Pandemia da Covid-19, com seus isolamentos e os desafios da convivência, provocou alterações de comportamento que foram percebidas pelo Colégio Notarial do Brasil
O número de casais que se divorciaram no primeiro semestre deste ano em Campinas (SP) bateu recorde. Foram 379 ocorrências no período, o maior número desde 2007, quando cartórios começaram a realizar os processos. Vice-presidente do Colégio Notarial de SP, Andrey Guimarães Duarte pontua que o registro é um reflexo da pandemia da Covid-19, um resultado dos isolamentos, desafios na convivência e mudanças no comportamento.
O dado representa um aumento de 20,3% em relação aos primeiros seis meses de 2020 – período que já começou a sentir os efeitos da quarentena para evitar o contágio por coronavírus e iniciou a tendência de alta. Considerando os 16 meses de pandemia, entre março de 2020 e junho de 2021, foram 1.010 divórcios na metrópole.
“O divorcio é uma decisão tomada com ponderação, não é algo feito por impulso. A pandemia causou um impacto enorme, dificuldade financeira, de convivência, de saúde, isso tudo tornou os relacionamentos mais difíceis. É uma decisão tomada lentamente e esse reflexo vai acontecer mais pra frente”, explica o vice-presidente regional.
Se para alguns casais a separação definitiva foi a solução, para outros a união ganhou um empurrãozinho nos dias de confinamento. Uniões estáveis tiveram alta de 29,3% no semestre, em comparação com os seis primeiros meses de 2020; e casamentos subiram 13,9% nos últimos seis meses, período em que teve início a vacinação contra Covid-19 e a melhora no cenário econômico.
“Pessoas que viviam sozinhas começaram a viver com seus companheiros. Outra motivação é que as que tinham relacionamento informal, ainda que vivessem juntas, viram na pandemia uma oportunidade de formalizar para identificar os companheiros como beneficiados de planos de saúde e seguros. Muitas foram atrás de comprovar para garantir direito de herança”, explica Duarte.
Divórcios sem litígio
Por escritura pública, casais que não possuem filhos menores de 18 anos ou incapazes conseguem fazer o processo com maior agilidade em um Cartório de Notas. Também precisa ser uma decisão consensual, pois se houver desacordo ou brigas por bens, o divórcio precisa ser feito por meio do processo judicial em um Fórum.
No cartório, a separação definitiva pode ser registrada online – na plataforma E-notariado – ou presencialmente, com todos os registros validados e arquivados dentro da legislação.
“Divórcios sem dependentes e sem divisão de bens podem ser feitos em cerca de uma hora. Se for online, será feito por videoconferência, onde os dois não precisam estar juntos numa mesma reunião. As gravações são criptografadas e arquivadas. E nos dois casos é necessário ter a presença do advogado”, afirma Andrey Duarte.
Apesar da alta, o balanço do primeiro semestre teve resultado menor do que o segundo semestre de 2020, quando foram 450 divórcios registrados em Campinas.
Uniões estáveis e testamentos
Também formalizadas em Cartórios de Notas, as uniões estáveis representaram oportunidade para alguns casais na pandemia e também uma forma de lidar com as incertezas que passaram a fazer parte da rotina, diante do alto número de casos graves e mortes por coronavírus.
Foram 406 uniões entre janeiro e junho, contra 314 no mesmo período do ano passado.
“As pessoas entenderam a importância de ter formalizadas as suas relações para evitar problemas. A incerteza ficou maior e, diante disso, é preciso deixar as coisas mais ou menos acertadas”, explica Duarte.
No caso dos testamentos, a alta no período foi de 18,3% – 174 documentos em 2021 contra 147 no ano passado.
Os dados do Colégio Notarial do Brasil mostram registros de pessoas de classes mais comuns, afastando o mito de que este documento seria usado mais por pessoas ricas ou com muitas posses. O valor do documento, inclusive, é fixo, independe do volume de bens a dividir.
“Tem sido feito por pessoas de todas as classes sociais. O testamento soluciona a partilha, mas ele só vai ser aplicado no processo de inventário. Indica o que é de cada um e não só o percentual das divisões. É possível levar o testamento para o juiz fazer a validação e, em seguida, enviar para o cartório para fazer o inventário em si. Ele garante que a vontade da pessoa seja respeitada”, explica.
Casamentos em alta
A metrópole teve 2.877 casamentos entre janeiro e junho deste ano, contra 2.526 no mesmo período do ano passado. Segundo a Associação dos Registradores de Pessoas Naturais do Estado de São Paulo (Arpen-SP), ainda não alcança o dado do semestre de 2019 – que teve 3.512 uniões – mas é representativo diante da melhora no cenário da pandemia.
“No começo houve um entrave, de não aglomerar, de ninguém sair de casa. Então, a procura dos casamentos baixou. O retorno parece estar intimamente ligado à positividade de notícias, um número maior de vacinados, reabertura do empresariado, comércio, e naturalmente isso facilita que as pessoas fiquem mais à vontade de buscar serviços dos cartórios”, explica Daniel Corrêa, oficial do Cartório de Registro Civil, representante regional de Campinas e especialista em direito da família.
Diferentemente das uniões estáveis – que atualmente garantem os mesmos direitos no que diz respeito à divisão de bens e constituição de família – o casamento é a formalização que, entre outras diferenças, garante a mudança do estado civil da pessoa.
“Está enraizado no brasileiro que o casamento faz o marido e a esposa. Quando é perguntado sobre o estado civil, casado ou casada se aplica. Já na união estável, não há mudança de estado civil. É o anterior que continua valendo, seja divorciado, solteiro ou viúvo”, esclarece Corrêa.
A união estável pode ser convertida em casamento. É feito o processo de habilitação, mas não é necessário juiz de paz nesse caso. Dentro de um prazo do Cartório de Registro Civil, correm os proclames públicos e é emitida a Certidão de Casamento.