Em preciosa edição recente de sua antologia, Vinicius de Moraes nos joga na cara, mais de uma vez, que “quem ama não tem paz”. Não satisfeito, afirma, em suas entrelinhas, que somos todos mortais com duração justa e que a todos nós o abismo do tempo faz vigília. A poesia nesses nossos tempos nunca nos foi tão necessária, seja no tocante à vida, seja em seu derradeiro fim.
 
Hoje vivemos, todos e todas, sob a mão invisível do medo que uma pandemia gera, cria e concebe. Somos iguais, sem distinção. Daí tratarmos a morte e as enfermidades irremediáveis como assuntos adiáveis, deixando a desagradável decisão final para os parentes e amigos. Enfim, quem deve decidir se determinado tratamento deve ser mantido ou não? Quem deve decidir até onde queremos ir?
 
As questões mais controvertidas sobre o tema dizem respeito não ao corpo post mortem, mas aos pacientes acometidos por doenças gravíssimas e/ou em estados terminais que perderam a capacidade de manifestar suas vontades.
 
Assim são as discussões quanto à eutanásia, à distanásia e ao suicídio assistido, sendo o primeiro a abreviação da vida do enfermo por terceiro, o segundo, o prolongamento da vida a qualquer custo e o último, uma ação do próprio paciente, que, presenciado por terceiro, finda em sua morte, e distingue-se da eutanásia por ser realizado pela própria pessoa, e não por outrem.
 
A eutanásia e o suicídio assistido são práticas proibidas pela legislação brasileira e previstas como crimes, conforme disposição dos artigos 121 e 122 do Código Penal. Contudo, admite-se a ortotanásia, que nada mais é do que um direito à morte natural, sem intervenção de métodos extraordinários para o prolongamento da vida. Aqui o paciente não está optando em não receber nenhum medicamento, mas em morrer sem ser submetido a intervenções médicas que não lhe fazem mais sentido.
 
Nesse contexto, a Resolução nº 1.995/12 do Conselho Federal de Medicina define as chamadas “diretivas antecipadas de vontade” como o “conjunto de desejos, prévia e expressamente manifestados pelo paciente, sobre cuidados e tratamentos que quer, ou não, receber no momento em que estiver incapacitado de expressar, livre e autonomamente, sua vontade”.
 
Com isso, passou a ser adotado no Brasil o chamado testamento vital, ou escritura pública de diretrizes antecipadas, conferindo o direito à pessoa de formalizar sua vontade de como pretende ser tratada em caso de ficar incapacitada de se expressar livremente, em decorrência de moléstia grave.
 
O testamento vital é um documento eficaz, uma declaração de vontade, vontade última que deve ser atendida, respeitando-se sempre a legislação brasileira e a ética médica.
 
Assim, a pessoa que declara sua vontade de forma prévia se livra de ser submetida a tratamento do qual não deseja passar, libera a família de tomar decisões difíceis num momento de já inevitável tristeza, pois sabe, e aqui Fernando Pessoa nos define, que “a todos cerca o abismo do tempo que por fim os some”. Sem poesia e sem dor.