A relação estabelecida entre o ser humano e os animais remonta aos primórdios da civilização.
 
Quando se pensa no termo “animais de companhia”, ou “animais de estimação”, a primeira figura que vem à mente é a do cão, pois longa é a amizade existente entre os seres humanos e os cães.
 
A evidência mais antiga relacionada à domesticação do cão data de 14,2 mil anos atrás (Bonn-Oberkassel). A estreita relação de afetividade entre os cães e o homem, no passar dos anos, também foi desenvolvida com outras espécies de animais, como por exemplo os gatos.
 
Nos dias atuais, várias são as espécies consideradas como animais de estimação, começando pelos cães e gatos, passando por aves, peixes, répteis, chegando aos simpáticos miniporcos.
 
O Brasil é considerado um dos maiores mercados pet do mundo, ocupando hoje a terceira posição entre os países com forte atuação nesse segmento, atrás apenas dos Estados Unidos da América, que ocupa a primeira colocação, e da China.
 
De acordo com o Instituto Pet Brasil, o mercado brasileiro de produtos e serviços voltados aos animais de estimação concluiu o ano de 2020 com um faturamento de R$ 40,8 bilhões. Tais números traduzem não só aspectos econômicos do mercado de animais de estimação, como também refletem a importância que esses animais possuem nos lares brasileiros.
 
Frequentemente os animais de estimação são tratados como verdadeiros membros da família, tal como ocorria no Egito antigo, sendo que os laços de afetividade ganham dimensões muitas vezes inimagináveis para aqueles que não possuem um pet.
 
Por isso, quando há uma ruptura familiar, geralmente ocasionada por processos de separação ou divórcio dos humanos, como deve ser tratada a questão referente à custódia dos animais de estimação? Com qual das partes deve o animal permanecer? Haveria algum tipo de direito de convivência por parte daqueles que deixam de exercer a custódia do animal? E a quem competiria arcar com as despesas para garantir suas necessidades e bem-estar?
 
Inexiste no Brasil legislação específica sobre o tema.
 
A Constituição Federal do Brasil assegura que todos os estados brasileiros têm o dever legal de proteger os animais. É o que se compreende do artigo 225 da Constituição.
 
Nos dizeres de Rafael Calmon, “a Constituição Federal brasileira considera o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado um direito fundamental (artigo 225). Todavia, embora confira alguma proteção legal aos animais não humanos integrantes do ecossistema, parece não considerá-los como verdadeiros destinatários de direitos fundamentais, pois, de acordo com a tradição jurídica nacional, apenas as pessoas (naturais e jurídicas) podem ser reputadas como sujeitos de direito (CC, art. 1º)” (in “O destino dos animais de companhia no rompimento da união familiar”. Revista Ibdfam: Família e Sucessões, v. 35, 2019).
 
Com efeito, o artigo 82 do Código Civil brasileiro estatui que são móveis os bens suscetíveis de movimento próprio, ou de remoção por força alheia, sem alteração da substância ou da destinação econômico-social.
 
Isso quer dizer que ainda hoje, no Brasil, os animais se encontram contextualizados como bens móveis, na categoria dos semoventes. Contudo, a meu ver, essa posição, por si só, não lhe retira a proteção que lhe é dada pela Constituição Federal e por outras legislações extravagantes existentes.
 
Mas não se pode deixar de mencionar que, a exemplo do que ocorre em outros países, discute-se no Brasil a necessidade de alteração da legislação para elevar o animal à condição de sujeito de direito.
 
Contudo, os projetos legislativos em tramitação parecem conter algumas incoerências, de forma até mesmo a descaracterizar a real intenção de proteção aos animais.
 
Assim, as alterações legislativas deveriam se ater aos efeitos benéficos de uma proteção aos direitos e bem-estar dos animais dentro de uma realidade condizente com as diversas categorizações jurídicas das espécies. No Brasil, poderemos infelizmente ter como resultado prático das alterações legislativas que pretendem sejam levadas a cabo, por via indireta, o desaparecimento de determinados grupos de animais, uma vez que aos seres humanos será proibido criar e assim perpetuar certas espécies.
 
Deixando de adentrar nos pormenores das diversas questões atinentes às alterações legislativas em matéria de Direito Animal, que fogem do presente estudo, passamos a nos concentrar em aspectos relacionados ao Direito de Família, em especial na observância das relações afetivas entre seres humanos e animais de estimação ou de companhia, expressões aqui empregadas como sinônimas.
 
Diferentemente do que ocorre em outros países, como Portugal, não há no Brasil uma legislação que abarque a questão da posição dos animais diante do rompimento da relação familiar na qual se encontra inserida.
 
Contudo, encontra-se em tramitação no Senado o Projeto de Lei 542, de 2018, que dispõe sobre a custódia compartilhada dos animais de estimação nos casos de dissolução do casamento ou da união estável.
 
Os pontos centrais desse projeto de lei (PL) visam a estabelecer o compartilhamento da custódia de animal de estimação de propriedade em comum, quando não houver acordo na dissolução do casamento ou da união estável. Haveria, também, alteração do Código de Processo Civil, para determinar a aplicação das normas das ações de família aos processos contenciosos de custódia de animais de estimação.
 
O mencionado PL, para efeito de caracterização de propriedade comum do animal de estimação, leva em consideração que o tempo de vida do animal tenha transcorrido majoritariamente durante o período do casamento ou união estável. Dessa forma, a meu sentir, eventual documento que venha atestar a aquisição do animal por um ou outro consorte não seria o elemento de relevo para decidir a questão.
 
O indicativo é que prevaleceria o período de convivência entre o animal e os humanos da relação familiar estabelecida, de forma que o elo afetivo estabelecido entre eles tem preponderância para caracterizar a propriedade comum do animal de estimação.
 
Estabelecida a propriedade comum e não havendo na dissolução familiar consenso sobre a custódia do animal, o juiz deve determinar o compartilhamento da custódia e das despesas de manutenção do animal de forma equilibrada entre as partes, prevê o artigo 1º do PL 542/2018.
 
Note-se, também, que a proposta legislativa fixa o juízo da Família como sendo o competente para apreciar e decidir a questão.
 
Já o §2º do artigo 1º desse PL estabelece que “no compartilhamento da custódia, o tempo de convívio com o animal de estimação deve ser dividido tendo em vista as condições fáticas, entre as quais, o ambiente adequado para a morada do animal, a disponibilidade de tempo e as condições de trato, de zelo e de sustento que cada uma das partes apresenta”.
 
O PL prevê claramente a hipótese em que o compartilhamento da custódia deixará de existir, ao explicitar que “o descumprimento imotivado e reiterado dos termos da custódia compartilhada acarretará a perda definitiva, sem direito a indenização, da posse e da propriedade do animal de estimação em favor da outra parte, encerrando-se o compartilhamento da custódia”. Nessa situação, a parte punida responderá por eventuais débitos a seu encargo relativos ao período em que o animal se encontrava sob custódia compartilhada.
 
Outras previsões importantes são consideradas no texto apresentado ao Senado. Havendo histórico ou indícios de prática de violência doméstica e familiar, não será concedida a custódia compartilhada do animal, caso em que a posse e propriedade deste caberá exclusivamente — sem direito de indenização — à parte que demonstrar maior vínculo afetivo com o animal.
 
Impedido de exercer a custódia estará o consorte que porventura pratique qualquer ato de maus tratos ao animal. Tenho que nesse ponto mereceria suplementar o texto para que nele restasse previsto, de forma clara e sem embargos de interpretações outras, que a pessoa que apresentasse qualquer histórico de prática de maus tratos, passado ou presente, deveria ter obstado o seu direito de compartilhamento da custódia de um animal de estimação, mesmo que a vítima de maus tratos tenha sido animal de outra espécie.
 
Em linha gerais, se considerarmos o vácuo legislativo existente no Brasil em relação à matéria, o referido PL 542/2018 se mostra um importante avanço na busca da regulamentação do tema.
 
Infelizmente, a tramitação desse PL no Senado se apresenta lenta, parecendo não merecer atenção dos nobres legisladores, em detrimento de outras proposituras que deveriam ser melhor estudadas, de forma que nenhum direito viesse a sofrer dano, como por exemplo o da ilegítima tentativa de se buscar a qualquer custo a proibição do direito de criação e manutenção de certas espécies de animais, o que acarretaria, em última análise, a extinção “programada” dessa espécie, contrariando, inclusive, a Constituição Federal.
 
Importante frisar que mesmo diante da falta de previsão normativa, os tribunais brasileiros têm reconhecido o direito de visitas de ex-companheiros ao animal de estimação adquirido na constância de um relacionamento afetivo, caracterizado pelo casamento ou união de fato.
 
O Direito Animal é uma realidade estruturada nos países estrangeiros, em que pesem eventuais necessidades de atualizações de certas normas. Ao contrário do Brasil, a discussão a respeito do tema teve início há décadas.
 
Rafael Calmon bem sintetiza a situação. “No estrangeiro,” — afirma no artigo acima mencionado, publicado em 2019 na Revista Ibdfam — “o movimento de 'descoisificação' dos animais em geral, e dos de companhia em especial, é muito mais antigo e intenso do que aquele existente por aqui. Na Europa, por exemplo, a Convenção Europeia para a Proteção dos Animais de Companhia data do ano de 1987, muito embora tenha entrado em vigor na ordem internacional apenas em 1992. Em seu texto, redigido originalmente em francês, é expressamente reconhecida a importância dos animais de companhia para a sociedade, bem como estabelecida a obrigação moral que o homem tem de respeitar todas as criaturas vivas”.
 
No mesmo artigo, comentando a evolução das legislações pelo mundo, Calmon cita que “em Portugal, os Códigos Civil e Processual Civil foram recentemente alterados (2017), passando a considerar os animais em geral como seres vivos dotados de sensibilidade e objeto de proteção jurídica em virtude da sua natureza (CC, artigo 201º – B), e os animais de companhia, em especial, absolutamente impenhoráveis (CPC, artigo 736º, 'g'), imunes às regras de comunicação de bens (CC, artigo 1.733º, 'h'), e, sujeitos à custódia convencionada pelas partes ou decidida pelo juiz, por ocasião do rompimento da união familiar (CC, artigos 1.775º, 1.778º e 1.793º – A)”.
 
Como demonstração do estágio avançado em que se encontra o Direito português no trato das questões relacionadas aos animais de estimação e o Direito de Família, interessa aqui analisar mais atentamente os dispositivos legais que tratam dos bens incomunicáveis e da custódia por ocasião do rompimento da união familiar.
 
O Código Civil português teve a sensibilidade de inserir os animais de companhia na relação de bens incomunicáveis quando o regime adotado no casamento for o da comunhão geral. Note-se que há expressa afirmação no sentido de não se comunicarem os animais de companhia que cada um dos cônjuges tiver ao tempo da celebração do casamento.
 
No Direito brasileiro não temos até hoje uma norma que contenha expressa previsão em igual sentido.
 
O legislador português foi adiante. O Código Civil, em seu Capítulo XII, ao tratar do divórcio e da separação judicial de pessoas e bens, estabelece que do requerimento de divórcio por mútuo consentimento deva constar o acordo sobre o destino dos animais de companhia, caso existam.
 
Para a hipótese de o divórcio ser litigioso, a legislação prevê que “os animais de companhia são confiados a um ou a ambos os cônjuges, considerando, nomeadamente, os interesses de cada um dos cônjuges e dos filhos do casal e também o bem-estar do animal” (CC, artigo 1.793º-A).
 
Assim, conforme expôs o professor Raul Farias em aula ministrada no 3º Curso de Pós-Graduação em Direito dos Animais, promovido pelo Centro de Investigação de Direito Privado da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, em se tratando de divórcio litigioso o animal de companhia é confiado a um ou a ambos os cônjuges, excluindo-se totalmente a possibilidade de confiança a terceiros, nomeadamente a filhos maiores do casal (essa restrição pode determinar sérios problemas quando nenhum dos cônjuges esteja disposto a arcar com a detenção do animal). Além disso, a legislação lusitana coloca no mesmo patamar os interesses de cada um dos cônjuges, os interesses dos filhos do casal e o bem-estar do animal, num equilíbrio de posições que conduzirá, a inal, ainda que de forma inadvertida, a uma forte carga subjetiva do juiz na valoração do fator mais relevante. Por fim, estabelece a lei portuguesa que apenas o destino do animal de companhia poderá ser fixado pelo juiz e nada mais — se o juiz fixar algo mais nesse domínio, a sentença proferida poderá incorrer no vício de nulidade.
 
Referidas normas foram inseridas no Código Civil português com a edição da Lei nº 8/2017, que estabeleceu um estatuto jurídico dos animais, reconhecendo a sua natureza de seres vivos dotados de sensibilidade.
 
Face à inexistência, no Brasil, de normas semelhantes às acima mencionadas, cabe ao Poder Judiciário, como vem acontecendo, a tarefa de decidir as questões que lhe são levadas ao conhecimento com base na aplicação da analogia de leis que versem a respeito de assuntos correlatos e até mesmo levando em consideração a direção que nos é dada pelas leis estrangeiras, como, por exemplo, as regras estabelecidas pelo Código Civil português.