Continuo examinando a relação jurídica de consumo estabelecida no Código de Defesa do Consumidor (CDC), ainda no exame do conceito de serviço.

 

Serviço é, tipicamente, atividade. Esta é ação humana que tem em vista uma finalidade. Ora, toda ação se esgota tão logo praticada. A ação se exerce em si mesma. Daí somente poderia existir serviço não durável. Seria uma espécie de contradição falar em serviço que dura. Todavia, o mercado acabou criando os chamados serviços tidos como duráveis, tais como os contínuos (p. ex., os serviços de convênio de saúde, os serviços educacionais regulares em geral etc.). Com isso, o CDC, incorporando essa invenção, tratou de definir, também, os serviços como duráveis e não duráveis, no que andou bem.

 

A hipótese dessa divisão, da mesma forma que quanto aos produtos, está tratada no art. 26, I e II. Mas, para encontrar o verdadeiro sentido da durabilidade e não durabilidade do serviço, será preciso ampliar o significado de serviço não durável. Assim, serviços não duráveis serão aqueles que, de fato, exercem-se uma vez prestados, tais como, por exemplo, os serviços de transporte, de diversões públicas, de hospedagem etc.

 

E os serviços duráveis serão aqueles que:

 

  1. a) tiverem continuidade no tempo em decorrência de uma estipulação contratual. São exemplos a prestação dos serviços escolares, os chamados planos de saúde etc., bem como todo e qualquer serviço que no contrato seja estabelecido como contínuo;

 

  1. b) embora típicos de não durabilidade e sem estabelecimento contratual de continuidade, deixarem como resultado um produto. Por exemplo, a pintura de uma casa, a instalação de um carpete, o serviço de buffet, a colocação de um boxe, os serviços de assistência técnica e de consertos (o conserto de um veículo) etc. Nesses casos, embora se possa destacar o serviço do produto deixado (o que gera diferenciais no aspecto de responsabilidade), o produto faz parte do serviço – às vezes até com ele se confundindo, como acontece, por exemplo, com a pintura de uma parede.

 

É preciso dizer que modernamente o serviço passou a ter uma importância excepcional no mercado. Os profissionais de marketing, por exemplo, dão hoje prevalência ao aspecto do atendimento ao consumidor no que respeita à oferta de produtos e serviços em geral. Ora, atendimento ao consumidor é prestação de serviços. Temos de lembrar, então, que qualquer venda de produto implica a simultânea prestação de serviço. O inverso não é verdadeiro: há serviços sem produtos. Assim, por exemplo, para vender um par de sapatos, o lojista tem de, ao mesmo tempo, prestar serviços: vai atender o consumidor, trazer os sapatos por ele escolhidos, colocá-los nos seus pés para que os experimente, dizer como pode ser feito o pagamento, passar o cartão de crédito na maquineta etc. Já na prestação do serviço de consulta médica, por exemplo, há apenas serviço.

 

Indo à leitura da redação do § 2º do art. 3º, tem-se ainda de tratar do aspecto da “remuneração” lá inserido e da exclusão do serviço de caráter trabalhista. Comecemos por este último, que não demanda qualquer dificuldade. A lei pura e simplesmente exclui de sua abrangência os serviços de caráter trabalhista, no que está certa, pois a relação instaurada nesse âmbito tem conotação diversa da instaurada nas relações de consumo. Já o aspecto da remuneração merece comentários mais cuidadosos.

 

O CDC define serviço como aquela atividade fornecida mediante “remuneração”.

 

Antes de mais nada, consigne-se que praticamente nada é gratuito no mercado de consumo. Tudo tem, na pior das hipóteses, um custo, e este acaba, direta ou indiretamente, sendo repassado ao consumidor. Assim, se, por exemplo, um restaurante não cobra pelo cafezinho, por certo seu custo já está embutido no preço cobrado pelos demais produtos.

 

Logo, quando a lei fala em “remuneração” não está necessariamente se referindo a preço ou preço cobrado. Deve-se entender o aspecto “remuneração” no sentido estrito de qualquer tipo de cobrança ou repasse, direto ou indireto.

 

É preciso algum tipo de organização para entender o alcance da norma. Para estar diante de um serviço prestado sem remuneração, será necessário que, de fato, o prestador do serviço não tenha, de maneira alguma, se ressarcido de seus custos, ou que, em função da natureza da prestação do serviço, não tenha cobrado o preço. Por exemplo, o médico que atenda uma pessoa que está passando mal na rua e nada cobre por isso enquadra-se na hipótese legal de não recebimento de remuneração. Já o estacionamento de um shopping, no qual não se cobre pela guarda do veículo, disfarça o custo, que é cobrado de forma embutida no preço das mercadorias.

 

Por isso é que se pode e se deve classificar remuneração como repasse de custos direta ou indiretamente cobrados. No que respeita à cobrança indireta, inclusive, destaque-se que ela pode nem estar ligada ao consumidor beneficiário da suposta “gratuidade”. No caso do cafezinho grátis, pode-se entender que seu custo está embutido na refeição haurida pelo próprio consumidor que dele se beneficiou. No do estacionamento grátis no shopping, o beneficiário pode não adquirir qualquer produto e ainda assim tem-se de falar em custo. Nesse caso é outro consumidor que paga, ou melhor, são todos os outros consumidores que pagam.

 

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Continua na próxima semana.

 

Fonte: Migalhas

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