As diversas maneiras de assegurar a efetividade dos direitos fundamentais são o mote da 14ª edição do Congresso Brasileiro de Direito das Famílias e Sucessões. Promovido pelo Instituto Brasileiro de Direito da Família (IBDFAM), o evento, que terminará nesta sexta-feira (27/10), reúne no Sesc Palladium, em Belo Horizonte, alguns dos principais especialistas do ramo.

 

“Pensar os direitos fundamentais não é mais só olhar para o próprio umbigo da família, e em tudo a culpar, mas trazer luz à responsabilidade que cabe aos poderes constituídos para sua efetividade. É um giro copernicano”, comentou a diretora da Comissão de Relações Interdisciplinares do IBDFAM, Giselle Groeninga, que é psicanalista e doutora em Direito Civil pela USP.

 

Na quarta-feira (25/10), durante a abertura do congresso, o presidente do IBDFAM, Rodrigo da Cunha Pereira, celebrou a retomada do evento em formato presencial e observou que o Direito brasileiro passa por um momento decisivo, já que o Código Civil, vigente desde 2003, sofrerá uma reforma.

 

O advogado também destacou algumas das principais ações do IBDFAM nos últimos anos, como a inauguração da sede própria, na capital mineira, e a atuação em discussões relevantes do Judiciário, como a que afastou a incidência do Imposto de Renda em pensões alimentícias.

 

“O Direito não é apenas um conjunto de normas e regras, mas também uma luta constante pela sua aplicação e pela defesa dos direitos individuais e coletivos. Portanto, a luta pelo Direito envolve a defesa dos direitos individuais e coletivos, a busca por justiça social e a promoção do Estado de Direito”, disse Pereira.

 

Ainda na abertura, a subprocuradora-geral da República aposentada Deborah Duprat falou sobre “Efetividade dos Direitos e Garantias Fundamentais”. Na palestra, ela observou que a sociedade tem passado por transformações profundas, algo que impacta valores fundamentais e políticas públicas.

 

Outros temas abordados por ela foram o reposicionamento político da religião, que tem viés conservador e afeta os tratados de direitos humanos, e a retirada das crianças do espaço escolar em um contexto de ambiente familiar mais controlado.

 

“A ascensão do fundamentalismo religioso e a perpetuação de estereótipos de gênero são preocupantes”, disse Duprat.

 

Segundo dia

 

Os diversos aspectos dos direitos fundamentais no âmbito do Direito das Famílias e Sucessões foram o tema das palestras desta quinta-feira (26/10).

 

Falando sobre “Contratualização no Direito das Sucessões”, o advogado e pós-doutor pela USP Flávio Tartuce defendeu que a comissão responsável pela reforma do Código Civil precisa “destravar” a parte dedicada ao Direito da Família no diploma legal. Nesse sentido, ele abordou a questão da nulidade dos contratos que envolvem sucessão e o endividamento gerado pelos gastos decorrentes dos casamentos.

 

Professor de Direito Civil no Mackenzie, o advogado João Ricardo Brandão Aguirre discorreu sobre a eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas. Nesse contexto, ele criticou a aprovação pela Câmara do projeto de lei que proíbe casamentos homoafetivos.

 

Ele também abordou a relação entre Direito Público e Direito Privado durante o regime nazista. “Aqueles que contribuíram para a Alemanha nazista pregavam uma ideia de eficácia direta ‘dos valores supremos’ da Constituição Alemã, a fim de conseguirem superar ‘as amarras’ do Direito positivado”, observou Aguirre.

 

Em sua fala, sobre o tema “Inventário de posse, usucapião direto aos herdeiros?”, o professor universitário e registrador de imóveis Marcos Salomão apontou que o Brasil tem 40 milhões de imóveis irregulares, o que gera dificuldades na hora de fazer o inventário da posse.

 

“É necessário ter mais normas quanto à documentação da posse para melhorar o processo extrajudicial. E a resposta para isso está nas mãos de quem cuida da família”, disse Salomão.

 

Rodrigo da Cunha Pereira falou no painel “As causas legais de indignidade e deserdação são taxativas ou exemplificativas?”. Segundo ele, o Superior Tribunal de Justiça encontrou uma “saída” para a questão ao entender que a taxatividade é passível de interpretação. “Talvez o STJ assuma posição mais contundente, que traduza a sociedade como ela é atualmente.”

 

O desembargador do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG) Newton Teixeira afirmou que processos são meios absolutamente necessários para a eficácia dos direitos fundamentais. E, nesse sentido, o julgamento parcial de mérito, tema de sua reflexão no congresso, surge como uma contribuição à duração razoável do processo.

 

Já a desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-MG) e escritora Andréa Pachá falou sobre o “exibicionismo dos conflitos familiares”. Para ela, no que se refere ao amor, as pessoas têm recorrido, nas redes sociais, a modelos idealizados, narcísicos.

 

“Temos um ambiente de desumanização. Precisamos estar comprometidos com diversidade, liberdade, responsabilidade afetiva, humanidade. Não podemos ceder a uma linguagem que transforme o amor em escândalo”, disse ela. “Precisamos usar a linguagem da internet não como produto, mas como forma de garantir os direitos fundamentais. Viver continua sendo a arte do encontro”, completou Andréa.

 

O advogado e mestre em Direito Privado e Econômico Luciano Figueiredo discorreu sobre pacto antenupcial e negócios jurídicos processuais. Em sua avaliação, a “geração fast-food” criou o “fast-love”, e agora quer regramentos matrimoniais que permitam “um caminho mais suave”, em que o casamento não seja um contrato de adesão.

 

O advogado, parecerista e professor Conrado Paulino da Rosa refletiu sobre o Direito de Família mínimo como forma de racionalizar a interferência do Estado e preservar o direito à intimidade. Por outro lado, ele defendeu a necessária intervenção, por exemplo, na proteção dos filhos e vulneráveis.

 

Doutor em Direito Civil pela USP, Mário Luiz Delgado falou sobre a necessidade de efetivação do direito fundamental de herança, o qual garante o direito fundamental de propriedade. “O direito de propriedade é a perpetuidade, não acaba com o autor.  Outro direito fundamental é dispor do patrimônio”, disse Delgado.

 

Redução da litigiosidade

 

Juiz do Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJ-ES), Rafael Calmon abordou o tema da produção antecipada de prova no Direito de Família. Para ele, utilizar tal mecanismo reduziria a litigiosidade, o que também também vale para o Direito das Sucessões.

 

Já o procurador de Justiça do Ministério Público de Minas Gerais Nelson Rosenvald discorreu sobre o dano-morte e seu impacto nas famílias e sucessões. Em sua reflexão, Rosenvald concluiu que “sai menos oneroso matar alguém do que ferir alguém”.

 

Falando sobre a dosimetria do prazo de prisão civil, o professor Gustavo D’Alessandro apontou a carência legislativa sobre o tema e advertiu que essa dosimetria não pode ferir direitos fundamentais. Nesse sentido, o juiz e o STJ devem criar critérios objetivos ao avaliar os perfis econômico e pessoal do devedor, assim como os custos da prisão civil.

 

A juíza do TRE-MG Alice Birchal falou sobre inconstitucionalidades no Direito Sucessório e o sistema de súmulas como garantia de segurança jurídica a partir da uniformização da interpretação pelos tribunais, notadamente o STF e o STJ.

 

“Ambos, pelo sistema de súmulas, asseguram sua função constitucional de interpretar o Direito. Isso se faz importante porque, notadamente as súmulas anteriores à Constituição de 88, cujos precedentes são de 1942 a 1967, afrontam o atual sistema jurídico, notadamente familiarista, no pós-Constituição. Assim, indispensável a revogação.”

 

Presidente da Comissão Especial da Advocacia de Família e Sucessões da OAB-SP, a advogada Silvia Felipe Marzagão falou sobre contrato conjugal como instrumento de efetivação dos direitos fundamentais. Ela também abordou temas como as limitações em pactos ante e pós-nupciais, deveres não coercitivos e contrato paraconjugal, o qual, segundo ela, “previne litígios e protege a todos”.

 

O advogado Rolf Madaleno falou sobre juízo verbal da partilha e falta de efetividade desses processos. “Os processos de partilha travam: rende para os que fazem violência patrimonial e são contra as mulheres, que acabam fazendo péssimos acordos.”

 

Para a advogada Luciana Faisca, que discorreu sobre a comunicabilidade das cotas sociais nos regimes da comunhão, o Código Civil retrata condições do século passado. “Trata-se de bens, mas sociedades não são bens.”

 

Falando sobre “Famílias negras, Direito das Famílias, estigmas e invisibilidades”, Cláudia Luna disse que “o Direito é branco”. “Quantos juristas negros existem? Quantos pensam a esse respeito? Quantos negros temos no IBDFAM além daqueles na Comissão de Diversidade Social? É fundamental que pessoas negras sejam reconhecidas”, disse a advogada.

 

Enunciados

 

Outro momento de destaque do evento foi a apresentação dos dez novos enunciados do IBDFAM. Selecionadas após votação entre os membros da entidade, as novas diretrizes abordam temas como violência no âmbito familiar, proteção de idosos, convivência, parentalidade e inteligência artificial.

 

Fonte: Conjur

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