Desde o último dia 2, passou a vigorar o Provimento nº 161/2024, que altera o Código Nacional de Normas da Corregedoria Nacional de Justiça do Conselho Nacional de Justiça – Foro Extrajudicial. A nova normativa determina que os cartórios comuniquem de forma mais qualificada e efetiva as informações de operações ou propostas de operações consideradas suspeitas enviadas à Unidade de Inteligência Financeira do Brasil, o COAF (Conselho de Controle de Atividades Financeiras).

 

Na normativa, enquadram-se as suspeitas de crimes de lavagem de dinheiro, financiamento ao terrorismo e proliferação de armas de destruição em massa (PLD/FTP). Com o Provimento nº 161/2024, a Corregedoria Nacional pretende reduzir o número de comunicações defensivas enviadas pelos cartórios e mais bem qualificar as informações daquelas realmente significativas para os órgãos de inteligência financeira e de persecução penal.

 

“Vamos reduzir as hipóteses de comunicação obrigatória para que o trabalho seja muito mais eficiente e atuar somente naqueles casos que realmente despertem a necessidade de investigação”, disse o corregedor nacional de Justiça, ministro Luis Felipe Salomão, durante a 1ª Sessão Extraordinária do CNJ, em março, quando o normativo foi aprovado pelo Plenário.

 

Outras mudanças do Provimento nº 161/2024

 

O Provimento nº 161/2024 trouxe uma melhor conceituação a respeito do termo “pagamento em espécie”, que era bastante confundido com pagamento em moeda corrente ou de curso legal, gerando diversas comunicações desnecessárias. Além disso, o valor considerado base para comunicação obrigatória foi revisado de R$ 30 mil para R$ 100 mil.

 

A normativa também reduz de duas para uma vez ao ano, até 31 de janeiro do ano seguinte, as comunicações de não ocorrência de operações suspeitas que os cartórios devem enviar às suas Corregedorias Estaduais.

 

A partir de agora, passa-se a exigir que o delegatário fundamente em que consiste a operação ou proposta de operação suspeita. Com isso, reduz-se o número de comunicações não aproveitadas pelo COAF. A partir do envio à UIF, a comunicação será analisada por especialistas. De acordo com o caso, o COAF poderá repassar as informações aos órgãos de investigação criminal, Ministério Público e polícias judiciárias (estadual ou federal).

 

Técnicos da COAF analisam Provimento nº 161/2024

 

Em entrevista para a Associação dos Notários e Registradores do Estado de São Paulo (Anoreg/SP), técnicos da COAF comentaram sobre os principais pontos, benefícios, mudanças trazidas pela nova normativa. Confira abaixo:

 

Objetivos com as mudanças trazidas pelo Provimento nº 161

 

  • Priorizar qualidade sobre quantidade, no tocante às comunicações de notários e registradores ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), que é a Unidade de Inteligência Financeira (UIF) do País;

 

  • Intensificar a denominada abordagem baseada em risco;

 

  • Aumentar o didatismo do texto das normas, a bem da segurança jurídica, a fim de prevenir incompreensões, por exemplo, quanto a conceitos como o do meio de pagamento “em espécie” e o de “beneficiário final” ou, ainda, quanto ao fato de que as disposições da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) não prejudicam o cumprimento da legislação especial de PLD/FTP;

 

  • Atender a reivindicações do segmento e de atores institucionais do sistema de PLD/FTP como, por exemplo, a de alteração, de semestral para anual, na periodicidade das denominadas comunicações de não ocorrência; e

 

  • Consolidar disciplina estrutural dos procedimentos de monitoramento, seleção, análise e comunicação que devem ser implementados em cada cartório, conforme o padrão mais atualizado de normatização adotado no segmento das instituições financeiras.

 

Principais mudanças

 

  • Inclusão, no Código Nacional de Normas do Foro Extrajudicial, de disposição expressa no sentido de que as normas gerais de proteção de dados pessoais não prejudicam o cumprimento das disposições especiais de PLD/FTP;

 

  • Incorporação de referência explícita também ao financiamento da proliferação de armas de destruição em massa no escopo da disciplina de PLD/FTP do segmento, bem como à Lei nº 13.810, de 2019, relacionada ao financiamento do terrorismo e da proliferação;

 

  • Determinação expressa no sentido de que políticas, procedimentos e controles internos de PLD/FTP em geral sejam adotadas em cada cartórios de forma orientada por abordagem baseada em risco (ABR), considerando inclusive avaliações de risco realizadas por entidades representativas dos notários e registradores;

 

  • Detalhada explicitação de que o meio de pagamento “em espécie” diz respeito apenas a “cédulas de papel-moeda ou moedas metálicas” físicas do sistema monetário do Brasil ou de outros países e não se confunde com a noção mais abrangente que corresponde a expressões como “moeda corrente” ou “moeda de curso legal”;

 

  • Especificação, quanto aos procedimentos de monitoramento, seleção, análise e comunicação que devem ser implementados pelos notários e registradores, daquilo que cada um desses procedimentos deve contemplar;

 

  • Detalhamento didático do propósito do registro exigido, para fins específicos de PLD/FTP, dos atos notariais protocolares e registrais de conteúdo econômico, bem como da sua diferença em relação ao registro que os cartórios realizam rotineiramente como seu ato-fim;

 

  • Alteração, de semestral para anual, na periodicidade das comunicações de não ocorrência (CNO) que notários e registradores devem apresentar às correspondentes Corregedorias locais quando não identificarem ao longo do período nada que devessem comunicar ao Coaf;

 

  • Previsão explícita da possibilidade de órgãos ou integrantes de Corregedoria local serem excepcionados, quando autorizados pela Corregedoria Nacional, da restrição de acesso imposta pelo sigilo acerca das comunicações dos cartórios ao Coaf, o que favorece a supervisão do correspondente dever de envio;

 

  • Detalhamento didático do que deve ser incluído em comunicações ao Coaf e de como elas devem ser feitas;

 

  • Aprimoramento redacional, para fins de maior clareza, em relação a determinados pontos das listas de hipóteses em que notários e registradores devem analisar com especial atenção operações, propostas de operação ou situações, para efeito de eventual comunicação ao Coaf, a depender do que concluam com essa análise;

 

  • Acréscimo de novas hipóteses do gênero, inclusive relacionadas aos denominados ativos virtuais, também conhecidos como criptoativos ou criptomoedas;

 

  • Eliminação de várias das hipóteses de comunicação ao Coaf independentemente de análise antes contempladas na normatização do segmento, tendo em vista a verificação técnica de que não vinham agregando valor significativo ao sistema de PLD/FTP; e

 

  • Especificação de informações sobre meios e formas de pagamento, bem como sobre eventual condição de pessoa exposta politicamente, aspectos relevantes no contexto de procedimentos de PLD/FTP, cuja indicação precisa deve ser incluída nas escrituras públicas de constituição, alienação ou oneração de direitos reais sobre imóveis.

 

Avaliação geral

 

A avaliação que se tem do Provimento nº 161, portanto, é das mais positivas, por brindar a sociedade e o segmento dos notários e registradores com regramento dos mais aprimorados e atualizados dentro da legislação brasileira de PLD/FTP.

 

Os benefícios que esse avanço trará para toda a sociedade e para o segmento, em particular, traduzem-se, essencialmente, em um sistema de PLD/FTP mais efetivo na luta contra os enormes prejuízos associados a práticas delituosas tão graves quanto tráfico de entorpecentes, corrupção, fraudes bancárias, crimes ambientais e terrorismo, para citar apenas alguns dos exemplos mais marcantes.

 

Todos sabem, afinal, que constitui elemento crítico para o combate ao crime, sobretudo o crime organizado, buscar a chamada asfixia financeira. Daí a importância do sistema de PLD/FTP, que só pode ser efetivo se contar com matéria prima de qualidade, que é fornecida justamente por setores relevantes como o dos cartórios extrajudiciais.

 

Portanto, não é possível fazer o sistema de PLD/FTP avançar significativamente sem qualificar a diferenciada contribuição provida pelas comunicações de setores críticos como o dos notários e registradores, em sua valiosa parceria com o Coaf e com os demais atores do sistema no combate à criminalidade.

 

Por isso é que os avanços trazidos com o novo regramento de PLD/FTP da Corregedoria Nacional de Justiça beneficiam enormemente o esforço dos notários e registradores na luta por uma sociedade mais segura e mais justa.

 

Trata-se, afinal, de avanços voltados a qualificar as comunicações do segmento à UIF brasileira, o Coaf, a concentrar os esforços dos notários e registradores naquilo que apresenta maior risco e a prevenir correlatos problemas de compreensão normativa, melhorando, assim, a relação entre o custo e o benefício da atuação do segmento no sistema de PLD/FTP.

 

Tudo isso implica, em suma, maior efetividade dos esforços de PLD/FTP em sua contribuição para a segurança pública e a integridade do sistema econômico, com inequívocos benefícios para toda a sociedade e também para os próprios notários e registradores.

 

Nada obstante, para que esses benefícios possam se concretizar e para que possam ser aproveitados, há necessidade de se preparar adequadamente em relação ao novo quadro normativo. Esse, aliás, pode ser considerado o grande impacto do Provimento nº 161 sobre a atividade extrajudicial.

 

O novo quadro normativo trazido pelo Provimento nº 161, afinal, pressupõe um salto na maturidade do segmento em relação a normas menos presas à especificação linear de condutas e que exigem maior discernimento e capacidade de cada notário e registrador de adaptar a política, os procedimentos e os controles internos de PLD/FTP de seus cartórios aos riscos e à realidade concreta do dia a dia de suas atividades, de modo passível de ser demonstrado, ademais, perante as autoridades competentes.

 

Quem souber fazer isso, partindo de uma adequada compreensão do novo regramento de PLD/FTP do CNJ e de uma consistente avaliação de riscos, poderá, com menos custos, gerar mais benefícios, em termos de PLD/FTP, para toda a sociedade e para sua própria proteção em face dos riscos de suas atividades extrajudiciais serem usadas para a prática de crimes, com todos os problemas e ônus que isso pode acarretar.

 

No novo cenário, afinal, há amparo ainda maior  para concentrar esforços naquilo que envolver maiores riscos, permitindo-se a modulação de medidas mais simplificadas em relação ao que apresentar menores níveis de risco.

 

As mudanças trazidas pelo Provimento nº 161 impactarão a atividade extrajudicial, portanto, favorecendo quem estiver preparado para aproveitar os seus benefícios.

 

Nesse sentido, as mudanças tornarão fundamental, em lugar de um simplório cumprimento automático de regras lineares, compreender a finalidade das exigências normativas, bem como os riscos associados às diversas atividades de cada cartório.

 

O cumprimento das normas, nesse novo cenário, há de ser pensado de maneira que permita demonstrar sua compatibilização com a realidade concreta de cada cartório a fim de maximizar o atendimento efetivo às finalidades normativas.

 

 

Fonte: INR

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