Aproveitando meus últimos dois dias na praia, resolvi analisar um intricado artigo do Código Civil com uma ótica diferente.
 
Reza o artigo 1829: “A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: (Vide Recurso Extraordinário nº 646.721) (Vide Recurso Extraordinário nº 878.694). Inciso I — aos descendentes, em concorrência com o cônjuge/companheiro sobrevivente, salvo se casado/amasiado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (artigo1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares”.
 
Exemplificando com descendentes exclusivos do autor da herança fica mais fácil. Filiação híbrida fica para outras praias. Se o finado deixou cônjuge/companheira com quem foi casado/ajuntado no regime da comunhão parcial de bens, os bens que tinha antes, os bens particulares que são excluídos da comunhão no casamento/ajuntamento, com a morte, segundo o Superior Tribunal de Justiça, são herdados pelo cônjuge/companheiro em conjunto e por cabeça com os filhos do finado.
 
Interpretando o artigo 1829, inciso I, do Código Civil, e usando o mesmo raciocínio, se o finado deixou cônjuge/companheira com quem era casado no regime da comunhão universal de bens, em havendo bens particulares na forma do artigo 1668 do Código Civil, o cônjuge/companheiro supérstite fica com a meação, mas sem herança dos bens particulares, que ficam exclusivamente para os filhos.
 
Vale dizer, existindo meação, o que casa/amasia no regime da comunhão parcial, possuindo bens particulares, quando do óbito deixa mais bens para o cônjuge sobrevivente do que aquele que casou sob o regime da comunhão universal. Aparenta que a ministra Nancy Andrighi estava correta ao votar vencida no REsp nº 1.368.123/SP. Se a autonomia da vontade vale para a separação convencional não é de ser ineficaz na comunhão parcial.
 
Na separação convencional o cônjuge pode excluir da meação, e com isso excluir da herança, mas se não excluiu da meação na comunhão parcial, quis com isso também não excluir da herança mesmo para os bens que não compõem a meação? (Código Civil, artigo 1829, inciso I).
 
Eu leio no artigo 1829 o que está escrito como “separação obrigatória” como separação convencional, porque o artigo refere ao 1640, parágrafo único, e não ao artigo 1641, ambos do Código Civil, sendo que no campo da sucessão cônjuge/companheiro-descendentes, a meu ver, o que vale para uma alcança a outra.
 
Faço uma interpretação diferente para a parte final do inciso I do artigo 1829. Qual seja, para o cônjuge/companheiro sobrevivente só existe herança, no regime da comunhão parcial, sobre os bens comuns. A expressão “se o autor da herança não houver deixado bens particulares” é de ser compreendida como “se o autor da herança tiver deixado bens particulares, em concorrência com descendentes, o cônjuge/companheiro sobrevivente só herda sobre os bens comuns”.
 
Dessa forma, no regime da comunhão parcial os descendentes têm direito à herança por cabeça com o cônjuge sobreviventes de metade dos bens comuns e à totalidade dos bens particulares.
 
O cônjuge/companheiro sobrevivente, no regime da comunhão parcial, fica com metade dos bens comuns, por meação; e da outra metade dos bens comuns o cônjuge/companheiro é herdeiro em conjunto, por cabeça, com os filhos do finado.
 
O mesmo raciocínio vale para o casamento em regime de comunhão universal, cônjuge e descendentes dividem a totalidade dos bens, menos em havendo bens particulares do artigo 1668 do CC, os quais são de exclusividade dos filhos, descontando a meação, que aqui engloba não apenas os bens comuns.
 
Já sobre o patrimônio dos casados pela separação convencional-total, e pela separação obrigatória, quando dissolvido o vínculo pela morte, não há meação, e nem sucessão hereditária para o cônjuge/companheiro sobrevivente, em havendo descendentes.
 
Existindo bens particulares — sobre estes bens —, só os filhos herdam, em concorrência com o cônjuge, tanto para o que foi casado no regime da comunhão parcial, como na universal, não se falando nem de meação, nem de herança quando a morte extingue o casamento feito com separação convencional, separação obrigatória, e participação final nos aquestos, ocorrendo concorrência cônjuge/companheiro-descendentes.
 
Em uma acepção totalmente diferente, e que, data venia diverge frontalmente do que está escrito no Código Civil, leia aqui.
 
Eu disse em desarmonia com o Código Civil porque “se assim for, como está no texto, e vem sendo decidido pelo STJ, o cônjuge é sempre herdeiro, em concorrência com os descendentes do finado, seja dos bens comuns, dos particulares, dos bens incomunicáveis, não importa se foi casado em comunhão parcial, em separação convencional, em separação obrigatória, em comunhão universal, em participação final nos aquestos”.
 
Pelo entendimento dominante, até os bens parafernais correriam risco ao apetite de herança do cônjuge sobrevivo.
 
A leitura do artigo 1829 e do seu inciso I do Código Civil a mim significa tão somente que o cônjuge/companheiro sobrevivente só é herdeiro universal, qualquer que seja o regime de bens, na falta de descendentes e de ascendentes. Existindo descendentes a herança do cônjuge/companheiro é imbricada ao regime legal do matrimônio por ambos escolhido, livre e de forma autônoma.