A ocupação do terreno se encontra regularizada quando inscrita na Secretaria de Coordenação e Governança do Patrimônio da União, em nome do responsável, sob determinado número de RIP, obrigando-se a pessoa inscrita ao pagamento anual da taxa de ocupação
O “precedente” formado no julgamento do REsp 1.755.340/RJ, que considerou desnecessária a prova de dano efetivo ao bem público pelo particular para sua condenação ao pagamento de indenização pela ocupação não autorizada, não deve ser aplicado indistintamente aos casos de particulares que ocupam imóveis da União pendentes de regularização.
A base legal que norteou a decisão da 2ª turma do STJ está no art. 10 da lei 9.636/98, que dispõe o seguinte:
Art. 10. Constatada a existência de posses ou ocupações em desacordo com o disposto nesta Lei, a União deverá imitir-se sumariamente na posse do imóvel, cancelando-se as inscrições eventualmente realizadas.
Parágrafo único. Até a efetiva desocupação, será devida à União indenização pela posse ou ocupação ilícita, correspondente a 10% (dez por cento) do valor atualizado do domínio pleno do terreno, por ano ou fração de ano em que a União tenha ficado privada da posse ou ocupação do imóvel, sem prejuízo das demais sanções cabíveis.
De início, cabe salientar que a lei 9.636/98 não é o único diploma legal que rege os bens da União. Portanto, o fato de a “posse” ou “ocupação” estar em “desacordo” com referida lei é comando deveras vago, que não pode ser interpretado isoladamente.
Aliás, o legislador, ao referir-se à existência de “posse” pelo particular, embora ela nunca tivesse existido se o domínio fosse indiscutivelmente público, revelando-se, pois, mera detenção precária, admite sua preexistência em certos casos, ainda que, posteriormente, venha a ser reconhecida como injusta, de má-fé ou até mesmo impossível.
E, de fato, o exercício da “posse” do bem público é possível, no que diz respeito aos bens dominicais e aos desafetados (=anteriormente de uso especial), neste caso em razão de ter perdido sua destinação, daí por que o “ocupante” pode possuir a denominada “preferência ao aforamento”, como se revela o caso dos “que tiverem título de propriedade devidamente transcrito no Registro de Imóveis” (art. 105, 1º, do decreto-lei 9.760/46). E, nesses casos, lança-se uma questão: a inscrição de ocupação seria ato discricionário ou vinculado da Administração Pública?
Chama a atenção o fato de o texto da lei determinar o cancelamento das “inscrições eventualmente realizadas”. Ora, se o imóvel estava inscrito em nome do ocupante, como poderia a ocupação ser considerada “ilícita” para fins de indenização ao erário? A inscrição de ocupação é feita após regular processo administrativo e demanda o preenchimento, pelo ocupante, de certos requisitos previstos em lei, como o efetivo aproveitamento do terreno.
Em suma, a ocupação do terreno se encontra regularizada quando inscrita na Secretaria de Coordenação e Governança do Patrimônio da União, em nome do responsável, sob determinado número de Registro Imobiliário Patrimonial (RIP), obrigando-se a pessoa inscrita ao pagamento anual da taxa de ocupação. A falta de inscrição em nome do ocupante corresponde à falta de regularização.
Ocorre que, como dito acima, há imóveis pendentes de regularização. Nesse sentido, o indeferimento de pedido de inscrição de ocupação em razão da falta do preenchimento de um ou mais requisitos previstos em lei, não pode ser, pura e simplesmente, interpretado como uma ocupação ilícita do particular a demandar reparação de dano ao erário, mormente quando tratar-se de bem dominical. Muito menos o hiato entre a aquisição, pelo particular, dos direitos sobre a titularidade do imóvel e a averbação de transferência para fins de cadastro patrimonial.
Exceção seriam os bens de uso comum do povo, aí, sim, melhor se amoldando ao julgado em comento. Ainda assim, caberiam ressalvas, visto que essa espécie de bem pode ser utilizada, em certos casos, por particulares específicos, por meio de instrumentos jurídicos como a cessão de uso a título oneroso ou gratuito quando houver interesse público ou social, ou aproveitamento econômico de interesse nacional, para citar exemplos.
Importante ressaltar que a inscrição de ocupação, quando não há preferência ao aforamento, é ato precário, não gerando para o ocupante qualquer direito sobre o terreno, sendo mantida enquanto não contrariar o interesse público. Esta questão, em si (=interesse público), não dita somente os bens públicos, mas os particulares também. Se houver interesse público da União em determinado imóvel alodial, este poderá ser expropriado, ainda que o proprietário seja o detentor do domínio pleno, portanto, gozando de todos os direitos sobre a propriedade.
É pelos motivos aqui expostos, e por outros que podem vir a ser objeto de estudo mais minucioso, que o “precedente” em tela, entre aspas para enfatizar seu sentido lato e não o que defluí da atual codificação processual civil, deve ser tratado com a devida cautela na aplicação aos casos de ocupantes de imóveis da União que tenham seu pedido de inscrição de ocupação indeferido.