Com a decisão fica uniformizada no Estado do Paraná, sem mais qualquer discussão, o que permitiria à Egrégia Corregedoria de Justiça Extrajudicial baixar provimento, no mesmo sentido do já mencionado Prov. 32/88
 
Com a política econômica introduzida pelo Plano Collor I (lei 8.024/90) e o confisco dos recursos das cadernetas de poupança e sua devolução pelo DER (Depósito Especial Remunberado), acabou gerando um paralisação dos financiamentos com recursos dentro do SFH (Resolução 1.446/88), situação essa que gerou uma reação do Governo Federal (gestão Itamar Franco) e a obrigação dos Agentes Financeiros em colocarem perto de 1,5 bilhão de reais, no sentido de reaquecer a economia e fortalecer o mercado da construção civil e sua gama de atuação, na forma da Resolução 1.980/93.
 
Considerando que esse mercado estava buscando outras formas de financiamento ao comprador final, com diversos planos de pagamento, com a obrigação de concessão de financiamento dentro do Plano Empresário, acabou gerando a produção de milhares de unidades em todo o país. Entretanto, esse reflexo alterou as vendas e, também, mesmo com financiamento bancário, algumas empresas contrataram a venda direta das unidades, recebendo o preço e não repassando a parte necessária para quitação da dívida parcial junto aos agentes financeiros. Dentro de toda essa problemática e ainda em decorrência dos problemas vivenciados pelo efeito Encol, com dezenas de prédios vendidos e a busca dos consumidores em juízo para liberação da unidade, em virtude do pagamento do preço, o STJ reconhecendo esse direito editou a Súmula 308, que passou a ser o alicerce jurídico nessas demandas. Além da busca pelo provimento judicial, também se tornou patente a busca do consumidor pelo registro da escritura de compra e venda, sempre lavrada com a ressalva da hipoteca, o que veio a agitar os serviços registrais na compreensão dos efeitos da Súmula 308, autorizando o registro, como também negando a entrada da escritura no álbum registral.
 
É caso da negativa que comento neste artigo. Mas apenas relembrando que o TJ do Paraná já havia se posicionado em consulta pelo Oficial do 10º Tabelião sobre os efeitos do artigo 292 da LRP e que, no caso, sendo verificada a expedição de notificação ao banco credor, poderia praticar o ato de registro da compra e venda, o que ainda determinou no Provimento 32/88, esclarecendo a posição do tribunal no âmbito dos serviços registrais. Mas, partir da Súmula 308, quando negado o registro da escritura, com ressalva da hipoteca, o comprador também passou a debater esta matéria. Neste caso, em suscitação de dúvida levantada pelo 4º RI de Curitiba – Autos 0001154-82.2020.8.16.0179 – e patrocinado pelos autores deste artigo, além da ação declaratória para cancelamento da hipoteca ajuizada contra a CEF (já com sentença de procedência, em grau de recurso), a matéria foi objeto de impugnação. O suscitante alegou como fundamentação para o não processamento dos atos de registro tendo em vista o contido no artigo 292 da lei 6.015/76, introduzido pela lei 6.941/81 e, ainda, a lei 8.004/90, exigindo anuência da CEF ou instrumento de liberação de hipoteca. Entretanto, em impugnação oferecida, foi alegado que, em nenhum momento o artigo 292 atingiu a relação jurídica entre os agentes financeiros e as empresas de construção civil, já que os mecanismos de segurança jurídica da operação, sempre decorreu da constituição da hipoteca de primeiro grau e da fiança pessoal dos sócios. Além do mais, a lei 8.004, de 14 de março de 1990 (ainda no bojo do Plano Collor), regulou sobre a transferência de financiamento dentro do Sistema Financeiro da Habitação.
 
Assim sendo, consultando o comentário do saudoso Walter Ceneviva, nos artigos 292 e 293 da lei 6.015/76, encontramos: “estão implicitamente revogados pela lei 8.004/90”. Também foi exposto que a matéria trazida pelo suscitante estava totalmente superada por ampla discussão já ocorrida nas varas especiais e na Corregedoria de Justiça do Estado de São Paulo, conforme demonstra Ademar Fioranelli (Direito Registral, Editora Fabris 2001, pg. 303/3015), quando demonstra: “Até o advento da lei Federal 8.004, de 14.03.90, as alienações de imóveis hipotecados a agentes financeiros do SFH eram concretizadas através de escritura pública de compra e vendas (na sua maioria) sem a interferência do credor hipotecário, respeitado o disposto nos arts. 292 e 293 da lei 6.015/73, com a nova redação que lhe deu a lei 6.941/81”. Ainda, com lição de Walter Ceneviva, in lei de Registros Públicos Comentada, referencia claramente a dispensabilidade de o credor hipotecário intervir no instrumento: “O imóvel hipotecado pode ser alienado, assim como podem ser transacionados pelo devedor os direitos a eles referentes, sem que o credor intervenha no instrumento negocial, desde que satisfeitas as exigências (art. 292 da lei 6.015/73).
 
Em consulta formulada à 1ª. Vara de Registros Públicos de São Paulo, publicada na Revista de Direito Imobiliário 11/159, o ilustre Juiz Narciso Orlandi Neto já dava a melhor interpretação ao texto legal, dizendo: “O art. 292 da lei 6.015/73, com a redação dada pela lei 6.941/81, não exige anuência do credor hipotecário (destaque nosso), mas prévia comunicação, nos prazos previstos, da alienação do imóvel dado em hipoteca a agente financeiro do Sistema Financeiro da Habitação em garantia do financiamento de casa própria”.
 
“O Provimento 32/88 da lavra do eminente Desembargador Cláudio Nunes do Nascimento, esclareceu de vez a fundamentadamente a questão relativa à consulta – “não é exigível consentimento expresso ou interveniência do credor hipotecário para convalidar o instrumento negocial”. Assim, ficou sustentado que a norma posterior, que derrogou a anterior, nessa parte. Prevalece o disposto no art. 2º, § 1º, da lei de Introdução ao Código Civil. José de Mello Junqueira apresenta sua doutrina: “Exemplo, um contrato de aquisição de casa própria com intervenção do sistema financeiro da habitação, cuja finalidade é propiciar aos mais pobres a possibilidade de ter sua moradia, toda a sua interpretação e cláusulas voltam-se a essa finalidade, limitando-se a manifestação de vontade para esse objetivo. A qualificação registral desse contrato deverá estar voltada a essa finalidade, onde os conceitos e princípios devem ser mais abertos à busca desse objetivo.
 
Daí o registrador dever, antes, propiciar o registro do contrato, sob essa ótica, que recusá-lo”. Recebida a suscitação o douto juiz mandou ouvir o MP, o qual em seu parecer exigiu a intimação da CEF, como credora, o que foi rejeitado. Assim foi julgada improcedente a dúvida, destacando-se o mérito: “A par destas constatações, a exigência registral não pode prevalecer, afastando-se a incidência do art. 292 da lei 6.015/73 no caso em comento, porquanto, na hipótese de compromisso de compra e venda, não é necessária a prévia anuência do credor hipotecário, uma vez que o contrato particular de mútuo com garantia hipotecária foi celebrado unicamente entre a Caixa Econômica e empresa.Conclui-se que, para o registro da escritura pública de compra e venda celebrada no evento 1.1, não há que se falar em cancelamento da hipoteca ou consentimento prévio do credor hipotecário, o que encontra amparo na Súmula 308 do STJ. Diante do exposto, julgo improcedente a dúvida suscitada, afastando a exigência contida no item '1' da Diligência Registral 1152 de 2020, nos termos da fundamentação sentencial”.
 
O MP sem qualquer fundamento apelou da decisão, mas o TJ/PR. negou provimento, mantendo a respeitável sentença: “Ante o exposto, acordam os Desembargadores da 18ª Câmara Cível do TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO PARANÁ, por unanimidade de votos, em julgar CONHECIDO O RECURSO DE PARTE E NÃO-PROVIDO o recurso de Ministério Público do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em julgar CONHECIDO O RECURSODE PARTE E NÃO-PROVIDO o recurso de CARTÓRIO DE REGISTROS DE IMÓVEIS DA 4ª CIRCUNSCRIÇÃO DE CURITIBA representado(a) por 4º CARTORIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS DE CURITIBA, na pessoa de seu oficial MARCIO DE VASCONCELOS MARTINS. Desta forma, com a decisão fica uniformizada no Estado do Paraná, sem mais qualquer discussão, o que permitiria à Egrégia Corregedoria de Justiça Extrajudicial baixar provimento, no mesmo sentido do já mencionado Prov. 32/88.