Em negócios jurídicos imobiliários e societários, por vezes motivos ligados a conveniência e as especificidades das tratativas, as partes optam por formalizar também a procuração denominada de “em causa própria”, com vistas à efetivação da transferência de bem para si mesmo ou para terceiros, diante de já ter sido realizado o prévio pagamento pela compra e venda do bem. Na hipótese de ser “em causa própria”, o Código Civil, em seu art. 685, estabelece que a procuração não é passível de revogação, não se extingue pela morte de qualquer das partes, dispensa o procurador de prestar contas, e permite que o procurador transfira para si mesmo o bem objeto do mandato.
 
A procuração em causa própria não se presume, devendo constar no instrumento a expressão “em causa própria” ou, embora não conste a referida expressão, que haja a referência expressa de que se opera a transferência, por parte do mandante, de todos os seus direitos ao mandatário ou que confere poderes para alienar o bem, declara ter recebido o preço, isentando de prestação de contas (STJ, AgInt nos EDcl no REsp 1542151/GO, rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, REsp 4589/PR, rel. Min. Athos Carneiro). Por conseguinte, na procuração em causa própria o Código Civil autoriza o autocontrato, isto é, permite a lei civil que venha ser celebrado contrato de compra e venda do bem, objeto do mandato, em que o procurador atua em nome do outorgante como vendedor e em nome próprio como comprador.
 
A procuração em causa própria não é título que importa a alienação da propriedade, mas se limita a conferir poderes ao procurador para a transferência da propriedade, de sorte que, se levado a registro perante o Cartório de Imóveis, não gera a transmissão da propriedade, não sendo fato típico a gerar a incidência do Imposto de Transmissão da propriedade imobiliária por ato intervivo (ITIV ou ITBI). Isso porque é assente a orientação jurisprudencial que o fato gerador do ITBI é o registro do título translativo da propriedade imobiliária perante o Cartório de Registro de Imóveis. Não incide o ITBI sobre o registro imobiliário de negócio jurídico que não é apto para gerar a transmissão da propriedade imobiliária (STJ, AGA 448245-DF, rel. Min. Luiz Fux).
 
Em outros termos, ao simplesmente outorgar o poder de alienar o bem, a procuração em causa própria não substitui os negócios jurídicos translativos da propriedade (v.g., compra e venda, permuta e doação), de modo que o procedimento de levá-la a registro perante o Cartório de Imóveis tem como finalidade dar ciência a terceiros (STJ, REsp 1.345.170/RS, rel. Min. Luis Felipe Salomão).
 
Em hipótese na qual o procurador munido de procuração em causa própria celebrou contrato de compra e venda de imóvel com terceiros, cuja propriedade imobiliária do mandante foi reputada inexistente por sentença, já se decidiu que a responsabilidade civil pela evicção deve recair sobre o procurador, eis que agiu na qualidade de titular do direito, e não sobre o mandante. Nesta situação concreta, o mandatário, com procuração em causa própria, atuou na qualidade de titular do direito sobre o imóvel, devendo, por isso, ser reputado como verdadeiro vendedor (STJ, REsp 1779055/SC, rel. Min. Nancy Andrighi).
 
A outorga da procuração em causa própria, na qual consta a autorização pelo mandante ao mandatário com poderes para transferir a propriedade do bem para si ou para terceiros, sem a necessidade de prestação de contas, esgota o negócio jurídico entre o mandante e o mandatário. Sendo assim, o substabelecimento da procuração em causa própria para terceiro revela um negócio jurídico celebrado pelo mandatário e o terceiro, podendo este, em caso de inadimplemento contratual, exigir o cumprimento específico do contrato em face do mandatário, e não do outorgante da procuração em causa própria (STJ, REsp 443770/RJ, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito). Pelos mesmos motivos, inexiste litisconsórcio passivo necessário entre o outorgante e o outorgado, em ação anulatória de compra e venda de imóvel, em que o vendedor foi representado por procurador com procuração em causa própria, de sorte que somente o patrimônio do procurador será atingido pela decisão judicial (STJ, REsp 1025920/RO, rel. Min. Massami Uyueda).