Os novos paradigmas para o recolhimento do ITBI e ITCMD após o julgamento do ARE 1.294.969 pelo STF, ou seja, somente após o registro da Escritura no Registro de Imóveis poder-se-á exigir o recolhimento do ITBI
Neste artigo estudaremos o julgamento realizado em 12/2/21 pelo STF, no Agravo em Recurso Extraordinário 1.294.969, em que se questionava o momento correto de incidência do Imposto de Transmissão de Bens Imóveis – ITBI, de competência dos Municípios e do Distrito Federal.
Inicialmente, imperioso ressaltar que o direito é dinâmico é precisa se alinhar às inovações da sociedade, da jurisprudência e da própria mens legis do constituinte.
Assim é que:
Nesta vertente, voltando para o caso concreto, conforme o site do STF:
No que se refere ao compromisso de compra e venda de imóvel, bem como na cessão de crédito referente a imóvel, o STF entendeu indevida a incidência do ITBI, antes do registro na serventia extrajudicial de registro de imóveis.
Neste viés, precisamos inicialmente apreciar o quê seria o fato gerador de um tributo, conforme o CTN, bem como qual o momento de exigência de incidência no ITBI referente à compra e venda, imposto municipal.
Conforme o artigo 114 do CTN, o fato gerador é:
Neste ínterim, a própria lei define o momento da ocorrência do fato gerador:
Por sua vez, também se denomina fato gerador:
É importante enaltecer que da perfeita adaptação do fato ao modelo ou paradigma legal despontará o fenômeno da subsunção. A partir dela, nascerá o liame jurídico obrigacional, que dará lastro à relação intersubjetiva tributária” (SABBAG, 2020, p. 841).
Neste ínterim, verificamos que ser proprietário de um imóvel gera IPTU, ser proprietário de um veículo automotor gera IPVA, produzir renda gera imposto de Renda – IR, e assim por diante.
A CF, em seu artigo 156 assevera:
(…)
II – transmissão “inter vivos”, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição (BRASIL, 1966).
Por sua vez, quanto ao ITBI, diz o CTN, em seu artigo 35:
I – a transmissão, a qualquer título, da propriedade ou do domínio útil de bens imóveis por natureza ou por acessão física, como definidos na lei civil;
II – a transmissão, a qualquer título, de direitos reais sobre imóveis, exceto os direitos reais de garantia;
III – a cessão de direitos relativos às transmissões referidas nos incisos I e II (BRASIL, 1966)
Embora o CTN mencione que seria de competência dos Estados o ITBI, verificamos que tal parte foi derrogada pela CF, que atribuiu aos Municípios tal competência tributária.
Destarte, consideramos que em regra, a transmissão da propriedade é a que gera o ITBI. Ocorre que para alguém ser realmente proprietário de um imóvel, há necessidade de registro da Escritura Pública feita pelo Tabelião de Notas na serventia extrajudicial de Registro Imóvel, conforme artigo 1245 do Código Civil:
Neste fulcro é que somente após o registro da escritura pública no Registro de Imóveis é que existe a transmissão de propriedade e, portanto, o ITBI seria devido.
Assim é que o STJ, desde o ano 2000, já decidia:
Agora, com o Tema de Repercussão Geral (Tema 1124) do STF, houve pacificação quanto a tal interpretação acerca do momento do fato gerador do ITBI, apenas após o registro de imóveis:
Neste ínterim, inexistem dúvidas de que somente após o procedimento de registro imobiliário, perante a serventia do local do imóvel, é que haverá a incidência do ITBI, inexistindo possibilidade de exigência em momento anterior, sob pena de exação indevida, que a lei preceitua como delito:
Excesso de exação
Pena – reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa. (BRASIL, 1940)
Obviamente o Ministério Público necessitará comprovar o dolo (elemento subjetivo) do notário ou do registrador quanto à exação indevida em momento impróprio, contudo, se há uma decisão da Suprema Corte, em sede de repercussão geral, afirmando claramente no sentido de que somente após o registro de imóveis o ITBI este será devido, dificultar-se-á a comprovação da boa fé pelo serventuário no exercício de suas funções.
De outro giro, verificamos que as serventias extrajudiciais, formadas por Tabelionato de Notas, Protesto, Registro Civil, de Pessoas Jurídicas, de Títulos e Documentos e de Imóveis, em obediências às normas dos Tribunais de Justiça dos Estados, antecipam a exigência de pagamento de ITBI para o momento, inclusive, à lavratura da Escritura de Venda e Compra pelo Tabelionato de Notas.
Citaremos apenas como exemplo as Normas de Serviço, Cartórios Extrajudiciais, Tomo II do TJ/SP de São Paulo, Subseção II, artigo 15, em que se determina:
(…)
b) comprovante ou cópia autenticada do pagamento do Imposto sobre Transmissão Inter Vivos de Bens Imóveis, de direitos reais sobre imóveis e sobre cessão de direitos a sua aquisição – ITBI e do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação – ITCMD, quando incidente sobre o ato, ressalvadas as hipóteses em que a lei autorize a efetivação do pagamento após a sua lavratura (BRASIL, 1989)
Portanto, verifica-se que tal norma, em tese, assim como de vários outros Estados do País, contraria frontalmente as decisões já delineadas, precisando se adequar à tese de repercussão geral.
Da mesma maneira o Código de Normas Extrajudicial do Paraná:
(…)
§ 2º O recolhimento do ITCMD e do ITBI deve ser antecedente à lavratura da escritura, sendo obrigatória a transcrição resumida da respectiva guia de recolhimento do imposto” (BRASIL, 2013).
Conforme a teoria do sistema dos precedentes vinculantes delineada pelo Código de Processo Civil, os Tribunais devem se adequar a todas as teses de repercussão geral do STF e de recursos repetitivos do STJ, conforme se verifica no artigo 927 do CPC, em que haverá inclusive negativa de seguimento aos recursos contrários a tais teses:
I – as decisões do STF em controle concentrado de constitucionalidade;
II – os enunciados de súmula vinculante;
III – os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos;
IV – os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional;
V – a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados. (BRASIL, 2015)
Ou seja, em eventuais ações judiciais, os juízes deverão analisar a conformação à repercussão geral já delineada, sequer admitindo o processamento da ação.
Portanto, embora independentes no exercício da função notarial e registral, é cediço que a atividade notarial e registral não é exercida por titulares de cargos públicos, mas, sim, por particulares. Ocorre que também se submetem a concurso público, nos termos do § 3º do Art. 236 da Constituição da República Federativa do Brasil (BRASIL, 1988), devendo observar o princípio da legalidade, previsto no art. 37, caput da Constituição Federal.
As serventias extrajudiciais não são pessoas jurídicas, mas, sim, órgãos do Poder Judiciário, e os oficiais são particulares em colaboração com a Administração Pública após receberem delegação para o correspondente exercício da função pública de serventuário.
Neste viés, realizam essas atividades, pessoalmente ou com assistência de auxiliares e escreventes por eles contratados, de acordo com o Art. 20 da lei 8.935 (BRASIL, 1994). Essas disposições não deixam dúvida acerca da natureza particular das referidas funções.
Apesar de não serem servidores públicos stricto sensu, os notários e registradores devem se ater aos princípios gerais da Administração Pública, aos crimes contra a administração pública e à improbidade administrativa, nos termos do Art. 22 da Lei 8935 de 1994.
Contudo, o quê nos traz preocupação é a responsabilidade tributária solidária efetivada aos notários e registradores, trazida pelo CTN:
(…)
VI – os tabeliães, escrivães e demais serventuários de ofício, pelos tributos devidos sobre os atos praticados por eles, ou perante eles, em razão do seu ofício (BRASIL, 1966)
Nesta vertente, há de se verificar se, havendo inadimplência do imposto pelo adquirente de um imóvel, poderiam os tabeliães e registradores serem responsabilizados tributariamente ao pagamento do ITBI não pago pelos Municípios que tiverem tais desfalques no erário.
Pensamos que a resposta seja negativa, na medida em que a circunstância de que o fato gerador ocorrer posteriormente ao registro refoge totalmente ao controle do notário ou registrador, sendo que restará ao Município ou ao Distrito Federal o controle do pagamento e, em caso de inadimplência do ITBI do adquirente, restará a inscrição em dívida ativa, posterior protesto da dívida ativa tributária e ajuizamento da execução fiscal, na forma da lei 6.830/80, com penhora do próprio bem registrado, se for o caso.
De qualquer forma, enquanto não revisados os Códigos de Normas dos Tribunais de Justiça, por segurança funcional, o notário ou registrador, em caso de dúvida quanto ao recolhimento do ITBI ou ITCMD, deverão suscitar dúvida ao Juiz Corregedor da Comarca, conforme o artigo 198 da lei 6.015/73, evitando qualquer responsabilidade disciplinar.
Por fim, além do fato de que os Tribunais precisarão adequar seus Códigos de Normas Extrajudiciais para a exigência do ITBI apenas após o registro de imóveis da Escritura Pública lavrada pelo Tabelião, também acreditamos que a mesma vertente judicial deva ser analisada para o Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doações – ITCMD, no que tange a imóveis, pois somente com o respectivo Registro no RI, por exemplo, do formal de partilha ou da Escritura de Doação é que haverá a incidência de tal imposto da esfera estadual ou distrital, havendo a efetiva transmissão da propriedade. Antes disso, não se pode exigir tal tributo.
De qualquer forma, o STF, recentemente, discorreu acerca da responsabilidade civil dos notários e registradores, em sede de repercussão geral (Tema 777):
Neste viés, verifica-se que inicialmente, se o município ou Estado eventualmente se sentirem prejudicados com algum ato no exercício da função de tais serventuários no que tange à cobrança do ITBI ou ITCMD, em caso de inadimplemento dos aludidos impostos, inicialmente:
1) o notário ou registrador, em situações concretas e à luz dos Códigos de Normas de cada Tribunal de Justiça, deverão suscitar dúvida ao Juiz Corregedor Permanente, para que este determine o quê entender efetivamente correto e conforme a lei e jurisprudência;
2) o Município ou Estado deverão efetivar protesto e posteriormente ajuizar execuções fiscais contra os devedores, penhorando os bens para garantia da dívida ativa tributária;
3) somente em caso de insolvência ou inadimplência do devedor tributário, adquirente do imóvel, não restando bens a garantir a dívida tributária, se for o caso, o Município deverá acionar inicialmente a Fazenda Pública Estadual, que após a eventual condenação do erário, poderá ajuizar ação regressiva contra o notário ou registrador, se houver responsabilidade subjetiva clara do titular quanto ao não recolhimento do imposto.