Até 2017, os loteamentos fechados não possuíam previsão legal em nosso ordenamento jurídico. A lei 6.766/79 contemplava, simplesmente, os loteamentos abertos, onde as ruas são públicas e é exigido um percentual para às áreas verdes e institucional. Já no caso dos condomínios, as ruas não são públicas e fazem parte do todo, de forma que os condôminos são donos de uma fração ideal delas. Diante disso, sua manutenção é obrigação do particular, sendo rateadas as despesas entre os condôminos.
 
Ao planejar a criação de um loteamento, muitas vezes os loteadores já previam o seu fechamento, ainda que a lei não tratasse especificamente desse tipo de empreendimento. Porém, tendo garantido o seu direito de impor restrições ao direito de propriedade, fazia constar, tanto do projeto apresentado à Prefeitura Municipal, quanto, especialmente, da minuta do contrato padrão de promessa de venda e compra, a existência de uma série de melhorias e serviços que fariam parte daquele residencial. Em contrapartida, também deixava expressamente registrada a obrigação dos adquirentes de imóveis naquele local, de assumir o ônus pela manutenção desses equipamentos como portaria e segurança 24h, por exemplo.
 
Com o empreendimento aprovado pela Prefeitura Municipal, bem como os documentos obrigatórios arquivados no Cartório de Registro de Imóveis, a eles se presume conhecimento público, não podendo, qualquer adquirente de lote, alegar desconhecimento das regras previstas pelo loteador desde a concepção do loteamento. Em outras palavras, valendo-se do direito previsto na Lei 6.766/79 de impor restrições ao uso da propriedade, o loteador propôs e a Prefeitura Municipal aprovou a criação de um loteamento que seria cercado, bem como que os serviços público delegáveis, internos, seriam contratados e administrados por uma associação a ser constituída para essa finalidade. Assim, todos os adquirentes de lotes no local se submeteriam às regras impostas, todas constantes do exemplar do contrato padrão de compromisso de venda e compra, arquivado no registro imobiliário, conforme imposto pela mesma lei.
 
Há muitos anos, as associações criadas para administração dos loteamentos fazem a contratação dos bens e serviços necessários para a manutenção de todos os equipamentos públicos ali existentes, incluindo, exemplificativamente, ruas, iluminação, distribuição de água, de correspondências, limpeza, cuidados com as áreas verdes e, principalmente, segurança. As despesas contraídas são divididas entre todos os proprietários, a cada um cabendo arcar com a sua cota-parte, conforme previsto nos documentos arquivados no Cartório de Registro de Imóveis.
 
Alguns proprietários, pelas mais diversas razões, não cumprem com sua obrigação e deixam de pagar as taxas que lhe são impostas. Em defesa às ações de cobrança propostas para receber os valores devidos, passaram a invocar as garantias do artigo 5ᵒ, XX da Constituição Federal e a alegar não poderem ser compelidos a associar-se ou a permanecer associado.
 
Esse argumento foi refutado durante muitos anos até que, em 2008, o STF firmou entendimento no sentido de que ninguém pode ser obrigado a participar de associação, sob pena de ofensa ao princípio constitucional da livre associação. Neste sentido, as associações não podem impor o pagamento de uma “taxa associativa” a proprietário “não associado”, ou seja, que a ela não aderiu expressamente.
 
Também em 2011 o assunto foi tratado no STF, ocasião em que a Primeira Turma decidiu, nos autos do RE n.º 432.106/RJ, pelo não cabimento da cobrança de mensalidade ao morador do imóvel não associado à entidade criada para administrar o loteamento.
 
Após esse julgamento, o Superior Tribunal de Justiça apreciou o Tema n.º 882 em sede de recursos repetitivos. Considerando que o assunto era eminentemente constitucional, concluiu pela impossibilidade de cobrança de taxas de manutenção por meio das associações civis. Firmou-se no STJ, então, desde 2015, a seguinte tese: As taxas de manutenção criadas por associações de moradores não obrigam os não associados ou que a elas não anuíram.
 
Mesmo assim as associações vinham conseguindo manter as cobranças das taxas de manutenção. Uma vez previsto naquele documento que a manutenção das áreas públicas intramuros e a prestação de serviços de interesse da coletividade seriam administradas por uma associação e custeadas, mediante rateio, por todos os proprietários, não se havia de falar em não adesão.
 
Após longos dez anos de espera, finalmente o julgamento do Recurso Extraordinário n.ᵒ 695911 foi pautado pelo STF, tendo sido concluído no dia 15 de dezembro de 2020.Por seis votos contra cinco foi decidida a tese de que é “inconstitucional a cobrança por parte de associação de taxa de manutenção e conservação de loteamento imobiliário urbano de proprietário não associado até o advento da Lei nº 13.465/17 ou de anterior lei municipal que discipline a questão, a partir do qual se torna possível a cotização de proprietários de imóveis, titulares de direitos ou moradores em loteamentos de acesso controlado, desde que, i) já possuidores de lotes, tenham aderido ao ato constitutivo das entidades equiparadas a administradoras de imóveis ou, (ii) no caso de novos adquirentes de lotes, o ato constitutivo da obrigação tenha sido registrado no competente registro de imóveis”.
 
A tese tem causado muita discussão entre os operadores de direito, primeiro, pela total falta de clareza quanto à sua aplicação; segundo, pois se analisada de forma literal, impossibilita a continuidade dos trabalhos praticados pelas associações criadas antes de 2017, quando foi promulgada a lei 13.465, que passou a prever a figura dos loteamentos com controle de acesso. Não considerar o exemplar do contrato padrão de compromisso de venda e compra, com previsão da assunção das obrigações do Poder Público pelo particular e constituição da Associação para administrá-las, como ato constitutivo da obrigação, é fadar à morte todos esses loteamentos.
 
A impossibilidade da cobrança dos inadimplentes pelas associações será um incentivo ao inadimplemento. Aqueles que já não pagam, se manterão devedores; os que pagam, mas já tinham intenção de não o fazer, se tornarão devedores; muitos que pagam, se sentirão injustiçados ou abusados e, por isso, deixarão de pagar, tornando-se devedores; outros que pagam, não mais terão condições financeiras de assim permanecer, pois o rateio, antes feito entre todos os proprietários, passará a se dar entre uma quantidade bem menor de proprietários.
 
Concluindo, não havendo pagantes, não há como manter os serviços, muitos dos quais de responsabilidade originariamente pública, mas até hoje assumidos pelo particular, com a conivência das Prefeituras. As consequências disso são imensuráveis como o endividamento da máquina pública, pois os municípios não têm orçamento disponível para assumir essa conta. A manutenção de todas as áreas públicas existentes dentro dos loteamentos fechados é feita pelas associações. Sem o investimento do particular, as ruas deixarão de ser recapeadas, muitas vezes até pavimentadas, os reservatórios de água deixarão de ser mantidos, os lagos serão assoreados, as erosões não serão tratadas, a sinalização de trânsito não será mais feita, entre outras.
 
O prejuízo ao meio ambiente se dará com o abandono de áreas verdes, desde sempre todas mantidas pelas associações, com cuidado de pragas, replantio de mudas e fiscalização de atos atentatórios ao meio ambiente, como intervenções em APP e queimadas.
 
A segurança é um dos pontos mais desastrosos, pois é o maior comprometimento financeiro desse tipo de empreendimento. Buscando minimizar os riscos de sofrer assaltos e outras ações criminosas, as pessoas buscam, a cada dia mais, proteção nos condomínios e loteamentos fechados, onde se contratam arsenais de equipamentos e serviços para combate da criminalidade. Na hipótese do particular ser forçado a deixar de arcar com esses custos, competirá à municipalidade garantir a segurança daquela área, com os parcos recursos que sabemos existir para essa finalidade.
 
Todos os fatores acima, quando concretizados, acarretarão inevitável desvalorização imobiliária da região que, se antes era bem cuidada, fiscalizada, segura, limpa, sem buracos nas ruas e organizada, passará a ficar à mercê das possibilidades da máquina pública para execução dos serviços, antes prestados pelo particular.
 
Isso sem falar no desemprego, visto que todos os serviços internos e externos para manter os loteamentos fechados são prestados por profissionais remunerados, sejam funcionários das próprias associações, sejam terceirizados, empregados de empresas contratadas que fornecem a mão de obra para tanto.
 
Em resumo, a decisão do STF, se mantida, resultará em um endividamento enorme de muitos municípios do país, no comprometimento do erário e na necessidade de direcionamento de recursos que, hoje, são investidos em regiões que tem mais necessidade.
 
Diante dos problemas apontados, é imprescindível que haja uma organizada manifestação por parte das Prefeituras, representadas pela Confederação Nacional dos Municípios ou Frente Nacional dos Prefeitos, levando o assunto para discussão em Brasília.
 
A primeira providência seria apresentar as preocupações ao conhecimento do STF para que module a decisão, criando mecanismos que protejam os adquirentes de lotes em loteamentos sem previsão de fechamento e de assunção das obrigações públicas, mas não ignore a situação fática de todo país que, até 2017, com autorização da lei 6.766/79, previa a obrigação do pagamento de cota-parte no rateio dessas despesas, que seriam administradas por uma associação.
 
Na hipótese de não haver tempo hábil para modificar a tese no STF, será necessária a mobilização para criação de lei que se aplique para esses casos, evitando que as consequências nefastas citadas sejam concretizadas.