quinhão por vias extraoficiais, com o único intuito de preservar o patrimônio e obstar o pagamento de dívidas.
Como é cediço, com o óbito de uma pessoa dá-se a abertura da sucessão, ocasião em que os herdeiros tornam-se condôminos do patrimônio do de cujus, podendo usar, fruir e dispor da propriedade, até que os bens do espólio possam ser posteriormente partilhados entre os herdeiros, que podem aceitar ou renunciar o seu direito sobre o patrimônio.
Muito embora a aceitação da herança seja tácita ou presumida, a renúncia ao quinhão hereditário não segue tal lógica, sendo que conforme determinação legal (art. 1.806 do CC), a renúncia à quota parte deverá ser sempre expressa e clara, por meio de instrumento público ou termo judicial, não sendo admissível a renúncia presumida. Tal determinação impositiva se confirma pela gravidade das consequências de renunciar à quota parte, consistente na perda do direito, por parte do herdeiro, sobre eventuais bens e valores, pois quem renuncia o faz na integralidade, não sendo admissível a renúncia parcial (art. 1.808, caput, do CC). A determinação de realização por instrumento público visa, também, garantir a publicidade do ato, para que possa ser acessado por qualquer interessado, em especial credores.
Neste tocante, é importante deixar claro que existem duas modalidades de renúncia ao quinhão hereditário: a pura e simples e a translativa, também conhecida como in favorem (em favor de alguém). Há doutrinadores como Mario Roberto Carvalho de Faria que entendem que, após a entrada em vigor do CC de 2002, deixou de existir a renúncia translativa, sendo que a legislação abarca somente a modalidade de renúncia pura e simples, por força do disposto no parágrafo único do art. 1.804 do CC. Todavia, tal questão deve ser debatida em texto próprio.
Independentemente da forma como ocorre a renúncia, e já adentrando ao foco do presente texto, poderá haver fraude ou frustração ao recebimento do crédito por parte dos credores, pois nas situações elencadas, o patrimônio deixado não fará parte do acervo patrimonial do devedor, impedindo, consequentemente, a penhora de bens e valores suficientes para saldar a dívida objeto de cobrança.
Visando resguardar o direito de credores, o Código Civil prevê em seu art. 1.813, que: “Quando o herdeiro prejudicar os seus credores, renunciando à herança, poderão eles, com autorização do juiz, aceitá-la em nome do renunciante”. Neste caso, o pedido de habilitação e aceitação deverá ocorrer em até 30 (trinta) dias após o conhecimento da renúncia (§ 1º). Basta a habilitação do credor no inventário, munido de documento comprobatório da sua condição, dentro do prazo estabelecido, para que seja possível o acolhimento do pleito de aceitação em nome do herdeiro devedor da herança que lhe cabe, até o limite da dívida.
Em consonância com o exposto, traz-se à tona um julgado recente do TJ/PR, no qual a empresa credora se habilitou nos autos e aceitou a herança no lugar do herdeiro devedor, requerendo a reserva de bens para garantir a execução que tramitava:
No caso em tela, o devedor havia renunciado expressamente a sua quota parte disponível no inventário, sendo que, ciente da tramitação da demanda, dentro do prazo estabelecido na legislação, no próprio inventário a credora pugnou pela habilitação e acolhimento do pedido de aceitação da herança no lugar do herdeiro devedor. Importante ressaltar que a habilitação se presta também para resguardar bens de forma preventiva, a fim de garantir o adimplemento da obrigação.
De outro ângulo, caso não ocorra a habilitação dentro do prazo legal, a renúncia se convalidará, superando o plano da eficácia e passando para o da validade dos negócios jurídicos. Em tal hipótese, uma vez constatada a ocorrência da renúncia com a finalidade de frustrar o recebimento do crédito, o credor somente poderá se valer de uma ação pauliana para obter o desfazimento do ato jurídico realizado, em razão de ter se tornado um ato jurídico “perfeito” perante a legislação.
De igual maneira, quando a renúncia for conhecida após o trânsito em julgado da sentença de partilha, o credor somente poderá buscar o desfazimento por meio de ação própria (ação pauliana ou revocatória). Em igual sentido se posicionam os tribunais pátrios:
Por fim, importa ressaltar que caso se constate que o devedor busca fraudar um procedimento executivo, poderá ser aplicada multa por ato atentatório à dignidade da justiça, conforme determina o art. 774, incisos I e III, do CPC, sendo que a multa pode chegar a até 20% sobre o valor da dívida, a ser revertida em favor do credor.
Diante das considerações aventadas, nota-se que a legislação socorre o credor prejudicado pela renúncia realizada pelo devedor ao seu quinhão hereditário, podendo ocorrer, conforme o caso concreto, a habilitação do credor no próprio inventário ou ainda o ajuizamento de ação própria objetivando a revogação da renúncia para posterior satisfação da dívida.