No contexto da reforma tributária, pouco se falou até o momento de alterações diretas no contencioso judicial. Apenas há alguns meses é que circularam notícias de que o Poder Executivo estaria preparando uma proposta de emenda constitucional (PEC) para criação da chamada “ação declaratória de legalidade” (ADL), em movimento que foi apelidado de “minirreforma do Judiciário” por alguns autores.

 

A iniciativa, conquanto passível de críticas já exploradas em artigos específicos sobre o tema, é congruente, levando em conta que o tempo médio dos processos tributários no Brasil (somando-se as fases administrativa e judicial) é de 19 anos, segundo estudo elaborado em 2019 pelo Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (Etco) e pela Consultoria Ernst & Young (EY).

 

Sem prejuízo de editar novas normas para aperfeiçoar a solução de conflitos entre contribuintes e Fazenda Pública que inevitavelmente decorrerão das novas imposições tributárias, o Legislativo deve buscar também aprimorar a lei processual vigente. Tal fato é importante especialmente porque as exegeses atuais ainda serão cobradas por quase dez anos, o que estenderá as discussões judiciais sobre tais tributos.

 

Um exemplo de instituto que vale revisão é a remessa necessária, que estabelece a necessidade de confirmação, pelo tribunal, de sentenças contrárias aos interesses das Fazendas Públicas. O principal objetivo do duplo grau de jurisdição é garantir a proteção da supremacia do interesse público sobre o privado, havendo registros de normas correlatas desde o século 19.

 

Na vigência do CPC/1973, não houve qualquer ressalva à aplicação até 2001, quando a Lei nº 10.532 alterou o antigo Código para excetuar do duplo grau de jurisdição as causas de valores inferiores a 60 salários-mínimos, bem como as sentenças fundadas em jurisprudência do plenário do Supremo Tribunal Federal ou em súmula deste Tribunal ou do tribunal superior competente.

 

A exposição de motivos da referida lei (no artigo 475) já demonstrava a preocupação do legislador em dar maior celeridade ao processo judicial, destacando exatamente que o prolongamento desnecessário de processos judiciais seria custoso para os cofres públicos, além de aumentar desnecessariamente a carga de trabalho dos tribunais.

 

Posteriormente, o Código de Processo Civil de 2015 expandiu ainda mais as exceções à remessa necessária, ressalvando do duplo grau de jurisdição os processos que envolvam determinados valores máximos; além de manter excetuadas as sentenças fundadas em incidentes de resolução de demandas repetitivas; acórdãos proferidos em recursos repetitivos e repercussão geral; assunção de competência; e pareceres ou súmulas administrativas.

 

Novo Código de Processo Civil

O novo CPC teve por foco outros princípios constitucionais, como a primazia do mérito, a duração razoável do processo e a eficiência e a segurança jurídica. A atenção do CPC com o estabelecimento de um sistema de precedentes se denota da própria exposição de motivos da Lei nº 13.105/2015, que aduz que o código deveria levar “a um processo mais célere as medidas cujo objetivo seja o julgamento conjunto de demandas que gravitam em torno da mesma questão de direito”.

 

No entanto, a Lei nº 12.016/2009, que rege o mandado de segurança, não acompanhou as evoluções legislativas do Código de Processo Civil, mantendo-se em vigor até hoje o parágrafo primeiro do artigo 14, que prevê que concedida a segurança, a sentença estará sujeita obrigatoriamente ao duplo grau de jurisdição.

 

Em matéria tributária, a disposição praticamente anula as intenções do CPC, sobretudo porque, especialmente após o julgamento da chamada Tese do Século, em que o STF decidiu que o ICMS não compõe a base de cálculo para a incidência do PIS e da Cofins, outras teses têm surgido, e muitos contribuintes têm optado por discutir os temas por meio de mandados de segurança, notadamente por não haver o risco de condenação em honorários de sucumbência em caso de derrota; além de o rito deste tipo de ação ser mais célere.

 

E pela sua especialidade, a Lei 12.016/2009 se sobrepõe ao CPC, de modo que em situações em que o contribuinte obtém segurança para liberação de mercadorias retidas em barreira fiscal para cobrança de débitos de ICMS, o que infelizmente ainda ocorre em diversos estados, apesar de contrariar a Súmula 323 do STF; os autos são posteriormente encaminhados ao tribunal para confirmação de sentença.

 

Não se defende que haja uma aplicação irrestrita das exceções à remessa necessária previstas no CPC também em mandados de segurança. Uma distinção que se entende necessária é aquela relativa ao § 3º do artigo 496, do CPC, que estabelece que não se aplica o disposto neste artigo quando a condenação ou o proveito econômico obtido na causa for de valor certo e líquido inferior a determinadas faixas, variáveis conforme a jurisdição da autoridade impetrada.

 

Mandados de segurança

É sabido que diversos contribuintes ajuízam mandados de segurança objetivando ter reconhecido o direito à recuperação de eventual tributo indevidamente pago desde os cinco anos anteriores à impetração do mandamus, mas que tal valor só será apurado após o trânsito em julgado da demanda.

 

Assim, em muitos casos sequer haveria conhecimento do proveito econômico no momento da prolação da sentença, o que obstaria a aplicação da ressalva à remessa necessária por faixas de valor envolvido aos mandados de segurança.

 

Por outro lado, não se vislumbra motivo para manutenção da remessa necessária em mandados de segurança quando se está diante de temas decididos com força vinculante, seja em sede de IRDR, seja em recursos repetitivos ou em controle de constitucionalidade.

 

Se o objetivo do CPC de 2015 é garantir a segurança jurídica por meio de um sistema de precedentes, não há motivo para que a Lei nº 12.106/2009 não siga a mesma lógica.

 

É de se destacar que a exposição de motivos do projeto de lei que deu origem ao CPC de 2015 foi publicada ainda em 2010, apenas um ano após a Lei do MS, portanto já estabelecia que “é a função e a razão de ser dos tribunais superiores: proferir decisões que moldem o ordenamento jurídico, objetivamente considerado”; e ainda que “a tendência à diminuição do número de recursos que devem ser apreciados pelos tribunais de segundo grau e superiores é resultado inexorável da jurisprudência mais uniforme e estável”.

 

Em casos de jurisdição federal, há até um certo “constrangimento”, uma vez que a própria Procuradoria da Fazenda Nacional é dispensada de recorrer em temas decididos em sede de repercussão geral ou de recursos repetitivos pelo STF e pelo STJ, respectivamente, nos termos do artigo 19, IV da Lei nº 10.522/2002, com redação dada pela Lei nº 13/874/2019, que dispensa a PGFN de contestar “tema decidido pelo Supremo Tribunal Federal, em matéria constitucional, ou pelo Superior Tribunal de Justiça, pelo Tribunal Superior do Trabalho, pelo Tribunal Superior Eleitoral ou pela Turma Nacional de Uniformização de Jurisprudência, no âmbito de suas competências, quando for definido em sede de repercussão geral ou recurso repetitivo“.

 

Assim, conquanto o instituto processual continue justificável, em garantia dos princípios constitucionais que lastrearam a sua inclusão no direito processual pátrio, não há qualquer especificidade nos mandados de segurança que tratem de temas decididos com base em entendimentos vinculantes que justifiquem a diferenciação de regras entre os ritos processuais.

 

Em tempos de reforma, em que tantas alterações legislativas são propostas, com a criação de novos tributos, novos órgãos julgadores e eventualmente até novos tipos processuais, esperamos que o Poder Legislativo analise e corrija também velhos problemas.

 

Fonte: Conjur

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