A inteligência artificial carrega potencialidades que podem servir para o bem da humanidade, a justiça e a dignidade da pessoa humana. Na mesma medida, no entanto, ela oferece riscos dos mais variados ao mercado de trabalho, à privacidade e à democracia, por exemplo. A garantia do uso benéfico da tecnologia deve partir de uma regulação geral, o que já é inevitável, dado o impacto cotidiano da IA. E essa regulamentação deve se fundar no princípio da precaução, ater-se aos direitos fundamentais e propor uma governança híbrida.

 

Essa foi a conclusão dos participantes da mesa “Inteligência Artificial: Riscos Éticos, Econômicos e Eleitorais”, que integrou o segundo dia da 12ª edição do Fórum Jurídico de Lisboa, nesta quinta-feira (27/6). O evento é organizado pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), pelo Lisbon Public Law Research Centre (LPL), da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, e pelo Centro de Inovação, Administração e Pesquisa do Judiciário da Fundação Getulio Vargas (FGV Justiça).

 

Participaram do debate o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Luís Roberto Barroso; o senador Eduardo Gomes (PL-TO); o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, do Superior Tribunal de Justiça; Laura Schertel Mendes, diretora do Centro de Direito, Internet e Sociedade e professora do IDP e da Universidade de Brasília (UnB); e a professora Dora Kaufman, da Faculdade de Ciências Exatas e Tecnologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). A moderação foi feita pelo advogado Fabrício da Mota Alves, membro-fundador da Associação Brasileira de Governança Pública de Dados Pessoais.

 

Potencialidades e riscos

O ministro Barroso iniciou sua exposição sobre o tema afirmando ser um entusiasta das potencialidades positivas da inteligência artificial, que definiu como programas que transferem capacidades humanas para computadores. Ele mencionou o uso para tomadas de decisões com base em dados e a automação de atividades, além de aplicações no Direito.

 

“Só no Supremo, nós temos a utilização de inteligência artificial para agrupar processos por temas e sabermos quais deles têm mais matérias repetitivas, para podermos decidir em repercussão geral e eliminar milhares de casos”, disse Barroso, que aguarda o desenvolvimento de uma ferramenta que faça resumos de processos em até cinco páginas.

 

O presidente do STF lembrou em seguida, no entanto, os riscos da inteligência artificial. Ele citou o impacto no mercado de trabalho, o que vai exigir adaptação de trabalhadores e redes de proteção social; a preocupação com o uso para fins bélicos, como armas letais autônomas; o aumento da desinformação, com deepfakes; e o risco para a privacidade, dado o volume de informações pessoais coletadas pelas big techs.

 

Barroso defendeu, em resposta a isso, uma regulação da IA que se atenha à proteção dos direitos fundamentais e da democracia e à transparência na governança. “Acho que não devemos ter medo, mas, sim, a preocupação de fazer com que a inteligência artificial caminhe por uma trilha ética e que sirva às causas da humanidade: o bem, a justiça e a dignidade da pessoa humana.”

 

Regulação geral

Já o ministro Cueva fez um apelo por uma regulação de caráter geral, que forneça um arcabouço normativo para a regulação setorial, já existente no uso da inteligência artificial na Medicina e em carros autônomos, por exemplo.

 

Em 2022, o magistrado presidiu a comissão de juristas que apresentou um anteprojeto ao Senado para regular a IA no Brasil. O documento fundamentou o Projeto de Lei 2.338/2023, apresentado pelo senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), presidente da casa legislativa, em maio do ano passado, que objetiva regulamentar o uso da tecnologia.

 

“O que se procurou fazer foi garantir que haja a centralidade da pessoa humana no uso da inteligência artificial. Queremos ter a certeza de que a última palavra será dada por um ser humano, e isso é muito relevante quando se trata do uso dela na atividade jurisdicional”, acrescentou o ministro do STJ.

 

PL 2.338/23

Eduardo Gomes, relator do PL 2.338/23 no Senado, afirmou que a leitura do texto final deve ocorrer na próxima semana. Na semana seguinte, ele espera que já possa ser aprovado pelos senadores, sendo encaminhado posteriormente à Câmara. A expectativa do senador é ter a lei sancionada até o fim do ano, o que não deve encerrar de vez a discussão, uma vez que as eventuais novas aplicações da inteligência artificial irão exigir adaptações normativas.

 

“A regulação identifica as necessidades e aproxima todos de um certo conhecimento. Não regular, de alguma forma, é ser regulado. Eu quero saber qual o setor que questionou, que trabalhou junto com a comissão, que acompanhou os textos em construção no Parlamento, que já não está sendo regulado e abalado positiva ou negativamente pela inteligência artificial?”, disse o senador ao questionar a contrariedade de certos setores à regulação.

 

Governança híbrida

A professora Laura Schertel Mendes, que foi relatora da comissão de juristas que preparou o anteprojeto do PL 2.338/23, afirmou que o texto deverá estabelecer um marco civil da inteligência artificial no país.

 

Ela listou acertos do texto: ele dialoga com normativas internacionais, mas se preocupa com as especificidades do arranjo brasileiro; tem uma estrutura simples em princípios e direitos; parte de um modelo de regulação de riscos, que impõe requisitos mais graves e medidas de governança mais gravosas a riscos mais altos; propõe a discussão sobre direitos autorais; e tem um modelo híbrido de governança.

 

“Não estamos mais falando de uma autoridade que vai regular esse sistema. As agências reguladoras devem assumir um protagonismo, serão apenas elas que poderão sancionar e supervisionar esses sistemas. Mas esse sistema todo, chamado de SIA (Sistema de Governança e Regulação de Inteligência Artificial), previsto no projeto de lei, terá a coordenação de uma autoridade. Ou seja, essa governança tem de ser harmônica, com uma autoridade coordenadora e o protagonismo dessas agências. A criação desse modelo foi um grande acerto.”

 

A 12ª edição do Fórum de Lisboa teve início na quarta e se encerra nesta sexta-feira (28/6). O evento sediado na capital de Portugal conta com transmissão ao vivo.

 

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Fonte: Conjur

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