O direito de sequência é um direito patrimonial em que o artista plástico tem de participar do lucro gerado pelas vendas da sua obra de arte. É um direito reconhecido pela primeira vez na França, em 1920, e depois incorporado à Convenção de Berna (artigo 14), que está em vigor atualmente em mais de 70 países, inclusive no Brasil e em toda Comunidade Europeia.
 
O artigo 38 da nossa Lei de Direitos Autorais (LDA) o qualifica como um direito irrenunciável e inalienável do autor. Depois de sua morte, tal direito é transmitido aos herdeiros, os quais podem exercê-lo durante o prazo de proteção legal, que é, em regra, de 70 anos, a contar do ano subsequente da morte do artista.
 
No entanto, são raríssimos os casos em que o direito de sequência foi observado no Brasil. Até maio deste ano (quando tivemos novidade nessa temática), eram conhecidos apenas seis leading cases, destacando-se a atuação dos herdeiros de Portinari no pleito de tal direito. São eles:
 
1) O primeiro caso é a ação do espólio de Alfredo Volpi versus Bolsa de Arte Ltda., iniciado em 2006, na Justiça do Rio de Janeiro. O espólio perdeu a causa, pois, de acordo com o referido artigo 38 da LDA, que só inclui os vendedores e leiloeiros como depositários, houve ilegitimidade passiva, já que a ré Bolsa de Arte Ltda. apenas foi considerada “organizadora de leilões”;
 
2) O segundo caso é um raríssimo precedente de sucesso. É uma ação indenizatória da empresa Candido Portinari Serviços, Indústrias e Comércio Ltda. versus Banco do Brasil, que foi julgada procedente pelo STJ, em 2009, em sede de recurso especial, ocasião em que os valores foram indenizados à família. Resumidamente, o caso ocorreu assim: a empresa contraiu um empréstimo mútuo no valor de R$ 45.190,10, que foi extinto pela dação em pagamento de obras originais de Candido Portinari: 28 desenhos no valor de R$ 73.710,31. O Banco do Brasil conseguiu, em leilão, o preço total de R$ 163,8 mil com o arremate de tais obras. Porém, a instituição financeira não pagou a porcentagem devida sobre o aumento do preço obtido na alienação das obras, a título de direito de sequência, conforme a LDA vigente na época (Lei 5.988/73), razão pela qual mesmo o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro tendo julgado o pedido improcedente, o STJ reconheceu o direito de sequência e o dever de indenizar;
 
3) A família Portinari atuou ainda em outra ação de cobrança do valor referente ao direito de sequência contra Soraya Felipe Pereira Arte e Fotos e Evandro Carneiro de Souza, desta feita a partir de um leilão de quatro obras realizado em 2011. A 43ª Vara Cível/RJ julgou improcedente a ação sob o argumento de que caberia ao demandante realizar a prova do acréscimo do preço da revenda (da chamada “mais-valia”). O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro manteve a sentença de primeira instância, de 2015, entendendo que somente o vendedor teria a possibilidade de saber se houve ou não lucro na revenda, não cabendo inversão do ônus da prova (artigo 373 §1º, do CPC). A ação ainda não transitou em julgado, está em sede de recurso especial no STJ;
 
4) Em 2018, João Candido Portinari, não tendo obtido êxito nas tratativas extrajudiciais, ajuizou uma ação de cobrança contra a Bolsa de Arte Ltda. e a leiloeira oficial Vivian Perez, trazendo, dessa vez, um pedido diferente: postulou 5% do total apurado da venda de cinco obras de Cândido Portinari, caso não houvesse registro válido que comprovasse o lucro efetivo. O processo, que tramita na 5ª Vara Cível do Foro Central da Comarca da Capital de São Paulo, em 2019, terminou em acordo, em que a Bolsa de Arte pagou a quantia de R$ 104.250 a título de direito de sequência. A transação extinguiu o litígio;
 
5) Sandra Brecheret Pellegrini, filha de Victor Brecheret (1894-1955), autor do “Monumento às Bandeiras”, localizado no Parque do Ibirapuera, ajuizou ação cautelar contra a Galeria Ricardo Camargo, em 2007, para que esta exibisse documentos relativos às vendas das obras de arte do seu falecido pai. O TJ-SP (2008) negou a pretensão sob o argumento de ser ônus da autora comprovar a posse dos documentos;
 
6) O sexto caso foi a tentativa de habilitação do Instituto Nacional de Propriedade Artística Visual (Inpav) como amicus curiae no inventário de Nelson Nascimento Diz, que curiosamente teria como inventariante o atual ministro do STF Luís Roberto Barroso, lidando com um inventário de 120 obras de arte. O Inpav peticionou no processo de inventário, requerendo o pagamento a título de direito de sequência, diretamente aos artistas ou aos seus herdeiros ou por intermédio do próprio instituto. A tese do Inpav não foi aceita, pois se entendeu que o direito de sequência é de titularidade exclusiva do artista, e não de uma associação privada, por se tratar de direito irrenunciável e inalienável.
 
Recentemente, despontou um sétimo caso que integra o pequeno rol listado acima de pleitos de aplicação do direito de sequência, no Brasil:
 
7) Em maio deste ano, a Justiça de São Paulo entendeu ser devido os 5% sobre o valor de revenda de sete obras do fotógrafo Walter Firmo arrematadas no disputado leilão do Banco Santos, em 25/9/2020 (lotes 862 a 868). O êxito só foi possível em razão de uma estratégia inovadora para acompanhar o leilão, coletar provas idôneas e pleitear judicialmente o direito de sequência, com base na teoria dos direitos culturais. É, sem dúvida, uma vitória para o reconhecimento desse direito tão vilipendiado no Brasil.
 
Todas essas sete decisões judiciais demonstram que o sistema adotado no Brasil — o sistema de percentual sobre o aumento do preço (“mais-valia”) resultante das sucessivas vendas — é de difícil implementação. Há outras formas de se calcular o valor devido, tais como aplicar a alíquota incidente sobre o preço obtido em cada transação — percentual este calculado sobre o preço das vendas —, como é feito em Portugal, que inclusive abandonou a incidência da “mais-valia”.
 
Em resumo, o legislador brasileiro optou por adotar o sistema de participação no aumento do preço, indo contra o posicionamento hoje da Diretiva Europeia 2001/84/CE, que se vale do sistema de participação no preço.
 
Deveria ser simples, mas é um esforço hercúleo calcular o valor da mais-valia, já que é necessário provar dois valores: o da venda precedente, por vezes realizada há anos (e por vezes não feita pelo próprio artista) e o da venda atual.
 
O primeiro ponto relevante é o fato de que apenas o devedor (pessoa ou empresa que revendeu a obra de arte) tem conhecimento se a obrigação de pagar o direito de sequência existe ou não, pois só o próprio alienador sabe se obteve lucro ou não. Por outro lado, o comprador não consegue identificar se há direito de sequência devido, visto que não tem o valor da transação anterior. Além dos envolvidos na alienação, quem mais poderia deter essa informação seria a Receita Federal, quando informada sobre o ganho de capital, se estiver a obra entre os bens declarados, é claro.
 
O parágrafo único do artigo 38 da LDA de 1998 dispõe que, caso o vendedor ou leiloeiro não efetive tal pagamento do droit de suite, se enquadraria como depositário infiel. No entanto, esse instituto foi revogado pela Súmula Vinculante nº 25 de 2009. Em outros palavras, no Brasil, já não se aceita a prisão civil de depositário infiel. Portanto, não há qualquer meio de convencimento para os intermediários das revendas recolherem o direito de sequência voluntariamente.
 
O mercado das artes é um ambiente extremamente especulativo e especializado, business que envolve artistas, colecionadores, galeristas, produtores culturais, leiloeiros e uma vultosa concentração financeira das transferências dos bens das artes plásticas. Como há muitos intermediários, essas transações com arte dificilmente ocorrem de forma direta entre o criador e o comprador.
 
O mercado de artes plásticas não contém transparência, não só aqui no Brasil, como em diversos países, conforme afirma Rodrigo Moraes, professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia (UFBA), no artigo “Droit de Suite (Direito de Sequência): centenário na França e vindouro cinquentenário no Brasil”, publicado em 2020. Na análise de Moraes, “ninguém quer regulamentar porque ninguém quer ser pego pelo fisco. Ninguém quer recibo, contrato de compra e venda etc. para não ter de pagar Imposto de Renda”. Ainda vale considerar que muitos não gostam de se identificar como adquirente ou alegam que a obra foi adquirida graciosamente. Logo, seguimos sem o direito de sequência.
 
Mas ele existe! E o recente caso de Walter Firmo no leilão do Banco Santos comprova a sua existência.