Grande Câmara apontou violação dos direitos à vida privada e à liberdade religiosa, garantidos na Convenção Europeia dos Direitos Humanos
O TEDH – Tribunal Europeu dos Direitos Humanos condenou o Estado da Espanha a indenizar em R$ 73,6 mil por danos morais paciente testemunha de Jeová que recebeu transfusão de sangue contra a vontade.
Os magistrados da grande Câmara apontaram violação dos direitos à vida privada e liberdade de religião, garantidos pelos artigos 8º e 9º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos.
Entenda o caso
Em 2017, a equatoriana Pindo Mulla foi diagnosticada com um mioma uterino no hospital público de Soria, na Espanha. Conforme os preceitos de sua religião, os testemunhas de Jeová são orientados a não aceitar transfusões de sangue.
Ciente disso, ela assinou um documento de diretivas antecipadas, no qual expressava sua recusa formal em receber transfusões.
No entanto, em junho de 2018, durante uma emergência médica, foi transferida para o hospital La Paz, em Madri, onde os médicos decidiram, mesmo contra a vontade previamente manifestada pela paciente, realizar o procedimento de transfusão devido à gravidade do quadro clínico.
Ao saber que ela era membro das testemunhas de Jeová, os anestesistas consultaram o juiz de permanência, que autorizou todas as intervenções médicas necessárias para salvar sua vida. Pindo Mulla foi submetida a uma histerectomia e, durante o procedimento, recebeu três transfusões de sangue.
A mulher, então, apresentou queixa em março de 2020 no tribunal com sede em Estrasburgo, no nordeste da França, pelo “paternalismo médico” que afirma ter sofrido.
A decisão
A grande Câmara do TEDH concluiu que o juiz decidiu com base em “informações limitadas e erradas”. Ele soube que a mulher havia recusado tratamento apenas oralmente, sem saber que existiam documentos escritos sobre transfusões de sangue.
Dessa forma, os magistrados entenderam que as autoridades espanholas falharam em respeitar o direito da paciente à autodeterminação e à liberdade religiosa.
Segundo o tribunal, o Estado deveria ter consultado o Registro Nacional de Diretivas Antecipadas, onde estava formalizada a recusa da paciente em receber transfusões de sangue.
Além disso, o TEDH destacou que a decisão judicial que autorizou os médicos a realizarem a transfusão foi tomada sem que a paciente ou sua família fossem devidamente ouvidos, violando seu direito de participar das decisões que afetavam diretamente sua vida e saúde.
O Tribunal afirmou que “deixar de consultar os desejos expressos pela paciente e proceder com a transfusão, apesar de seu protesto baseado em convicções religiosas firmemente estabelecidas, constituiu uma interferência indevida nos direitos de autodeterminação e liberdade de religião garantidos pela Convenção Europeia dos Direitos Humanos”.
A Corte reiterou a obrigação dos Estados de protegerem a autonomia dos pacientes, inclusive em emergências médica, quando a decisão pela vida deve respeitar as escolhas pessoais previamente manifestadas.
Com isso, determinou que o Estado da Espanha pague R$ 73,6 mil por danos morais e R$ 86 mil por despesas judiciais a paciente.
Leia a decisão.
Fonte: Migalhas
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