Em 10 de agosto de 2021, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça reconheceu a possibilidade de resolução extrajudicial de compromisso de compra e venda na hipótese de exercício de direito decorrente de cláusula resolutiva expressa (art. 474 do Código Civil). No caso específico, o Superior Tribunal de Justiça entendeu ser possível a propositura de ação possessória sem a necessidade de ajuizamento prévio de ação de resolução, tendo em vista a regular constituição em mora do promissário comprador, o decurso do tempo sem o adimplemento e o exercício de direito decorrente da cláusula resolutiva expressa presente no compromisso.
 
A decisão inova completamente o que era, até então, o entendimento da Corte. Há anos, o Superior Tribunal de Justiça se manifesta no sentido de que, ainda que existente cláusula resolutiva expressa no compromisso de compra e venda de imóvel, seria necessária a resolução por meio do Poder Judiciário: “a jurisprudência do STJ entende que é imprescindível a prévia manifestação judicial na hipótese de rescisão de compromisso de compra e venda de imóvel para que seja consumada a resolução do contrato, ainda que existente cláusula resolutória expressa, diante da necessidade de observância do princípio da boa-fé objetiva a nortear os contratos. Precedentes” (AgInt no AREsp 1278577/SP, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 18/09/2018, DJe 21/09/2018).
 
Assim, para o ajuizamento de ação de reintegração de posse pelo promitente vendedor, ele deveria, em primeiro lugar, ajuizar ação de resolução, independentemente do exercício prévio de direito de resolução decorrente de cláusula resolutiva expressa, sob pena de extinção da ação possessória por falta de interesse de agir.
 
Já tivemos a oportunidade de nos manifestar a respeito do tema, criticando o entendimento, tanto jurisprudencial quanto doutrinário, no sentido de que, no ordenamento jurídico brasileiro, não seria possível a resolução extrajudicial do compromisso de compra e venda de imóvel. Notadamente, tal entendimento esvazia por completo a eficácia da cláusula resolutiva expressa nesse contrato, cuja legislação específica apenas impõe a necessidade de interpelação para constituição em mora (mora ex persona), e não a vedação de resolução extrajudicial do compromisso. Conforme pontua de maneira precisa Pontes de Miranda, a constituição em mora e a resolução consistem em “momentos inconfundíveis”. Nesse sentido, ainda que a lei imponha o ônus de constituir em mora o promissário comprador que não paga o preço, isso não impede que o promitente vendedor, após a constituição em mora e verificado o decurso do prazo para sua purga, exerça o direito de resolução extrajudicialmente, caso se valha de cláusula resolutiva expressa.
 
Embora nunca tenha havido proibição legal para que o compromisso de compra e venda de imóvel pudesse ser resolvido extrajudicialmente, por manejo da cláusula resolutiva expressa, o próprio legislador buscou meios de deixar essa possibilidade ainda mais clara, notadamente em razão de consolidado entendimento, tanto dos tribunais quanto da doutrina, em sentido contrário. A lei 13.097/2015 alterou o Decreto-lei 745/69, que dispõe sobre a mora do promissário comprador nos compromissos de compra e venda de imóvel não loteado, inserindo a seguinte previsão (art. 1º, parágrafo único): “Nos contratos nos quais conste cláusula resolutiva expressa, a resolução por inadimplemento do promissário comprador se operará de pleno direito (art. 474 do Código Civil), desde que decorrido o prazo previsto na interpelação referida no caput, sem purga da mora”.
 
Buscou-se, com a alteração legal, atender “às exigências de celeridade do mercado imobiliário”, por meio da redução do dispêndio de tempo e de recursos para a obtenção de provimento jurisdicional declaratório ou constitutivo da resolução, permitindo – nos termos do que já previa o art. 474 do Código Civil – a resolução extrajudicial do compromisso. No entanto, mesmo após a mudança legislativa, ainda havia resistência ao reconhecimento da eficácia da cláusula resolutiva expressa no compromisso de compra e venda.
 
O recente posicionamento da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que o credor lesado pelo inadimplemento não necessita obter judicialmente a prévia resolução judicial do compromisso para reaver a posse de seu imóvel é, assim, importante conquista para o direito privado. O reconhecimento da eficácia da cláusula resolutiva expressa no compromisso de compra e venda dá maior autonomia às partes, que podem, por si próprias, obter a pacificação dos seus conflitos sem necessidade de provimento jurisdicional.
 
Conforme bem apontou a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça: “a vantagem da estipulação expressa é que, ocorrendo a hipótese específica prevista no ajuste, o efeito resolutório da relação negocial disfuncional subsistirá independentemente de manifestação judicial, sendo o procedimento para o rompimento do vínculo mais rápido e simples, em prestígio à autonomia privada e às soluções já previstas pelas próprias partes para solução dos percalços negociais”.
 
Cumpre salientar, por fim, que o reconhecimento da eficácia da cláusula resolutiva expressa no compromisso de compra e venda de imóvel não consiste em impedimento, ao promissário comprador, de acesso ao Judiciário. Conforme apontado pelo Superior Tribunal de Justiça ao reconhecer a eficácia da cláusula nesse contrato: “em hipóteses excepcionais, quando sobressaírem motivos plausíveis e justificáveis para a não resolução do contrato, sempre poderá a parte devedor socorrer-se da via judicial a fim de alcançar a declaração de manutenção do ajuste (…)”.
 
Observa-se, portanto, que a decisão da Quarta Turma transfere ao promissário comprador o ônus de demonstrar situação excepcional que impede o exercício do direito de resolução extrajudicial, mas não impossibilita seu exercício de direito de defesa. É o caso, por exemplo, de pedido de concessão de efeito suspensivo em agravo de instrumento contra decisão que determinar a reintegração na posse, ou mesmo de ação autônoma visando à preservação do contrato após o recebimento de notificação extrajudicial do promitente vendedor para resolver o compromisso.
 
Caberá à jurisprudência e à doutrina, agora, contribuir para deixar claros os parâmetros para aferir quais seriam essas “hipóteses excepcionais” que obstariam o exercício do direito de resolução extrajudicial do compromisso de compra e venda de imóvel, a fim de conferir a segurança jurídica necessária no mercado imobiliário e de consumo.