A intenção do presente artigo é tecer alguns comentários e apontar os principais argumentos sobre a possibilidade ou não, de realizar o registro de um imóvel adquirido em leilão judicial na modalidade Direito e Ação, no cartório de registro de imóveis e como vem se posicionando a Jurisprudência sobre o tema
O ordenamento jurídico brasileiro prestigiou a teoria de que a propriedade imobiliária se transfere mediante registro, isto é, independente de documento público firmado entre as partes em que um indivíduo declare que esteja transferindo à titularidade de um bem imóvel para outrem, sem o regular registro deste documento – chamado de título translativo – no cartório de imóveis, não é reconhecido ao adquirente, a condição de proprietário.
Em outras palavras: apenas o registro do título translativo no competente cartório de imóveis, é capaz de conferir ao adquirente do bem, o status de proprietário do imóvel.
Aliás, tal conclusão se extrai do artigo 1.245 do Código Civil:
Do ponto de vista jurídico, tal tema é simples e não enseja maiores ilações, na medida que o Código Civil é claro quanto ao assunto.
No entanto, o cerne do presente artigo é provocar a reflexão e além disso, demonstrar como vem se comportando a Jurisprudência, a respeito dos bens imóveis levados a leilão na condição de: Direito e Ação e de que modo é realizado (ou não) o registro do imóvel pelo arrematante.
Todavia, antes de adentrarmos ao ponto principal do presente artigo, importante que se faça um brevíssimo esclarecimento do que é: (i) leilão judicial de imóvel e (ii) ao que se refere leilão sobre direito e ação de um imóvel.
Em uma definição simples, o leilão judicial de imóvel ocorre quando o devedor após processo judicial, não realiza o pagamento da dívida determinada e o credor, após localizar um imóvel do devedor capaz de pagar a dívida, realiza a penhora do mesmo.
Sendo assim, obedecendo as etapas previstas no Código de Processo Civil, se aliena esse imóvel através de um leilão e o valor obtido com a “venda”, será utilizado para quitar ou ao menos amenizar o valor da dívida.
Ocorre que em alguns casos, o credor não localiza em si um imóvel de propriedade do devedor – pois como dito oportunamente, a propriedade apenas se confere com o registro da propriedade no cartório de imóveis – mas um documento em que o devedor, possua o direito aquisitivo sobre algum imóvel (geralmente um instrumento particular de promessa de compra e venda)
Nesses casos, seria absolutamente atecnico afirmar que foi realizado a penhora de uma propriedade imobiliária, exatamente porque o devedor dispõe apenas de direitos aquisitivos sobre o bem
Aliás, o próprio Código de Processo Civil no seu artigo 857 prevê a possibilidade de penhora sobre tal direito:
Portanto, realizada a penhora sobre tal direito e levado o imóvel à leilão, reconhece-se como “Leilão sobre direito e ação do imóvel”.
Ultrapassada essa breve digressão, o fato é que, após a concretização de leilões realizados na modalidade direito e ação, alguns arrematantes encontram entraves para realizar o efetivo registro do imóvel na qualidade de proprietário do bem (e portanto, conferir ao arrematante a propriedade plena do imóvel).
Isto porque, na oportunidade em que advogados formulam aos julgadores a expedição do documento capaz de conferir a propriedade plena do imóvel, alguns Juízes se negam a expedir tal documento, geralmente com os seguintes argumentos:
O primeiro de que não é possível penhorar e alienar mais direitos do que o devedor possuía, logo, o arrematante adquire apenas o direito que fora penhorado ao demandado, não podendo se tornar titular de um direito que o executado (devedor) não tinha.
O segundo argumento, comumente utilizado é que nesses casos (leilão sobre direito e ação) não há aquisição da propriedade plena, e, inclusive, tal fato consta (ou deveria constar) do próprio edital.
E por último, algumas decisões reconhecem que, ao autorizar o registro da propriedade diretamente pelo arrematante, se violaria o princípio da continuidade dos registros públicos, na medida em que, não existiria uma relação jurídica entre o arrematante e o proprietário do imóvel (aquele que consta como titular no registro imobiliário)
Com efeito, com toda deferência aos argumentos lançados, diverge-se de tais entendimentos.
Ora, a aquisição por meio de hasta pública é modalidade de aquisição originária, que ocorre quando não há transmissão de um sujeito para o outro, ao passo que não há relação causal entre a propriedade adquirida e o estado jurídico anterior da própria coisa.
Assim, a aquisição originária garante ao adquirente o rompimento de todo e qualquer vínculo daquele bem, tanto com relação ao antigo proprietário, quanto aos ônus e gravames que o embaraçavam, tais como penhoras, ou até mesmo dívidas tributárias que, contraídas anteriormente à arrematação, são incorporadas aos valores transacionados na hasta pública.
Isso porque, é da natureza da hasta pública os seguintes pressupostos fundamentais: (i) Inexistência de relação entre o adquirente e o precedente titular do direito real; (ii) Inocorrência de transmissão voluntaria do direito de propriedade
Tal entendimento é encampado por boa parte da Jurisprudência, como se observa dos arrestos abaixo:
ARREMATAÇÃO DE BEM IMÓVEL EM HASTA PÚBLICA – PEDIDO DE EXPEDIÇÃO DE NOVA CARTA DE ARREMATAÇÃO PARA OBTENÇÃO DA PROPRIEDADE PLENA – AQUISIÇÃO ORIGINÁRIA DA PROPRIEDADE – PRINCÍPIOS DA CELERIDADE E ECONOMIA PROCESSUAIS. A decisão ora combatida indeferiu a expedição de carta de arrematação com vistas à transferência da propriedade plena do imóvel, ao fundamento de que a penhora recaiu sobre o direito e ação sobre o bem. Outrossim, entendeu o Juízo que a anterior promessa de compra e venda em favor do executado somente proporciona ao arrematante o direito à aquisição do bem, tendo em vista que a titularidade será transmitida quando do registro da escritura definitiva. A arrematação judicial de imóvel em hasta pública é uma das modalidades de aquisição originária da propriedade, desvinculada de qualquer relação com o titular anterior, não existindo relação jurídica de transmissão. Menção expressa no edital de que o bem seria entregue livre e desembaraçado de quaisquer ônus ao arrematante. Cancelamento dos registros de penhoras anteriores. Não há óbice a que seja expedida carta de arrematação para a transferência da propriedade e não apenas do direito e ação. Jurisprudência recente desta Corte, com amparo no entendimento do STJ, apoia essa possibilidade e não vislumbra ofensa ao princípio da continuidade dos registros públicos. Provimento ao recurso. 0057739-96.2018.8.19.0000 – AGRAVO DE INSTRUMENTO
Logo, considerando, tratar-se de aquisição de propriedade originário, conclui-se, que na arrematação, não há transferência de propriedade e sim a constituição da propriedade para o arrematante, vez que o bem imóvel objeto da hasta publica foi alvo de expropriação pelo Estado nos termos do art. 825 do CPC e, em seguida, adquirido pelo arrematante, razão pelo qual, deve ser expedida ordem pelo responsável pela arrematação, que possibilite a propriedade plena do imóvel.
Ademais, entender ao contrário, seria proporcionar um desestímulo ao mercado de leilões e em especial, ao arrematante, que ingressa em uma lide, de modo a salvaguardar o legítimo interesse do credor.
Nesse aspecto, juízes, desembargadores, advogados e operadores do direito em geral, devem ter um olhar atento a tais fatos, de modo que, as regras previstas no edital do leilão, sejam compatibilizadas com o Direito a Propriedade, erigido na Constituição Federal de 1988, como um dos direitos fundamentais.