A vida é protegida pelo Estado e pela sociedade, com tutela constitucional e penal, que criminaliza a colaboração no suicídio ou automutilação
Enquanto existimos nesse mundo, percebemos que a vida é considerada o bem mais importante para o ser humano, pois sem ela, direitos não podem sequer serem cogitados e, por consequência, conquistados e usufruídos. Acerca da vida, Andre Ramos Tavares, dispõe:
“É o mais básico de todos os direitos, no sentido de que surge como verdadeiro pré-requisito da existência dos demais direitos consagrados constitucionalmente. É, por isto, o direito humano mais sagrado.”1
A vida humana pode ser considerada o bem jurídico mais relevante, pois o direito, como ciência do dever ser, por meio ordenamento jurídico, dispõe de inúmeras leis que disciplinam as condutas humanas.
Acerca do bem jurídico, podemos conceituar como aquilo que é valoroso para o homem, do ponto de vista individual e coletivo, devendo ser protegido pelo ordenamento jurídico. Nesse diapasão, Guilherme de Souza Nucci, aduz:
“O bem jurídico é o valor para o qual se outorga proteção jurídico penal no caso concreto.”2
Por conseguinte, a dignidade da pessoa humana, além de erigida a principio constitucional, é um dos fundamentos do nosso Estado Democrático de Direito, conforme previsão do artigo 1º, III, da Constituição Federal.3 O que se traduz em viver em condições mínimas de dignidade e decência para a existência do homem, pois, além do Estado, toda a sociedade deve respeitar os seus valores, crenças, opiniões, imagem, integridade física e psíquica, bens, relacionamentos, projetos, etc.
Para tanto, a Constituição Federal, nos direitos fundamentais, confere especial proteção aos direitos individuais. No caput4 do art. 5º, dentre os direitos garantidos, temos a inviolabilidade da vida, a qual é disciplinada por meio dos 79 incisos do referido artigo.
Por corolário, a proteção a vida é garantida pelos demais ramos do direito, dentre os quais podemos destacar o direito penal, por meio do principio da lesividade, que tutela o bem jurídico contra efetiva lesão ou perigo de lesão, complementado ainda com o da ultima ratio, quando os demais ramos do direito não puderem assim o fazer. Ademais, temos os mandados de criminalização, que é uma ordem que incumbi ao legislador penal à tarefa de criar leis, que protejam os bens jurídicos tutelados constitucionalmente.
Embora seja considera uma conduta antijurídica, aqueles que atentam contra si próprios, cometendo suicídio ou automutilação, não serão punidos, pois não há tipicidade, com base no principio penal da alteridade.
Entretanto, o Código Penal, prevê como crime toda e qualquer conduta que visa eliminar a vida de outrem, pois em nosso direito pátrio não é dado o direito de ser cúmplice na morte de outra pessoa. Sendo assim, o art. 122 do diploma penal, pune aqueles, que de alguma forma, contribuíram para que a consumação ou tentativa, da figura prevista no tipo penal:
Art. 122. Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou a praticar automutilação ou prestar-lhe auxílio material para que o faça:
Pena – reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos.
De inicio, percebemos que há duas condutas de apoio moral e uma de cunho material.
No verbo indução, é criada a idéia atentatória na cabeça da vitima, que até então não existia. Ao passo que na ação nuclear instigação, já há uma idéia preconcebida, ocorrendo uma sugestão para que se desenvolva. Ambas as condutas coincidem a persuasão por parte do agente. E no auxilio material, o agente, de modo acessório, contribui com algum objeto material ou por meio de instruções para o ato de suicida.
Nota-se que todas as condutas são puníveis a título de dolo, que pode ser direto, quando o agente quer causar a lesão ou morte da vitima, ou eventual, quando sem querer diretamente o resultado, pratica a conduta assumindo assim o risco. Não há que se falar em crime do art. 122, na modalidade culposa, por falta de previsão legal, de acordo com a inteligência do parágrafo único do artigo 18 do Código Penal.5
Cumpre ressaltar, tamanha a importância que detém a vida, que após o advento da lei 13.968/19, que alterou a redação do art. 122, o tipo penal passou a ser crime formal, ou seja, o resultado se consuma com as condutas, independente do resultado naturalístico. Diante disso, Cesar Roberto Bittencourt dispõe:
“Constate-se que a descrição do caput foi transformada em um crime sem resultado, meramente formal, portanto, e, ao contrario da previsão anterior, consuma-se com a própria a ação, sem a produção do resultado algum.”6
Outra atualização importante, com o advento da lei 14.811/24, tornou hediondo o induzimento, instigação ou auxílio a suicídio ou a automutilação realizados por meio da rede de computadores, de rede social ou transmitidos em tempo real.7
Levando em consideração os bens em conflito entre a liberdade individual e a vida humana, esta ultima, além da relevância, têm maior proteção. Prova disso, que no próprio ordenamento jurídico penal encontramos a excludente de ilicitude no art. 146, § 3º, II, do Código Penal8, no qual prevê que o agente que pratica a coação, impedindo, ainda que a força física ou por meio de ameaça, o ato suicida, a conduta será considerada atípica, ou seja, não responderá pelo crime de constrangimento ilegal.
Logo, a vida tem um papel fundamental em nossa sociedade, seja do ponto vista individual, como a pessoa enxerga a si própria, seja do ponto de vista social, como se relaciona e é considerada perante os seus pares e a coletividade.
Diante do exposto, além da proteção constitucional e penal, campanhas difundidas por toda a sociedade, como a do setembro amarelo, que propiciam um papel significativo a existência humana, além de um notável reconhecimento, consubstancia aos seres humanos uma vida digna.
Por derradeiro, muito embora a realidade para alguns demonstra ser impiedosa, é necessário ser complacentes para com o próximo, seguindo na crença obstinada pela vida, atribuindo um significado especial a sua existência, por meio da urbanidade, auxiliando de forma humaniza e cordial e, ainda, quando preciso, orientando a buscar ajuda profissional, pois segundo o emblema da campanha fomentada no mês de setembro “Se precisar, peça ajuda.”9
________
1 Tavares, André Ramos. Curso de Direito Constitucional/ André Ramos Tavares – 13 ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2015. p. 453
2 ucci, Guilherme de Souza. Curso de direito penal: parte geral: arts. 1º a 120 do código penal / Guilherme de Souza Nucci. – 8 ed., rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro : Forense, 2024. p. 19
3 Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
…
III – a dignidade da pessoa humana;
4 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
5 Art. 18 – Diz-se o crime:
…
Parágrafo único – Salvo os casos expressos em lei, ninguém pode ser punido por fato previsto como crime, senão quando o pratica dolosamente.
6 Tratado de direito penal – volume 2 – parte especial / Cesar Roberto Bittencourt – 24 ed. – São Paulo – Saraivajur, 2024 p.177
7 Art. 1o São considerados hediondos os seguintes crimes, todos tipificados no Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, consumados ou tentados:
…
X – induzimento, instigação ou auxílio a suicídio ou a automutilação realizados por meio da rede de computadores, de rede social ou transmitidos em tempo real (art. 122, caput e § 4º);
8 Art. 146 – Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda:
Pena – detenção, de três meses a um ano, ou multa
…
- 3º – Não se compreendem na disposição deste artigo:
…
II – a coação exercida para impedir suicídio.
Fonte: Migalhas
Deixe um comentário