O bem-estar dos animais domésticos passou a ser cada vez mais considerado pelos tribunais, culminando na interessante decisão mencionada no início, que elevou o patamar da discussão. Nesse contexto, o STJ quando julgou o Recurso Especial, demonstrou uma postura defensora dos direitos dos animais e extremamente comprometida com o seu bem-estar

 

Recentemente, a 3ª turma do STJ prolatou curioso acórdão sobre a divisão dos custos com a manutenção pets (animais domésticos) após a separação de um casal. Por se tratar de um tema curioso, iremos abordá-lo.

 

Neste caso, a ex-companheira pleiteou ajuda de custo e o ressarcimento das despesas de manutenção dos animais de estimação adquiridos durante o relacionamento, ou seja, requereu uma espécie de pensão alimentícia para os pets. Diante da decisão que lhe foi desfavorável, o ex-companheiro, inconformado, interpôs um Recurso Especial para tentar reverter a situação. E conseguiu.

 

De fato, o recurso foi considerado procedente por uma questão processual específica, não adentrando o STJ no mérito da questão. No entanto, o voto vencido do Ministro Villas Boas Cueva, relator do caso, demonstrou uma clara empatia pelos animais domésticos, refletindo a evolução dos direitos dos pets no ordenamento jurídico. E essa evolução foi muito grande, como demonstraremos a seguir.

 

Inicialmente, os primeiros debates sobre os direitos dos animais surgiram na Grécia Antiga. Filósofos como Pitágoras e Aristóteles argumentavam que os animais ocupavam uma posição inferior na escala natural devido à sua suposta irracionalidade. Consequentemente, acreditava-se que os animais não possuíam interesses próprios, existindo somente para servir aos benefícios dos humanos.

 

Avançando para o ano de 1635, percebe-se que alguns países europeus já implementavam normas para prevenir a crueldade e melhorar o tratamento dos animais, estabelecendo se como pioneiros na defesa dos direitos animais. Nos séculos subsequentes, muitos pensadores iluministas publicaram obras discutindo o assunto.

 

No entanto, foi apenas no século XIX que a defesa desses direitos se intensificou internacionalmente, marcando uma transição na percepção dos animais. Eles deixaram de ser vistos meramente como propriedade privada (que não deveria ser danificada) para serem reconhecidos como seres sencientes, ou seja, seres capazes de sentir e experimentar emoções, deslocando os humanos de sua posição exclusiva nesse aspecto.

 

Em paralelo ao pioneirismo europeu, os Estados Unidos também implementaram leis em vários estados para combater a crueldade contra animais, tanto selvagens quanto domésticos. Essas normas penalizam os indivíduos que são considerados culpados de atos de crueldade até hoje.

 

Em 1978 a Declaração Universal dos Direitos dos Animais foi proclamada pela UNESCO, lá na França. Essa declaração incentivou os legisladores a implementar, na União Europeia, leis adequadas para garantir o bem-estar de todos os animais.

 

Dessa forma, várias normas, comissões, regulamentos e convenções foram estabelecidos mundialmente para a devida proteção dos seres sencientes. Essas medidas cobrem uma ampla gama de áreas, desde testes científicos e cosméticos até a exploração pecuária e marítima, garantindo maior fiscalização e até mesmo proibindo a venda de produtos que submetam esses seres a maus-tratos.

 

Assim, os animais foram gradualmente adquirindo direitos fundamentais. No Brasil, a situação não foi diferente.

 

No Direito Civil brasileiro, os animais, tanto selvagens como domésticos, são categorizados como bens semoventes, ou seja, bens móveis que possuem movimento próprio, conforme estabelecido no artigo 82, do Código Civil de 2002. No entanto, essa visão está se tornando obsoleta, já que os animais domésticos têm ganhado espaço na jurisprudência devido ao tratamento diferenciado que recebem de seus proprietários.

 

Exemplificando, o TJ/SP proferiu uma decisão pioneira ao reconhecer a guarda compartilhada de um animal de estimação em um caso de separação de um casal, reconhecendo os animais domésticos como seres sencientes e que, portanto, deveriam ter sua guarda decidida com base em critérios que levem em consideração o seu “bem-estar”.

 

A partir desse ponto, o bem-estar dos animais domésticos passou a ser cada vez mais considerado pelos tribunais, culminando na interessante decisão mencionada no início, que elevou o patamar da discussão. Nesse contexto, o STJ quando julgou o Recurso Especial, demonstrou uma postura defensora dos direitos dos animais e extremamente comprometida com o seu bem-estar.

 

Como afirmou o Ministro Luis Felipe Salomão: “(os) animais, possuem valor subjetivo único e peculiar, aflorando sentimentos bastante íntimos em seus donos, totalmente diversos de qualquer outro tipo de propriedade privada. O Judiciário necessita encontrar solução adequada para essa questão, ponderando os princípios em conflito, de modo a encontrar o resguardo aos direitos fundamentais e a uma vida digna”.

 

Portanto, diante dessa análise histórica e construção jurisprudencial, recomendamos que os casais que decidam contrair matrimônio ou formalizar uma união estável, que celebrem um pacto nupcial, no caso de casamento, ou contrato, na hipótese de união estável, regulando a futura relação, incluindo disposições relativas aos seus pets, tais como, quem ficará com o animal em caso de separação, como serão divididos os custos com ração, despesas com veterinário, vacinas e assim por diante. Afinal, ninguém quer ser surpreendido por um processo judicial movido pelo seu antigo melhor amigo de quatro patas (representado pelo ex-companheiro(a), é claro).

 

Fonte: Migalhas

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