Apelação nº 1001398-71.2024.8.26.0309
Espécie: APELAÇÃO
Número: 1001398-71.2024.8.26.0309
Comarca: JUNDIAÍ
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA
Apelação nº 1001398-71.2024.8.26.0309
Registro: 2024.0000868089
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1001398-71.2024.8.26.0309, da Comarca de Jundiaí, em que é apelante NORIVAL JOSÉ MARIA JUNIOR, é apelado 1º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE JUNDIAÍ.
ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento à apelação, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).
São Paulo, 12 de setembro de 2024.
FRANCISCO LOUREIRO
Corregedor Geral da Justiça
Relator
APELAÇÃO CÍVEL nº 1001398-71.2024.8.26.0309
APELANTE: Norival José Maria Junior
APELADO: 1º Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Jundiaí
VOTO Nº 43.564
Registro de imóveis – Procedimento de dúvida – Escritura de doação com reserva de usufruto. dever de fiscalização do recolhimento dos impostos de acordo com os títulos que são apresentados. artigo 289 da lei 6.015/73 – Base de cálculo para fins de isenção de ITCMD correspondente à soma da nua-propriedade e usufruto – Inteligência da Lei 10.705/00 – Interpretação diversa a ser discutida nas vias ordinárias – Dúvida procedente – Apelação improvida.
Trata-se de apelação interposta por NORIVAL JOSÉ MARIA JUNIOR em face da r.sentença de fls. 66/67, proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do 1º Oficial de Registro de Imóveis e Anexo de Jundiaí, que, em procedimento de dúvida, manteve a negativa de registro de escritura de doação com reserva de usufruto e cláusulas lavrada pelo 17º Tabelião de Notas de São Paulo, nas fls. 137/140, do Livro 3958, tendo por objeto o imóvel de matrícula 97.703, pela ausência da prova da regularidade do recolhimento do ITCMD, tendo em vista que a base de cálculo do imposto e da isenção devem ser aferidas sobre a totalidade do valor do imóvel, e não apenas 2/3 como declarado pelo contribuinte perante a Secretaria da Fazenda.
A apelação busca a reforma da sentença, pretendendo o ingresso do título ao fólio real e afastamento da interpretação dada pelo Registrador quanto à base de cálculo do ITCMD.
Sustenta o apelante que o valor venal do imóvel era realmente de R$ 155.478,95, mas considerando que a doação foi de nua propriedade, com usufruto aos doadores, a base de cálculo do ITCMD equivale a 2/3 do imóvel, alcançando R$ 103.652,63, e cada donatário recebeu o valor correspondente a R$ 51.826,32, dentro, portanto, do limite da isenção de 2500 UFESPs. Informa que o cálculo do ITCMD foi feito no sistema da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo, que não obstou e nem notificou doadores/donatários para tal recolhimento. Além disso, sustenta que a doação ocorreu no ano de 2018, de modo que o débito também estaria prescrito (fls. 99/101).
A Douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo improvimento da apelação (fls. 131/133).
É o Relatório.
Decido.
A apelação não merece provimento, devendo ser mantida a qualificação negativa promovida pelo Oficial.
O apelante apresentou a escritura de doação com reserva de usufruto e cláusulas lavrada no 17º Tabelião de Notas de São Paulo, nas fls. 137/140, do livro 3958. O título foi prenotado e recebeu a seguinte nota devolutiva:
“Trata-se de Escritura Pública de Doação com Reserva de Usufruto lavrada aos 09 de outubro de 2018, Livro nº 3958, folhas 137/140 pelo 17º Tabelião de Notas da cidade de São Paulo, Capital deste estado, pretendendo o imóvel objeto da Matrícula 97.703, desta Serventia.
Da análise da escritura, verifica-se que a mesma indica que o presente negócio jurídico está isento do recolhimento do Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) conforme Declaração de Doação Extrajudicial nº 59134519, todavia, não se trata de doação isenta, uma vez que o valor atribuído e o valor venal para o imóvel no exercício de 2018 é R$ 155.478,95, recebendo cada donatário R$ 77.739, 47, valor esse que ultrapassa as 2.500 UFESPS para o ano de 2018 (R$ 64.250,00).
Ainda, de acordo com o item 9.2 da Decisão Normativa – CAT – 03, de 26 de fevereiro de 2010, tem-se que: ‘em relação à doação de bem imóvel com reserva de usufruto, o fato gerador do ITCMD ocorre quando da celebração do contrato ou ato de doação, e é nesse momento que se deve analisar a possibilidade de aplicação da isenção prevista no inciso II do artigo 6º da Lei 10.705/2000 (relativa à transmissão por doação), ou seja, é no momento da doação que se deve verificar o valor efetivamente doado. Estará isenta do imposto toda doação cujo valor transmitido a cada donatário for inferior a 2.500 UFESPS (valor total do imóvel quando existir apenas um donatário).’
Ademais, ressalta-se que a doação realizada por Norival José Maria Junior e seu cônjuge Kathia Sakai José Maria é única, visto que os doadores são casados pelo regime da comunhão parcial de bens, e que enquanto perdurar a comunhão, o bem ao doado é indiviso em propriedade comum, dessa forma não poderá ser aproveitada a isenção da doação por cada um dos doadores, uma vez que há a ocorrência de apenas um fato gerador, de acordo com a Decisão Normativa CAT-04, de 24.11.2016, transcrita adiante:…”
De acordo com a nota devolutiva, a exigência está fundamentada na incorreção dos parâmetros declarados pelo apelante à Secretaria da Fazenda quanto ao ITCMD devido, diante da consideração de que não se trata de hipótese de isenção, tendo em vista que o valor da doação para cada donatário ultrapassa o limite de 2.500 UFESP´s em valores da época, conforme art. 6º, II, “a” da Lei Estadual 10.705/2000 e Decisão Normativa CAT-4.
E mais, a exigência ainda tem por fundamento o fato de que, ainda que tenha havido reserva de usufruto, o fato gerador ocorre no momento da doação, sendo a base de cálculo do ITCMD a somatória dos valores referentes à nua-propriedade e ao usufruto, com repercussão no exame da isenção. O que se permite é apenas o diferimento do recolhimento do tributo em relação ao 1/3 do valor do bem, correspondente à base de cálculo do usufruto, o que não altera a constatação de que o limite da isenção foi desatendido pelos interessados.
Nesta perspectiva, tem o Oficial o dever de verificar a regularidade das informações prestadas por autolançamento à Administração Tributária para confirmar a sua compatibilidade com o negócio jurídico tal como celebrado e constante do título que lhe é submetido à qualificação, avaliação que foi feita com razoabilidade e de forma fundamentada, não sendo pertinente, na estreita via administrativa da dúvida, discutir se deve prevalecer a interpretação diversa pretendida pelo recorrente.
É o que dispõe o artigo 289, da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973:
“Art. 289 No exercício de suas funções, cumpre aos oficiais de registro fazer rigorosa fiscalização do pagamento dos impostos devidos por força dos atos que lhes forem apresentados em razão do ofício.”
A omissão do delegatário, inclusive, pode levar à sua responsabilidade solidária no pagamento do tributo (artigo 134, VI, do Código Tributário Nacional, o que também vem corroborado pelos itens 117 e 117.1, do Capítulo XX, Tomo II, das NSCGJ:
“117. Incumbe ao oficial impedir o registro de título que não satisfaça os requisitos exigidos pela lei, quer sejam consubstanciados em instrumento público ou particular, quer em atos judiciais.
117.1. Com exceção do recolhimento do imposto de transmissão e prova de recolhimento do laudêmio, quando devidos, nenhuma exigência relativa à quitação de débitos para com a Fazenda Pública, inclusive quitação de débitos previdenciários, fará o oficial, para o registro de títulos particulares, notariais ou judiciais.”
Como apurado pelo Oficial, o valor venal do imóvel para fins de IPTU era, à época da lavratura da escritura pública, R$ 155.478,95, de modo que a base de cálculo de cada doação de metade ideal era de R$ 77.739,47. A UFESP, à época, correspondia ao valor de R$ 25,70, de sorte que 2500 UFESPs correspondiam ao valor de R$ 64.250,00. Logo, acima do valor do teto da isenção.
A doação do imóvel comum foi feita pelo casal para dois filhos, em partes iguais, reservando para si o usufruto.
Nesta ordem, segundo a legislação de regência, foram dois fatos geradores do ITCMD, e não quatro, pois a doação de bem comum de casal há de ser considerada uma só, um ato único da propriedade indivisa, com dois donatários.
É, aliás, a conclusão que ficou estampada na Decisão Normativa CAT-4:
“O Coordenador da Administração Tributária, com fundamento no artigo 522 do Regulamento do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – RICMS, aprovado pelo Decreto 45.490, de 30-11-2000, decide aprovar a proposta da Consultoria Tributária e expedir o seguinte ato normativo:
- Os bens de casais ou companheiros, na constância de casamento ou de união estável em que for adotado o regime da comunhão parcial ou universal de bens, formam um todo indiviso até a dissolução do casamento ou da união estável.
- Consequentemente, o ato de doação de bem de casal ou companheiros, na hipótese do item acima, é único, pois havendo propriedade em comum e indivisa de todo o patrimônio, cada um dos cônjuges não possui frações delimitadas, individualmente consideradas, sobre a coisa, bem ou direito objeto de eventual doação.
- Desta forma, nas doações realizadas para terceiros beneficiários, por cônjuges ou companheiros na vigência de regime de comunhão parcial ou universal de bens, haverá apenas um doador e tantos fatos geradores do ITCMD quantos forem os donatários.
- Neste contexto, quanto ao benefício determinado pelo artigo 6º, II, “a”, da Lei 10.705/2000 (regulamentado pelo artigo 6º, II, “a”, do RITCMD/2002), tendo em vista que referido dispositivo concede isenção do ITCMD às transmissões por doação cujo valor não ultrapassar 2.500 (duas mil e quinhentas) UFESP, a isenção em questão é aplicável a cada fato gerador ocorrido.
- Assim, na hipótese de doação de um único bem realizada por cônjuges ou companheiros, na vigência dos regimes de comunhão de bens citados no item 1, para vários donatários, deve-se levar em conta, para o cálculo do limite de isenção e verificação da possibilidade de sua aplicação em cada fato gerador ocorrido, o valor da parcela do bem doado a cada um dos beneficiários pelos mencionados cônjuges ou companheiros, que, ressalta-se, configuram um único doador.”
De igual modo, no tocante à consideração de que a doação abrangeria somente 2/3 do imóvel, incorreto o raciocínio do apelante, pois o que permite a legislação é apenas o diferimento do recolhimento do tributo em relação ao 1/3 do bem, devido na consolidação da propriedade plena, em virtude da morte ou renúncia do usufrutuário (Decreto 46.655/2002, art. 31, §3º), sem alterar os parâmetros legais referentes à base de cálculo e limites de eventual isenção, estes definidos na Lei 10.705/00.
O cálculo da isenção, portanto, deve verificar o valor efetivamente transmitido a cada donatário, ou seja, a soma dos valores correspondentes à nua propriedade e ao usufruto. Tal conclusão foi enunciada na Consulta feita à SEFAZ em 11.04.2017, resultando na seguinte Ementa:
“ITCMD – DOAÇÃO DE BEM IMÓVEL COM RESERVA DE USUFRUTO – DOIS DONATÁRIOS – ISENÇÃO DE QUE TRATA O ARTIGO 6º, INCISO II, ALÍNEA “A”, DA LEI 10.705/2000.
I – Na doação com reserva de usufruto, os doadores efetivamente transmitem a propriedade do bem aos donatários desde o momento da celebração do contrato ou ato de doação, sendo irrelevante o fato de reservarem a si, temporariamente, uma parcela do exercício desse direito de propriedade (usufruto).
II – O valor a ser considerado para fins de isenção é o valor efetivamente transmitido a cada donatário, levando-se em conta a soma dos valores correspondentes à nua propriedade e ao usufruto, que, no caso, equivale a 50% do valor total do imóvel, uma vez que temos dois donatários.”
Deste modo, correta a nota devolutiva lançada pelo Registrador, exigindo a retificação da declaração de ITCMD, por entender que as informações assinaladas pelo contribuinte estão em desconformidade ao título, vez que a doação do bem comum e indiviso foi feita pelo casal a dois beneficiários e a base de cálculo e limites da isenção devem ser analisadas com base na totalidade do imóvel, e não apenas 2/3, tornando legítima a atuação do Registrador na aferição da isenção pretendida pelo apelante.
Não se trata de algo trivial ou inconsequente. Muito pelo contrário. A depender do número de fatos geradores e ao percentual adotado para a base de cálculo (integralidade ou 2/3 do imóvel), a isenção pode ou não incidir, já que o artigo 6º, II, “a”, da Lei nº 10.705/00 estabelece que a doação de bem até 2.500 Ufesp’s é isenta de ITCMD.
Evidentemente, não caberia ao Oficial fechar os olhos para tal realidade, em razão do dever de fiscalização do recolhimento dos impostos devidos por força dos atos que lhe forem apresentados.
Também não é o caso de se reconhecer prescrição ou decadência do débito fiscal. Como é sabido, o Ofício do Registro de Imóveis e o Juízo Corregedor Permanente – órgãos meramente administrativos que são – não podem dispensar a prova do pagamento do ITCMD, mesmo pelo argumento de que se tenha consumado a decadência ou a prescrição.
Neste aspecto, não compete aos registradores o reconhecimento da eventual prescrição de créditos tributários, matéria estranha à atividade registrária. Tal questão deverá ser objeto de discussão e decisão em esfera própria, sendo que no âmbito administrativo não incide o contraditório e ampla defesa, bem como não há instrução probatória, não havendo a participação da credora tributária (Fazenda Pública do Estado de São Paulo) que é titular do direito cuja pretensão o suscitado quer ver afastada.
Por tudo isso, o apelante deve providenciar a Retificação da Declaração de ITCMD e/ou sentença judicial proferida no bojo de processo judicial com contraditório que ampare a sua pretensão, caso contrário, permanece o entrave.
Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação.
FRANCISCO LOUREIRO
Corregedor Geral da Justiça
Relator. (DJe de 18.09.2024 – SP)
Fonte: DJE/SP
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