A jurisprudência pátria ainda se debate acerca dos requisitos para que o pai registral obtenha a anulação do registro de nascimento.
 
Aqui, cumpre abordar duas situações paradigmáticas: 1) quando o pai registral comprova o vício de consentimento, mas há, de outro lado, comprovação da existência de uma relação socioafetiva com o filho registral; 2) quando, apesar de não haver comprovação da existência de uma relação socioafetiva com o filho registral, inexiste, igualmente, comprovação de vício de consentimento.
 
Na situação 1, há quem sustente que a comprovação do vício de consentimento é suficiente para a anulação do registro de nascimento, sob pena de se manter como pai registral quem foi enganado ou coagido.
 
Essa não parece, no entanto, ser a melhor solução.
 
Caso o erro ou a coação tenha levado à construção de laços de afeto, estes, que representam o verdadeiro cerne de uma relação paterno-filial, devem ser privilegiados, salvaguardando, assim, o direito fundamental a um estado de filiação perpétuo e sólido, o que faz parte de uma tutela geral da dignidade humana. Em outras palavras, o erro ou coação não deve pôr fim à realidade vivida, que se consubstanciou em posse de estado de filho, sob pena de se dar maior importância a interesses moralistas/egoísticos do que à manutenção de um elemento fundamental à identidade e formação do ser humano.
 
Assim, a inexistência de vínculo socioafetivo é requisito indispensável à anulação do registro de nascimento por iniciativa do pai registral.
 
Na situação 2, há quem sustente que, quando inexistir vínculo socioafetivo, basta ao pai registral, para a anulação do registro de nascimento, que comprove a inexistência de filiação biológica.
 
Essa não parece, no entanto, ser a melhor solução.
 
Quem, com livre e consciente vontade, reconhece espontaneamente a paternidade — isto é, registra alguém, por iniciativa própria, sabendo não ser pai biológico —, não pode pretender a desconstituição do registro de nascimento, sob pena de: a) se valer da própria torpeza, se amparando em falsidade por ele mesmo perpetrada, o que esbarra na cláusula de boa-fé objetiva, que veda o venire contra factum proprium; b) fazer do sujeito registrado mero objeto de interesse — normalmente no fortalecimento de um relacionamento amoroso.
 
Assim, a existência de vício de consentimento é requisito indispensável à anulação do registro de nascimento por iniciativa do pai registral.
 
Trata-se, pois, de requisitos cumulativos, o que é possível extrair da mais recente jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:
 
“(…) Para ser possível a anulação do registro de nascimento, é imprescindível a presença de dois requisitos, a saber: 1) prova robusta no sentido de que o pai foi de fato induzido a erro, ou ainda, que tenha sido coagido a tanto e 2) inexistência de relação socioafetiva entre pai e filho. Precedentes” (REsp 1829093/PR, relatora ministra Nancy Andrighi, 3ª Turma, julgado em 1º/6/2021, DJe 10/6/2021).