Sistema brasileiro 
 
O sistema de transmissão da propriedade imobiliária que vigora no Brasil atualmente é o do título e modo, pelo qual a transferência dos imóveis se efetiva, em regra, com o registro do contrato realizado entre as partes na serventia extrajudicial de Registro de Imóveis.
 
No entanto, até o início do século XX, vigorava no Brasil o sistema de transmissão do título, semelhante ao modelo português. Pelo sistema do título, a propriedade se transferia pelo próprio contrato, não sendo necessário o registro para constituí-la; o registro, na verdade, tinha outros objetivos, tais como o de dar oponibilidade erga omnes ao direito real, mas não o de efetivar sua transferência.
 
O sistema do título e modo somente foi instituído no país pelo Código Civil de 1916, no art. 530, I, o qual passou a determinar, justamente, que a propriedade imobiliária seria adquirida pela “transcrição do título de transferência no registro do imóvel”. Tal dispositivo equipara-se ao atual art. 1.245, caput, do Código Civil de 2002, o qual determina que a propriedade entre vivos se transfere “mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis”. Ambos os dispositivos deixam clara a adoção do sistema de transmissão do título e modo para a propriedade imobiliária, ao determinar expressamente que a aquisição do bem depende do registro na serventia extrajudicial.
 
O projeto foi proposto por C. Bevilaqua, que entendia ser o sistema do título inapropriado por sua “inconsequência”, na medida em que se atribuía ao contrato o condão de transmitir a propriedade, mas não de gerar efeitos oponíveis a terceiros, e por ir de encontro com a característica do próprio direito real que seria, justamente, a oponibilidade erga omnes1.
 
De certo modo, concorda-se com o argumento de que não há lógica em manter um sistema em que existe uma “propriedade relativa”2. Não há sentido em criar-se uma propriedade inter partes que vale somente entre o vendedor e o comprador, desvirtuando, de fato, a característica do direito real de oponibilidade erga omes.
 
Essa divisão dos efeitos da propriedade pode gerar uma série de problemas e inseguranças desnecessárias, que seriam facilmente resolvidas com a adoção do princípio da tradição (propriedade só se transmite com o registro) ou, minimamente, com o estabelecimento de que seria apto a gerar tanto a oponibilidade inter partes quanto a erga omes.
 
A adoção do princípio da tradição, que implica no “modo” na nomenclatura do sistema, verifica-se expressamente nos arts. 1.226, 1.227, 1.245 e 1.267 do Código Civil. A propriedade da coisa móvel não se transfere, em razão de transmissão inter vivos, antes da tradição; e da coisa imóvel, antes do registro. É necessário, portanto, o modo para que se efetive a transmissão da propriedade imobiliária.
 
Diz-se, ainda, que o sistema é também de “título”, porque, no direito brasileiro, o fundamento jurídico ou causa de mutação jurídico-real está no título, notadamente um contrato3, que será, justamente, o negócio levado a registro para que se efetive a transferência do direito real. É da relação entre o contrato e o registro, inclusive, que se extrai a causalidade do sistema, ou seja, o vínculo entre o direito obrigacional e a disposição da propriedade pelo registro.
 
Não se encontram divergências doutrinárias quanto à adoção dos princípios da tradição e da causalidade no sistema de transmissão brasileiro. Existem controvérsias, contudo, em relação aos princípios da unidade e da separação.
 
Uma corrente doutrinária insiste em afirmar que o Brasil adota o princípio da separação e que existe um negócio júri-real4, que divide a manifestação de vontade das partes em duas fases, uma para criar o vínculo obrigacional e outra para autorizar a disposição da propriedade5. No entanto, não há qualquer previsão legal no Ordenamento Jurídico do país que determine a cisão dos negócios e/ou exija um acordo de vontade específico para a transmissão da propriedade.
 
O que deve ficar muito claro é que, mesmo que Clóvis Beviláqua tenha instituído no Brasil o princípio da tradição para equiparar o sistema brasileiro ao sistema germânico (como ele mesmo afirma em sua obra6), isso não significa que se tenha adotado o mesmo funcionamento contratual estrangeiro. A lei nacional não exige um negócio jurídico distinto destinado à transmissão da propriedade (negócio jurídico de disposição), como fazem os §§ 929 I, 873 I BGB.
 
Pode-se, assim, extrair que a ideia central de Clóvis Beviláqua era assemelhar o modelo de transmissão da propriedade brasileiro ao modelo germânico justamente em relação à instituição do registro como requisito para efetivar a transferência do direito real, pondo fim à cisão entre propriedade inter partes e propriedade erga omnes e fazendo com que o Registro de Imóveis desse segurança a terceiros informando a real situação de um imóvel (publicidade).
 
O instituto que melhor corrobora a adoção do princípio da unidade e a inexistência do negócio júri-real é o compromisso irretratável de compra e venda. Esse modelo contratual foi criado em 1937 para contornar uma crise no mercado imobiliário da época, que foi gerada, justamente, pela mudança do sistema registral brasileiro do título para o do título e modo, com a conservação do princípio da unidade. Veja-se.
 
Alguns dos efeitos do contrato de compromisso de compra e venda visavam, justamente, evitar essas situações de inadimplência por parte do vendedor, estipulando a irretratabilidade do contrato, a adjudicação compulsória após o pagamento integral e a possibilidade de registro do título para gerar um direito real de aquisição oponível a terceiros.
 
Caso existisse o negócio júri-real no Brasil, com uma fase de constituição do vínculo obrigacional, e outra de autorização da disposição da propriedade, não seria necessário criar a figura do compromisso de compra e venda, na medida em que a escritura de compra e venda poderia ser constituída em duas fases, a primeira, inicial, estabelecendo a obrigação com o pagamento das parcelas e a segunda manifestando a vontade de transferência do bem somente quando o preço estivesse quitado.
 
Não se está criticando, aqui, a ideia do negócio júri-real em si e o princípio da separação. Eles são inteligentes, na medida em que desatrelam a questão econômica do pagamento da questão jurídica da transmissão da propriedade.
 
Deve ficar clara a ideia de que o Brasil adota em seu sistema de transmissão da propriedade o princípio da unidade, inexistindo no país o negócio júri-real, de forma que o negócio realizado entre as partes contém as disposições obrigacionais e já se embute a vontade da transferência da propriedade. A escritura pública de compra e venda brasileira, por si só, já tem efeito translativo e é apta a ingressar no Registro de Imóveis, e não há qualquer indicação legal de que seria necessário uma referência expressa à vontade de transmitir o bem.
 
Depreende-se, portanto, que o sistema de transmissão da propriedade brasileira é o do título e modo, regido pelos princípios da tradição, causalidade e unidade. Assim, para que ocorra a transferência de um direito real, as partes deverão fazer um único negócio prévio, que já servirá como título para a efetivação da transmissão com o registro.
 
Além de o Brasil ter um sistema registral, apresenta subsistemas cadastrais registrais que não dispensam o registro, tais como o rural, o de imóveis públicos, o torrens e o de aquisição de imóveis rurais por estrangeiros.
 
A denominação “subsistema registral” se originou da existência de outras formas de assentamentos, realizados fora ou no próprio registro imobiliário, mas que não dispensam os atos praticados no ofício imobiliário, como é o caso do registro rural (INCRA) e a aquisição de imóvel rural por estrangeiro (no próprio registro de imóveis, porém, também em livro próprio).
 
A ideia de “registro comum” pode ser compreendida de diversas formas, dependendo fundamentalmente do que se entende por “registro especial” ou, ainda, por “subsistema registral”.
 
A dicotomia mais evidente que geralmente se estabelece é entre o registro comum e o chamado Sistema Torrens, espécie facultativa e excepcional de registro imobiliário, reservada exclusivamente a imóveis rurais, conforme será demonstrado no subtópico próprio.
 
Por esse viés, poder-se-ia entender como registro comum aquele adotado como regra da transmissão da propriedade imobiliária no direito brasileiro, com efeitos constitutivos conforme previsão expressa do art. 1.227 do Código Civil. No entanto, o registro poderá, ainda, ter eficácia meramente declaratória, não sendo o fator constituidor do direito real ou de sua transmissão nas hipóteses em que o próprio Código Civil prevê exceção à regra do art. 1.227. É o caso, por exemplo, da sucessão causa mortis (art. 1.784, do Código Civil) e da usucapião.
 
Adotando uma lógica mais topográfica, pode-se entender como registro comum aquele disciplinado na lei 6015/1973, ao passo que são especiais os registros disciplinados na legislação esparsa. No entanto, é possível identificar regras e procedimentos registrais específicos no bojo da própria lei 6.015/1973. Assim, por exemplo, pode-se considerar um sistema de registro especial o registro de bens rurais, na medida em que o registro destes bens contempla todo um conjunto de regras específicas, formando um verdadeiro subsistema no âmbito da lei 6.015/19738.
 
Seguindo essa linha, pode-se considerar também como um subsistema, o registro de bens imóveis públicos, porquanto estes bens também se submetem a regras específicas para seu ingresso no fólio registral – neste caso, dispostas em parte na legislação especial, bem como a um cadastro específico.
 
Outra situação cujo regramento compõe um verdadeiro subsistema no universo registral imobiliário diz respeito não exatamente ao objeto, mas sim ao sujeito da aquisição. Trata-se, com efeito, da aquisição de imóvel rural por estrangeiro, cuja disciplina parte de uma lógica própria formando um regime jurídico especial.
 
Percebe-se, portanto, que o caráter comum ou especial do registro pode ser avaliado em diferentes perspectivas, dando ensejo a classificações diversas. Há diversos subsistemas que podem ser identificados no sistema registral imobiliário, em função de suas especificidades jurídicas e operacionais, e da sua regulação por conjuntos de regras baseadas em pressupostos e princípios particulares.
 
O desafio do sistema brasileiro do século XXI é garantir de forma efetiva a tutela do tráfego (dinâmica) e a veracidade registral (estática) e, para tal, precisa se firmar no seu sistema de título e modo, diminuindo situações jurídicas nas quais a propriedade está desatrelada do registro. Para tal desiderato, é imperiosa a revogação dos dispositivos que admitem usucapião extratabular (necessário aguardar-se o período moratório), tornando compulsória a regularização fundiária urbana e rural e exigindo o registro de alienações judiciais, de inventários e partilhas, entre outras medidas.