O especialista também esclarece como os tribunais se posicionam sobre o tema
 
O direito à herança do cônjuge no regime de separação de bens é um tema que gera conflitos e consultas diárias a advogados. Por conta da insegurança ainda existente quanto à garantia de autonomia patrimonial entre as partes, muitos clientes buscam escritórios para a elaboração de pactos antenupciais detalhados ou, até, para alterar o regime de bens inicialmente adotado para o casamento/união estável.
 
Sobre o assunto, o advogado Ulisses Simões da Silva, da banca L.O. Baptista Advogados, explica que mesmo em regime de separação total de bens, em caso de falecimento, o cônjuge sobrevivente é herdeiro necessário daquele falecido, em igualdade com os filhos. Veja a íntegra da entrevista a seguir.
 
1 – Muitos acreditam que, ao adotar o regime de separação convencional de bens, estão afastando o seu cônjuge da sucessão. Isso é correto?
 
R: De fato é comum que as partes que se casam sob o regime da separação de bens tenham a expectativa (a nosso ver justa) de que, em razão do regime adotado, haverá entre elas absoluta autonomia patrimonial tanto em vida (no caso de divórcio) como após o falecimento de um dos cônjuges. Porém, no caso de falecimento, não é o que ocorre: o cônjuge sobrevivente é herdeiro necessário daquele falecido, em igualdade com os filhos (se existentes).
 
2- Fala-se em regime da separação convencional de bens e separação legal de bens – quais as diferenças?
 
R: É muito importante diferenciar estes dois regimes. O regime da separação convencional (mais conhecido como o de “separação total”) é aquele escolhido livremente pelas partes, por meio de pacto antenupcial, como forma de conferir autonomia patrimonial e evitar a comunhão de bens entre elas. Neste regime, como mencionado acima, o cônjuge sobrevivente tem direito a herança do cônjuge falecido.
 
Já o regime da separação legal de bens é imposto às partes pela lei, quando uma delas constitui casamento ou união estável com mais de 70 anos. Neste segundo regime, o objetivo do legislador é tutelar o cônjuge com idade mais avançada de eventuais uniões com interesses escusos e, como tal, diferentemente do que ocorre no regime da separação convencional, as partes não têm direitos sucessórios.
 
3- Nos termos do Código Civil, tanto na separação convencional quanto na obrigatória, prevalece a regra da incomunicabilidade, permanecendo sob exclusiva propriedade de cada cônjuge os bens que cada um possuir ao casar e os que lhe sobrevierem na constância do casamento?
 
R: De acordo com o Código Civil, sim.
 
Porém, em relação ao regime da separação obrigatória de bens (no qual o cônjuge/companheiro não tem direito à herança), ainda hoje aplica-se a súmula 377 do STF (editada no ano de 1964), segundo a qual haveria a comunicação dos bens adquiridos mediante “esforço comum” durante a união das partes. Mais recentemente, porém, têm-se admitido que as partes afastem os efeitos dessa súmula 377 por meio de pacto antenupcial.
 
4- A obrigatoriedade da herança em favor do cônjuge/companheiro casado no regime da separação convencional de bens é algo recente?
 
R: Na verdade não. O cônjuge/companheiro foi alçado à condição de herdeiro necessário, em igualdade com os filhos do falecido, com o Código Civil de 2002 e seu artigo 1.829. Houve, porém, discussões relevantes quanto à correta interpretação deste dispositivo nos anos subsequentes à edição do Código, mas há muito a questão resta pacificada.
 
5- Muitos casais têm optado pelo pacto antenupcial, uma “renúncia prévia” ao direito da herança. Mas como isso fica se o artigo 426 também proíbe a antecipação e “herança de pessoa viva”?
 
R: Sim, muitos casais têm feito essa opção, como forma de manter a incomunicabilidade de bens tanto em vida como após a morte deles. A nosso ver, trata-se de pretensão legítima, pautada na autonomia privada entre as partes e coerente com o regime adotado, razão pela qual respeitados doutrinadores defendem a validade da renúncia mútua à herança estabelecida pelas partes em pacto antenupcial. O artigo 426, no entanto, veda a renúncia à herança de uma pessoa ainda viva.  
 
6 – E como se posicionam os tribunais a este respeito?
 
R: Apesar dos relevantes argumentos a favor da renúncia à herança estabelecida em pacto antenupcial, a jurisprudência, em sua maioria, ainda afasta a validade dessa renúncia. Em decisão recente datada de 3/11/21, o TJ/SP afastou a validade da renúncia por entender que o direito à herança seria uma norma de “ordem pública” e, como tal, as partes não poderiam dispor livremente a respeito.
 
7- Qual tem sido a realidade consultiva diante do assunto? Quais são as inseguranças por parte dos clientes do escritório?
 
R: Por conta da insegurança ainda existente quanto à garantia de autonomia patrimonial entre as partes, muitos clientes buscam o escritório para elaboração de pactos antenupciais detalhados ou, ainda, para alterar o regime de bens inicialmente adotado para o casamento/união estável.
 
8- Quais orientações vocês passam os clientes para maior segurança jurídica?
 
R: A nossa principal recomendação é que os clientes sejam prévia e amplamente esclarecidos acerca das peculiaridades envolvidas em cada um dos regimes de bens existentes para o casamento ou união estável e, uma vez escolhido aquele que melhor se adaptará a eles, que elaborem com a assessoria de um advogado um pacto de união estável, regulando as questões mais relevantes para a futura vida em comum.