A aludida dinâmica trouxe o agravamento de uma situação de irregularidade fundiária, a criação da cidade informal e da cidadania insurgente, produzindo uma formatação adequada de importância para a regularização fundiária urbana – REURB, como importância vital e relevante para a resolução de questões para uma sociedade mais justa, digna e fraterna
A ausência de políticas públicas urbanas efetivas pelos entes federados, aliada à crise fundiária urbana brasileira, bem como às intempéries da construção civil, levou à derrocada de uma séria infindável de empresas e fez o mercado ruir, ocasionando dificuldades para todo o sistema. Tal situação é parcialmente responsável pelo quadro atual, caracterizado por aquilo que se tem denominado de déficit habitacional.
A crise da construção civil, unida à inadimplência e à ocupação irregular e ilegal de áreas urbanas, comprometeu grandemente a produção de estruturas imobiliárias voltadas à habitação, consequentemente, prejudicando a própria concretização do direito à moradia.
Percebe-se que no preâmbulo da CF/88 se assegura que o Brasil é um Estado Democrático destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos (BRASIL, 1988).
A dignidade da pessoa humana (art. 1º, III da CF/88) é um postulado constitucional e não há como se reconhecer presente àqueles que vivem em habitações precárias e sem as mínimas condições de segurança e higiene, pois este é um direito fundamental de segunda dimensão que exige prestações positivas do Estado para que se torne real e seja efetivamente exercido.
Em decorrência dessa inexorável situação, se relaciona ao número de pessoas que residem em moradias que não cumprem os pressupostos relacionados à habitação adequada e àquelas que se encontram em situação de inadequação ao referido direito é que terminou por surgir o conceito de déficit habitacional.
É mister estabelecer, entretanto, a diferença entre a ocupação irregular e a ilegal. As ocupações irregulares ocorrem quando pessoas tomam posse de áreas públicas ou privadas sem autorização. As ilegais se dão por meio da construção de moradias sem obediência a normas técnicas e legais de urbanismo e segurança. Quanto a ambas as hipóteses, as ocupações geralmente são realizadas por pessoas que não têm condições financeiras para adquirir moradias em locais legalizados, ou que não conseguem acesso a programas habitacionais do governo.
As invasões de áreas para ocupações irregulares têm, entretanto, diversos impactos negativos, como a falta de infraestrutura básica como água, energia e esgoto, a insegurança habitacional e a precariedade das condições de vida. Muitas vezes tais ocupações ocorrem em áreas de preservação ambiental, bem como são capazes de ocasionar grave risco de deslizamentos ou enchentes, colocando em risco a vida das pessoas que moram nessas regiões.
A União tem programas habitacionais que buscam atender a população de baixa renda, como o já mencionado Minha Casa Minha Vida, mas o déficit habitacional no país é gigantesco, levando as pessoas, precipuamente em grandes cidades, a ocuparem áreas ilegalmente em busca de moradia, problema concernente às invasões de áreas para ocupações irregulares deve ser enfrentado de forma integrada e com a participação de diversos setores da sociedade, incluindo o governo, a sociedade civil e a iniciativa privada.
Tornou-se realidade a cidade informal, onde as pessoas vão chegando aos poucos ao terreno urbano, invadem, constroem barracos inicialmente, instalam suas famílias (geralmente com crianças e adolescentes) e ali, por longos anos ou décadas, o Poder Público sequer se apresenta com políticas públicas mínimas de saúde e educação, já que a ocupação é irregular e a lei só permite investimentos em terrenos legalizados. Isso é um ciclo interminável.
Há um modelo de desenvolvimento próprio, no qual a população carente continua a ser empurrada rumo às áreas mais distantes dos centros econômicos, enquanto o mercado imobiliário continua a explorar as regiões centrais. Dessa forma, a intervenção estatal no sentido da promoção do direito à moradia é algo absolutamente indispensável, especialmente no contexto de desigualdade que caracteriza o Brasil, não apenas no que concerne à aquisição de uma moradia, como também à sua regularização jurídica, econômica, social e registral.
Em nosso país, a distribuição de renda é totalmente desigual, com uma parcela significativa da população vivendo em condições precárias e com dificuldades para acessar serviços básicos, como saúde, educação e moradia digna. Ademais, existe uma vasta especulação imobiliária, na qual a terra é compreendida como uma mercadoria que pode ser comprada e vendida para gerar lucros. Tal lógica de mercado, aliada à falta de políticas públicas efetivas para garantir o acesso à moradia, acaba gerando uma pressão crescente sobre as áreas disponíveis para ocupação, levando muitas pessoas a ocuparem áreas de forma irregular nas periferias das cidades. De outro lado, muitas vezes as áreas ocupadas são valorizadas após a ocupação, o que acaba por gerar mais especulação e aumentar os conflitos na região, inclusive por intermédio da utilização do tráfico de drogas para o controle da segurança e também milicianos, que inclusive impõem serviços aos moradores do local.
Torna-se imprescindível que o Poder Público atue de forma a garantir a justiça social e a distribuição equitativa dos recursos, implementando políticas públicas que atendam às necessidades da população e garantam o acesso à moradia digna, regularizando áreas ocupadas de forma irregular e implementando políticas de reforma agrária e de urbanização que priorizem a inclusão social e a sustentabilidade ambiental.
Somando-se a essa situação, os incorporadores imobiliários produzem moradias para aqueles que são capazes de pagar os altos preços ditados pelo mercado especulativo, preocupando-se com a lucratividade de seus empreendimentos e não com a construção de moradias sociais.
Mais do que isso, o setor imobiliário passou a despertar o interesse dos especuladores do mercado financeiro, criando-se fundos de investimento imobiliários. Tal situação passou a demandar um aumento na margem de lucro dos investidores, comprometendo ainda mais a construção de moradias populares.
No processo de urbanização em razão do déficit de moradias brasileiras, constata-se que o tema de regularização é muito relevante; principal conquista da Constituição de 1988, dado o seu caráter essencial de primazia dos municípios nas políticas públicas urbanas, mas que infelizmente ainda não conseguiu superar situações mínimas, como a construção de moradias com financiamento estatal para a população.
A efetivação do direito à moradia no Brasil ainda é um desafio, e muitas vezes esse direito é violado de forma sistemática, especialmente para as populações mais vulneráveis e marginalizadas, ocasionado por uma série de obstáculos políticos, econômicos e sociais que dificultam a implementação de políticas públicas efetivas para garantir o acesso à moradia. No entanto, é importante destacar que o direito à moradia é um direito fundamental previsto na Constituição Brasileira e deve ser garantido pelo Estado brasileiro. É responsabilidade do Estado garantir condições dignas de moradia para todos os cidadãos, por meio de políticas públicas que promovam o acesso à terra, à saúde, à infraestrutura urbana, à segurança habitacional e à regularização fundiária.
Os municípios passaram a ter maior autonomia e recursos para atender às demandas locais, especialmente nas áreas de Saúde, Educação, Assistência Social e infraestrutura urbana. A CF/88 também criou mecanismos de participação popular na gestão pública, como os conselhos municipais, que possibilitam a participação direta da sociedade na formulação e implementação de políticas públicas. A Carta Magna estabeleceu ainda direitos sociais e trabalhistas mais amplos e rigorosos, como o direito à educação, à saúde, ao trabalho digno e à moradia, entre outros, exigindo do Poder Público a implementação de políticas públicas para garantir sua efetivação, o que significa que os municípios têm um papel importante a desempenhar nesse processo.
Com a descentralização administrativa, os municípios passaram a ter maior responsabilidade na gestão dos serviços públicos e na promoção do bem-estar da população local, imprimindo um compromisso com a promoção da justiça social e da inclusão social, implementando políticas públicas que garantam o acesso aos direitos fundamentais previstos na Constituição e que atendam às necessidades da população local. Assim, o instituto da usucapião constitucional e legal de bens imóveis (apenas não aplicável aos bens públicos) foi uma forma importantíssima de se reafirmar uma forma de pacificação social e concretização do direito à moradia. Diante de um país continental com problemas tão vastos e que afligem os brasileiros de modo geral, eis que a usucapião judicial ou extrajudicial se trata de forma originária de aquisição da propriedade, sendo a sentença ou ato registral ou seu próprio título.
A REURB, prevista na lei 13.465/17, é um processo que tem como objetivo regularizar a posse da terra em áreas urbanas informais, ou seja, aquelas que não foram objeto de parcelamento, loteamento ou edificação conforme as leis urbanísticas. A regularização fundiária urbana tenta solucionar a situação de pessoas e famílias que ocupam terrenos urbanos de forma irregular, sem documentação ou com documentação precária, e que, muitas vezes, vivem em condições precárias, em situação de extrema pobreza. Esse processo envolve diversas etapas, como a identificação dos ocupantes, o levantamento topográfico e cadastral pelo município, Estado, DF ou União, a regularização da documentação do imóvel e a implementação de infraestrutura básica, como água, esgoto e energia elétrica.
Destarte, a regularização fundiária urbana – REURB é uma política pública importante para garantir o direito à moradia e à cidade para todos os cidadãos, além de contribuir para a melhoria das condições de vida e o desenvolvimento urbano sustentável. Importante realçar que mesmo com os vários instrumentos colocados à disposição pela Constituição Federal de 1988, em face da reserva do possível, utilizada com frequência pelos entes públicos, com recursos para investimentos cada vez mais finitos pelos entes federados, torna-se a REURB um potencial enorme de solução e pacificação da sociedade, em face do enorme déficit habitacional brasileiro.
Com a CF/88, a questão urbana passou a ser entendida como uma questão social, relacionada ao direito à cidade, referindo-se ao direito de todos os cidadãos de terem acesso aos bens e serviços urbanos básicos, como habitação adequada, saneamento básico, transporte, saúde, educação, cultura e lazer. Deveras, o próprio Supremo Tribunal Federal já julgou que o Poder Judiciário pode, sem que fique configurada violação ao princípio da separação dos Poderes, determinar a implementação de políticas públicas em defesa de direitos fundamentais (BRASIL, 2019).
O exercício do poder de polícia de ordenação territorial pode ser analisado a partir dos direitos fundamentais, que constituem, a toda evidência, o fundamento e o fim da atividade estatal (BRASIL, 2019). Na presença de instrumentos do Estatuto das Cidades (lei 10.257/01), voltados a efetivar as diretrizes constitucionais, faz-se razoável exigir do Poder Público determinadas medidas para mitigar as consequências causadas pela demolição de construções familiares erigidas em terrenos irregulares (BRASIL, 2019).
Diante da previsão constitucional expressa do direito à moradia (art. 6º, CF) e do princípio da dignidade humana (art. 1º, III, CF), é consentâneo com a ordem normativa concluir não ser discricionário ao Poder Público a implementação de direitos fundamentais, mas apenas a forma de realizá-la (BRASIL, 2019). Mister salientar também que o direito à cidade inclui o direito à participação dos cidadãos nas decisões que afetam a vida urbana, o direito à informação e o direito à transparência nas políticas públicas urbanas, especialmente pelo administrador público, sendo discricionário apenas o modo de realizar tal política pública.
A cidade informal, presente no cotidiano de todos os brasileiros, não deve ter simplesmente uma forma de se ignorar o problema e afastar a temática das discussões técnicas e acadêmicas. Ao contrário. Precisa-se enfrentar o problema da cidade informal com políticas públicas urbanas sérias e capazes de suprir o enorme déficit habitacional do país. E, em geral, a cidade informal surge nas grandes cidades, ou metrópoles. Por definição legal, metrópole é o espaço urbano com continuidade territorial que, em razão de sua população e relevância política e socioeconômica, tem influência nacional ou sobre uma região que configure, no mínimo, a área de influência de uma capital regional, conforme os critérios adotados pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE (BRASIL, 2015).
Tal forma de cidadania pode se manifestar em diversas maneiras, incluindo protestos, manifestações, boicotes, greves, ocupações de espaços públicos e invasões de terras improdutivas, tornando-se um contraponto à cidadania passiva, que se limita a cumprir suas obrigações civis e políticas sem questionar o status quo. Portanto, verifica-se que no pós-constituição de 1988 houve grandes e sérias transformações na população brasileira, de vários prismas, como formas de emprego, ocupação do solo e adensamento populacional, que dão destaque para a urbanização informal.
A aludida dinâmica trouxe o agravamento de uma situação de irregularidade fundiária, a criação da cidade informal e da cidadania insurgente, produzindo uma formatação adequada de importância para a regularização fundiária urbana – REURB, como importância vital e relevante para a resolução de questões para uma sociedade mais justa, digna e fraterna.
Fonte: Migalhas
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