É possível a aplicação da teoria da aparência para afastar suposto vício em negociação de imóvel feita por pessoa que falsamente se apresenta como habilitada para tanto, desde que o terceiro tenha firmado o ato de boa-fé.
 
Essa conclusão foi posta à prova em julgamento da 4ª Turma, porém reafirmada por maioria de votos, com negativa de provimento de recurso especial. Com o resultado, mantém-se hígida as aquisições de terrenos em loteamento no Espírito Santo, feitas por duas empresas.
 
O processo foi ajuizado pela Vivaqua Irmãos, com pedido de declaração de nulidade das escrituras públicas de compra e venda de lotes sob o argumento de que esses negócios jurídicos, desde a constituição e registro imobiliário do loteamento até a alienação dos terrenos, foram celebrados por pessoas que não detinham a propriedade dos imóveis.
 
Isso foi possível porque a Vivaqua outorgou procuração lavrada em instrumento público em favor de Umberto Jabour Antonini em 1997. Ele, por sua vez, substabeleceu esses poderes para José Maria Vivacqua dos Santos e José Eduardo Vervloet dos Santos, ainda no mesmo ano.
 
Só em 2001 a Vivaqua acionou a Justiça para obter o reconhecimento da nulidade dessa procuração e do respectivo substabelecimento e teve sucesso, com trânsito em julgado em 2004. Desde então, tem tentado anular todos os negócios jurídicos feitos por meio daquele documento, sempre sem sucesso.
 
Em seguidas decisões, o STJ aplicou a teoria da aparência para concluir que, sem saber que a procuração era viciada — ou então sem ter como saber —, os adquirentes dos lotes agiram de boa-fé ao fazer o negócio, não podendo ser prejudicados pela anulação do mesmo.
 
Em três recursos julgados na 4ª Turma, a ministra Isabel Gallotti propôs uma nova reflexão.
 
Ela destacou que a teoria da aparência é aplicável em situações ordinárias e rotineiras em que a agilidade das transações não comportaria com a exigência de comprovação de que aquele que faz o negócio em nome da empresa de fato a representa.
 
Não é o que se identifica no caso dos loteamentos no Espírito Santo, em que se firmaram negócios jurídicos formais e solenes entre empresas sem o conhecimento ou consentimento da proprietária dos imóveis — a Vivaqua Irmãos — por meio de procuração declarada nula por decisão judicial transitada em julgado.
 
“No caso de alienação de imóvel por quem não é o seu proprietário ou por meio de pessoa a quem não tenham sido outorgados poderes para essa finalidade, a consolidada jurisprudência deste Tribunal orienta-se no sentido de considerar configurado vício insanável que enseja a inexistência ou nulidade absoluta do negócio jurídico e de todas as vendas subsequentes”, defendeu a ministra.
 
Por isso, não seria possível prestigiar a boa-fé do terceiro adquirente. Logo, não teria aplicação a teoria da aparência.
 
A maioria da 4ª Turma resolveu manter a posição até então vigente. Relator, o ministro Marco Buzzi destacou em voto-vista que a transação de imóveis, de fato, se reveste de diversas formalidades que exigem maior prudência e atenção.
 
“Ainda assim, quando as particularidades do caso concreto demonstrem a fundada crença de absoluta regularidade do negócio jurídico pactuado, deve ser preservada a aparência e a boa-fé do terceiro”, disse.
 
Ele destacou que na época das transações, não havia qualquer indício de vício da procuração, inclusive porque foi outorgar por integrantes da direção da empresa e substabelecida a outras do mesmo núcleo familiar dos sócios.
 
“Logo, seja pela coincidência de sobrenome, pelos instrumentos públicos de procuração e substabelecimento, pelo contrato de parceria, ou pela condição de incorporadores, é certa a existência de elementos suficientes para levar qualquer pessoa a crer na legitimidade da representação —adentrando-se, aqui, na boa-fé dos adquirentes”, concluiu.
 
O tema foi, também, reapreciado pela 3ª Turma recentemente, com a conversão de um agravo no Recurso Especial 1.852.345 para aprofundar a análise. Por unanimidade, em maio, o colegiado reforçou o cabimento da teoria da aparência, indicando que o terceiro adquirente de imóvel, a título oneroso e de boa-fé não é alcançável por decisão em processo de que não fora parte — no caso, a decisão que reconheceu a nulidade da procuração.
 
Na 4ª Turma, votaram com o relator os ministros Raul Araújo e Antonio Carlos Ferreira. Ficou vencida a ministra Maria Isabel Gallotti. Não participou do julgamento o ministro Luís Felipe Salomão.
 
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AREsp 737.757
AREsp 760.041
AREsp 1.258.775