Julgamento do TJ/SP criou precedente sobre danos morais por violação de direitos da personalidade, envolvendo plano de saúde e médico, com destaque para o advogado responsável.
Decisão de primeira instância e o valor arbitrado
A análise de um caso paradigmático evidencia a importância do ordenamento jurídico na proteção da dignidade humana. Um exemplo notório é a sentença do caso em tela que tratou da violação de direitos de uma paciente durante um procedimento médico, configurando um grave atentado à intimidade e privacidade.
O caso envolveu uma paciente que, durante a realização de um exame de colonoscopia, foi fotografada em situação de vulnerabilidade. As imagens de suas partes íntimas foram encontradas em dispositivos eletrônicos pertencentes ao médico responsável pelo exame, sem qualquer justificativa profissional ou consentimento.
A requerida demonstrou sua inércia ao se negar a fornecer o prontuário médico da autora, solicitado antes mesmo da fase processual, como em diversos momentos pelo magistrado durante o processo de conhecimento. Tal conduta não apenas dificultou a elucidação dos factos, como também agravou o sofrimento da vítima, evidenciando descaso em relação à gravidade da situação. O que tornou essencial a juntada de pareceres médicos sobre as drogas normalmente utilizadas durante o procedimento de colonoscopia e o grau de vulnerabilidade da paciente, ora autora. A juntada dos prontuários psicológicos e psiquiátricos também foram essenciais para a valoração do dano moral.
Nos termos do art. 932, inciso III, do CC, a responsabilidade do empregador pelos atos ilícitos de seus prepostos foi extremamente reconhecida. A sentença destacou a culpa in eligendo da requerida, que falhou em selecionar e supervisionar detalhadamente os profissionais sob sua responsabilidade.
A requerida sustentou que as imagens poderiam ter sido utilizadas para estudos médicos, mas a tese foi rejeitada. O julgamento considera a inexistência de justificativa plausível, especialmente pelo fato de as fotografias conterem o nome completo da vítima e estarem relacionados às partes íntimas, sem qualquer relação com o diagnóstico ou tratamento.
Na primeira instância, o juízo arbitrou o valor da indenização por danos morais em 500 salários-mínimos, destacando a excepcional gravidade da conduta ilícita praticada pelo médico preposto. A decisão enfatizou a responsabilidade objetiva do plano de saúde, nos termos do art. 14 do CDC, e considerou o impacto devastador do ato na dignidade da vítima.
Em sua fundamentação, o magistrado ressaltou:
“A reparação pecuniária deve refletir a gravidade da violação, resguardando não apenas a compensação à vítima, mas também o caráter pedagógico da condenação, a fim de coibir condutas semelhantes que atentem contra a dignidade e a intimidade de pacientes vulneráveis.”
A sentença também teve caráter pedagógico. A indenização buscou não apenas reparar o dano, mas também prevenir a reincidência de condutas semelhantes, desempenhando papel exemplar no sistema jurídico.
Este caso se destaca pela complexidade e pela clareza com que o judiciário tratou a matéria, reafirmando a importância da proteção dos direitos fundamentais. A decisão foi justa e proporcional, especificamente como um marco para a responsabilização objetiva e a defesa da dignidade humana.
O papel do assistente técnico-médico
O suporte técnico-médico foi fundamental para a instrução probatória, especialmente diante da negativa do hospital em fornecer o prontuário médico. O laudo técnico elaborado pelo assistente demonstrou:
- Estado de vulnerabilidade absoluta: Comprovação do uso de sedativos que impossibilitavam qualquer resistência ou consentimento.
- Ausência de justificativa médica: Evidência de que a captura de imagens não tinha qualquer finalidade profissional, configurando um ato ilícito grave.
- Impacto na vítima: A extensão dos danos psicológicos e morais decorrentes da violação, reforçando a necessidade de uma reparação robusta.
O papel do assistente técnico-médico no presente caso consistiu em proceder a uma avaliação minuciosa dos fatos ocorridos e das respectivas consequências sofridas pela paciente.
Enfrentou-se a limitação de não dispor do prontuário médico detalhado, documento essencial que conteria os registros dos procedimentos realizados. Essa ausência demandou uma análise mais ampla e criteriosa, abrangendo não apenas o exame das técnicas empregadas, mas também as condições clínicas e psicológicas da própria paciente.
Nesse contexto, foi possível identificar elementos relevantes acerca da dinâmica dos fatos, evidenciando que determinadas condutas observadas mostraram-se incompatíveis com os protocolos de boa prática habitualmente empregados em situações análogas.
Durante a avaliação pericial, destacou-se a necessidade de submeter a paciente a exames específicos para rastreamento de infecções sexualmente transmissíveis, bem como o encaminhamento para acompanhamento especializado em saúde mental. Essas intervenções destinam-se a resguardar não apenas o bem-estar e a integridade física e psicológica da paciente, mas também a robustecer o laudo técnico, conferindo subsídios sólidos ao processo de busca pela responsabilização jurídica dos responsáveis pelo ilícito.
Decisão do TJ/SP e o papel do revisor
Neste estágio do artigo vamos analisar o acórdão proferido pela 3ª Câmara de Direito Privado do TJ/SP, destacando sua relevância para a compreensão da responsabilidade civil do plano de saúde e da valorização do dano moral. O caso envolve uma captura indevida de imagens íntimas de um paciente durante exame médico, trazendo à tona discussões importantes sobre responsabilidade objetiva, violação de direitos de personalidade e arbitramento de indenizações. O estudo busca evidenciar os fundamentos jurídicos e doutrinários utilizados no julgamento, estabelecendo uma base sólida para reflexões futuras.
O dano moral é um dos temas centrais no Direito Civil brasileiro, especialmente em casos relacionados à violação de direitos fundamentais como a intimidação e a dignidade humana. O estudo analisado neste artigo reflete um julgamento emblemático, envolvendo a conduta de um médico que, aproveitando-se da vulnerabilidade de um paciente sedado dentro do hospital de uma operadora de saúde, capturando imagens íntimas sem autorização. A decisão apresenta fundamentos jurídicos robustos e evidencia a complexidade do arbitramento em situações de alta gravidade.
O acórdão refere-se a uma ação de indenização por danos morais ajuizada por uma paciente contra um plano de saúde. Durante a realização de um exame de colonoscopia, realizada sob sedação, um médico preposto ao plano fotografou partes íntimas da parte autora sem a devida autorização. Posteriormente, essas imagens foram descobertas no contexto de uma investigação criminal, durante a apreensão de dispositivos eletrônicos do médico, que estava sendo investigado por crime de pedofilia contra outras vítimas, o que permitiu a identificação do ilícito. A autora buscou reparação pelos danos sofridos, pleiteando a responsabilização do plano de saúde com fundamento na culpa in eligendo e na responsabilidade objetiva.
O Tribunal assumiu a responsabilidade objetiva do plano de saúde, nos termos dos arts. 932, III, e 933 do CC, além do art. 14 do CDC. Esses dispositivos estabelecem que o empregador responda pelos atos praticados pelos seus prepostos no exercício de suas funções. Destacando que o médico não era um terceiro independente, mas um representante direto do plano de saúde, reforçando a responsabilidade solidária. Destaca-se trecho do acórdão:
“Nesse contexto, a responsabilidade decorre da confiança de que tinha a vítima em relação ao próprio plano de saúde que contratou, no sentido de que o médico se encontrava e agia vinculado à ré. Sem tal relação não teria havido oportunidade para o médico ter contato com a autora e a fotografar indevidamente.
E nem se alegue que não há ilícito no armazenamento de exame pelo médico, porquanto o exame de colonoscopia se volta a imagem na estrutura interna do intestino, sem qualquer relação com a análise do corpo da paciente despida.”
Um ponto relevante na decisão foi a reafirmação da independência entre as esferas cíveis e penais. Essa abordagem reforça a autonomia da responsabilidade civil e a necessidade de proteger os direitos da personalidade, independentemente do estágio criminal.
O acórdão enfatizou que o dano moral restou causado pela violação dos direitos de intimidade e imagem da parte autora, independentemente da fotografia ter sido divulgada. Conforme a doutrina citada na decisão, como a de Maria Celina Bodin de Moraes1, o dano moral é caracterizado pela lesão à dignidade humana e à integridade psicofísica. O Tribunal concluiu que a situação vexatória vivenciada pela autora foi suficiente para substituir as peças.
Um dos pontos mais debatidos no acórdão foi o valor da indenização por danos morais. Inicialmente estabelecido em 500 salários mínimos2 pelo juízo de piso, o montante foi limitado para R$200.000,00, com base no sistema bifásico aprovado pelo STJ3. Esse enfoque avalia, em um primeiro momento, o interesse jurídico lecionado e, em um segundo momento, ajusta o valor de acordo com os especialistas do caso.
No julgamento presencial da apelação, o relator, desembargador Viviani Nicolau, defendeu a redução do valor indenizatório com base em precedentes que, segundo ele, envolviam circunstâncias semelhantes, como em casos de pornografia revenge. Em contraponto, o revisor, desembargador Donegá Morandini, argumentou que tais precedentes eram inaplicáveis ao caso em análise, devido à singularidade dos fatos. In verbis:
“No contexto dos fatos que ensejam apresente demanda, há três razões para a ampliação da reparação base, visto que ampliada a reprovabilidade da conduta em razão de a fotografia ter sido tirada quando a autora depositava a sua confiança no serviço contratado que se voltava ao exame diagnóstico, bem como pelo fato de a autora estar sedada no momento em que fotografada, e somente teve ciência da fotografia quando intimada para depor em inquérito policial que investigava crimes de pornografia infantil e estupro de vulnerável.
Nota-se que os fatos ensejaram repercussão na saúde mental da autora (fls. 327/328), o que evidencia o grande sofrimento a que foi exposta.
Além disso, necessário considerar que a requerida é pessoa jurídica e relevante é sua capacidade econômica, o que permite a majoração da indenização sob pena de banalização do instituto.
Assim, razoável a fixação em R$ 200.000,00, atualizados desde este julgamento e com juros de mora desde a citação.
Cumpre ressaltar que nesse aspecto, ou seja, montante da indenização por dano moral, prevaleceu a proposta formulada pelo eminente Desembargador Donegá Morandini, no sentido de uma menor redução do montante estabelecido em Primeira Instância, proposta essa que foi acompanhada pelo eminente Desembargador João Panize Neto, com a sugestão do valor ora estabelecido, e também por este relator que, a princípio, propunha redução um pouco maior, mas se convenceu dos argumentos apresentados.
O eminente Desembargador Donegá Morandini salientou a enorme gravidade do fato e a perplexidade gerada pela sua ocorrência, que destoam da maioria dos casos normalmente submetidos à apreciação deste Tribunal, justificando a condenação imposta.”[Nossos grifos]
A comparação com casos de pornografia revenge revela-se inadequada, pois aqui a violação foi perpetrada no âmbito de uma relação médico-paciente, em situação de absoluta vulnerabilidade e confiança. Esse elemento distintivo torna o caso inédito e exige uma abordagem jurídica diferenciada.
Outro ponto relevante foi a análise da relação de consumo entre a parte autora e o plano de saúde. O Tribunal reforçou que a responsabilidade objetiva decorre da confiança depositada pelo paciente no serviço contratado, sendo inadmissível que tal confiança seja violada por condutas ilícitas praticadas por prepostos.
Embora tenha reduzido o valor da indenização, o Tribunal reconheceu o caráter pedagógico da denúncia, buscando estimular condutas semelhantes no futuro. Essa abordagem é essencial em casos de alta repercussão, onde a função punitiva da indenização se alia a pedagógica.
Foi graças ao voto do revisor e à sustentação oral do advogado patrono que o valor indenizatório foi fixado em R$ 200.000,00, preservando os princípios de razoabilidade e proporcionalidade. A análise do acórdão revela uma decisão fundamentada e sensível à gravidade do caso, destacando a importância de proteger os direitos da personalidade. A redução do valor indenizatório foi justificada pelo Tribunal com base nos títulos bifásicos, mas não deixou de considerar a excepcionalidade da situação.
A importância da sustentação oral e da atuação do advogado patrono
A sustentação oral, no contexto do acórdão foi uma ferramenta essencial para reforçar os elementos de gravidade destacados na decisão e influenciar a manutenção de um valor mais elevado de independência. O trecho do acórdão destacado no tópico anterior revela uma percepção coletiva dos desembargadores sobre a excepcional gravidade dos fatos, a perplexidade causada pela conduta ilícita e os impactos profundos sobre a saúde mental da parte autora. Nesse cenário, a sustentação oral pode humanizar ainda mais o caso, detalhando como a confiança depositada pela parte autora no serviço foi gravemente ferida e como isso afetou sua dignidade e integridade psicofísica.
O advogado patrono desempenhou papel central na defesa dos interesses da autora. Durante a sustentação oral, enfatizou:
- A singularidade do caso, destacando que se tratava de uma violação inédita na corte bandeirante;
- O impacto psicológico e moral na vítima, agravado pelo contexto de extrema vulnerabilidade;
- A necessidade de uma indenização compatível com a gravidade da conduta e sua função preventiva.
Fredie Didier Jr.4 aponta que “a sustentação oral aproxima os magistrados do contexto humano do litígio, resgatando a essência dos fatos”. No caso em tela, o impacto da sustentação foi decisivo para sensibilizar os magistrados e influenciar o voto do revisor.
O advogado, escritor do presente artigo, em sua argumentação oral, teve a oportunidade de enfatizar a “reprovabilidade ampliada”, detalhando que a conduta ilícita ocorreu em um ambiente onde a parte autora deveria estar protegido e sob os cuidados de profissionais capacitados. Esse ponto é fundamental para destacar o caráter especialmente grave da situação, diferenciando-a de outros casos de dano moral. Além disso, a sustentação oral reforçou a ideia de que a descoberta da violação – ocorreu apenas após a parte autora ser intimada em um inquérito policial – amplificou o sofrimento desta e agravando ainda mais o dano psicológico.
Outro aspecto explorado é a “capacidade econômica da exigência”, conforme citado no trecho do acórdão. A sustentação oral permitiu ao advogado argumentar sobre a função pedagógica e punitiva da indenização, ressaltando que um valor elevado seria necessário não apenas para reparar a parte autora, mas também para estimular práticas semelhantes no futuro.
Além disso, a sustentação oral foi o momento ideal para apresentar de forma clara os impactos concretos sobre a saúde mental da parte autora, conforme mencionado nas fls. 327/328 do processo. O advogado conseguiu trazer pareceres médicos, prontuários psicológicos e psiquiátricos que demonstrassem o abalo emocional sofrido pela autora, reforçando que o sofrimento transcendeu o mero constrangimento e níveis elevados de angústia e perplexidade profundas. Essa abordagem humanizou ainda mais o caso, sensibilizando os nobres desembargadores para a gravidade da situação.
Por fim, a sustentação oral permitiu que o advogado dirigisse atenção especial ao ponto levantado pelo desembargador Donegá Morandini, que destacou a “enorme gravidade do fato” e sua excepcionalidade em relação aos casos normalmente julgados pelo Tribunal. Esse reconhecimento, articulado de forma persuasiva, reforçou a singularidade do caso, justificando uma especificação exemplar. Assim, a sustentação oral não foi apenas uma formalidade processual, mas uma oportunidade estratégica para moldar a percepção dos desembargadores e influenciar diretamente o resultado da decisão.
Etapas recursais e trânsito em julgado
1. A inadmissibilidade de recursos especiais no TJ/SP: Uma análise da decisão presidencial – O recurso especial e a decisão do presidente do TJSP
A decisão proferida pela presidência da seção de Direito Privado do TJSP em 11/10/23, que inadmitiu o recurso especial interposto pelo plano de saúde. Apresentaremos os fundamentos jurídicos invocados na decisão, bem como sobre a aplicação da súmula 7 do STJ e das regras de admissibilidade recursal nos termos do CPC. O objetivo é oferecer uma visão crítica sobre os critérios legais para a admissibilidade de recursos exclusivos, destacando os desafios enfrentados pelos recorrentes.
A decisão de inadmissibilidade foi fundamentada em dois aspectos principais:
Deficiência na fundamentação (Art. 105, III, “a”)
O plano de saúde recorrente alegou ofensa aos arts. 186, 927 e 944 do CC, bem como ao art. 14, §3º, II do CDC. No entanto, o acórdão ressaltou que:
- Não foi demonstrada a alegada violação de forma clara e detalhada.
- A simples menção aos dispositivos legais, sem a devida argumentação que conecta os fatos às normas, não satisfaz os requisitos de admissibilidade. Esse entendimento está consolidado no STJ, como exposto no AgRg no AREsp 601358/PE.
Vedação ao reexame de provas (súmula 7 do STJ)
A análise das razões recursais revelou que o plano de saúde recorrente buscava, essencialmente, o reexame de provas e situações fáticas já comprovadas nas instâncias inferiores. A súmula 7 impede o conhecimento de recursos que exigem revisão de fatos e provas, limitando-se o STJ à interpretação e aplicação da legislação Federal.
Ausência de similitude fática e divergência jurisprudencial (Art. 105, III, “c”)
A decisão indicada que não houve comprovação de dissídio jurisprudencial nos moldes exigidos pelo CPC (art. 1.029, §1º) e pelo regimento interno do STJ (arts. 255, §1º e §2º). A falta de semelhança fática entre os precedentes citados inviabilizou a configuração da divergência.
A decisão evidencia o rigor técnico exigido para a interposição de recursos exclusivos. Além de atender aos requisitos formais, é necessário que o recorrente traga sua tese com clareza, demonstrando a violação direta à legislação Federal ou a existência de divergência jurisprudencial, de modo a superar os filtros de admissibilidade. O que claramente não ocorreu, eis que como veremos totalmente desconexo os artigos indicados ou à similaridade dos casos.
2. Responsabilidade civil das operadoras de saúde por atos de seus prepostos – O agravo em recurso especial e o cotejo da ministra Maria Thereza de Assis Moura
O presente tópico aborda a controvérsia jurídica relativa à responsabilização civil das operadoras de saúde por atos ilícitos praticados por seus prepostos no exercício de suas atividades, com ênfase na decisão proferida pela ministra Maria Thereza de Assis Moura no agravo em recurso especial 2577351/SP. Esta decisão é paradigmática por reafirmar a aplicação da responsabilidade objetiva das operadoras, conforme disposto no art. 14 do CDC, e a responsabilidade solidária prevista nos arts. 932 e 933 do CC.
A decisão destaca que o ato ilícito praticado pelo médico, embora deplorável, não retira a responsabilidade da operadora de saúde, uma vez que o médico é considerado preposto, inserido na cadeia de consumo. A ministra foi categórica ao afirmar:
“No caso, contudo, não é possível cogitar da aplicação de tal excludente, haja vista que o médico, preposto da requerida que atuou na cadeia de consumo, não é terceiro em relação à ré. […] o médico é fornecedor assim como a requerida, motivo pelo qual deve-se compreender que há responsabilidade solidária conforme o artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor.”[Nossos grifos]
Adicionalmente, o julgado destacou a relevância de proteger o consumidor diante de falhas na prestação de serviços, considerando a responsabilidade objetiva e solidária nos termos do acórdão Bandeirante in verbis:
“A responsabilidade do plano de saúde resta configurada em razão da regra de responsabilidade objetiva contida no artigo 932, III e 933 do Código Civil, bem como devido à responsabilidade objetiva e solidária do fato do serviço previsto no artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor (fls.854-857).”
A operadora de saúde tentou argumentar que não poderia ser responsabilizada porque o ato do médico foi desvinculado das atividades normais para as quais foi contratado, citando o art. 14, § 3º, inciso II, do CDC. No entanto, o Tribunal Bandeirante refutou essa alegação, argumentando que a excludente de responsabilidade não se aplica ao caso, pois o médico agiu na condição de preposto. Aplicável, portanto, o óbice da súmula 284/STF, uma vez que as razões recursais delineadas no especial estão dissociadas dos fundamentos utilizados no aresto impugnado, eis que a recorrente não impugnou de forma específica, os seus fundamentos, o que atrai a aplicação, por conseguinte, do referido enunciado “É inadmissível o recurso extraordinário, quando a deficiência na sua fundamentação não permitir a exata compreensão da controvérsia”.
A ministra destaca que o entendimento da Corte Superior é na linha de que, não atacado o fundamento do aresto recorrido, evidente deficiência nas razões do apelo nobre, o que inviabiliza a sua análise por este sodalício, ante o óbice do enunciado 284 do STF.
A ministra reiterou a aplicação dos critérios de proporcionalidade e razoabilidade para confirmar a fixação do valor de R$ 200.000,00 como indenização por danos morais. A fundamentação da decisão baseou-se na súmula 7º do STJ, que limita a revisão das verbas indenizatórias apenas às hipóteses em que os valores estabelecidos nas instâncias inferiores sejam considerados irrisórios ou exorbitantes, circunstâncias que não se observem no caso em tela.
O julgado foi enfático ao aplicar os enunciados das súmulas 284/STF e 7/STJ. Primeiro, destacou que a recorrente não enfrentou adequadamente os fundamentos da decisão recorrida, atraindo o óbice da súmula 284/STF:
“É inadmissível o recurso extraordinário, quando a deficiência na sua fundamentação não permitir a exata compreensão da controvérsia.”
Segundo, a decisão ressaltou que o exame da matéria implicaria reanálise de fatos e provas, vedada em sede de recurso especial, conforme a súmula 7/STJ:
“A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial.”
Essa decisão é um marco na jurisprudência sobre a responsabilidade civil das operadoras de saúde, reforçando a proteção do consumidor em situações de violações graves de direitos fundamentais, como a intimidade e a dignidade. Ao reconhecer a responsabilidade solidária e objetiva das operadoras, o STJ consolida uma interpretação que não admite excludentes baseadas em atos praticados por prepostos, quando tais atos estão inseridos na cadeia de consumo.
3. A incidência da súmula 182 do STJ e o princípio da dialeticidade nos recursos especiais: Uma análise crítica do caso AgInt no AREsp 2577351/SP – O agravo interno e a consolidação do trânsito em julgado
Este tópico analisa a decisão proferida do agravo interno interposto no bojo da decisão do AREsp 2577351/SP, destacando os fundamentos jurídicos que levaram à aplicação da súmula 182 do STJ. Sob a relatoria do ministro Moura Ribeiro, a decisão examina a ausência de impugnação específica aos fundamentos da decisão agravada, à luz do princípio da dialeticidade e das limitações recursais no processo civil brasileiro. Nesse ponto aborda as implicações da deficiência de fundamentação recursal, a responsabilidade objetiva em relações de consumo e a aplicabilidade das súmulas 284 do STF e 7 do STJ, considerando o contexto normativo do CDC e do CC.
A litigância no âmbito do STJ é permeada por requisitos técnicos que visam garantir a racionalidade do processo recursal e a segurança jurídica. A aplicação da súmula 182 do STJ, que exige a impugnação específica dos fundamentos da decisão agravada, emerge como um filtro processual de extrema relevância. O caso analisado neste artigo exemplifica a aplicação rigorosa desse entendimento, ressaltando a importância do princípio da dialeticidade no Direito Processual Civil.
O caso concreto: No agravo interno interposto pela operadora de saúde a questão central residiu na alegada inexistência de fundamentação específica para refutar os fundamentos da decisão recorrida, que havia aplicado as súmulas 284 do STF e 7 do STJ. A recorrente argumentou pela exclusão de sua responsabilidade objetiva em face de suposto ato ilícito praticado por profissional médico, invocando excludentes previstas no art. 14, § 3º, do CDC.
Aplicação da súmula 182 do STJ: A decisão destacou a deficiência na fundamentação do agravo interno, enfatizando a ausência de impugnação específica, conforme exige o art. 1.021, § 1º, do CPC. Essa falha justificou a aplicação da súmula 182, que veda o conhecimento de recursos cujas razões não atacam de forma precisa os fundamentos da decisão agravada. Tal entendimento reforça a necessidade de clareza argumentativa e adesão ao princípio da dialeticidade.
O princípio da dialeticidade e seus reflexos: O princípio da dialeticidade exige que o recorrente apresente argumentos que efetivamente enfrentem os fundamentos do julgado recorrido, promovendo um debate técnico-jurídico substancial. A decisão em análise sublinha que alegações genéricas ou desconexas comprometem o dever de colaboração processual e a celeridade no julgamento.
Responsabilidade objetiva e solidária: A discussão sobre a responsabilidade objetiva da operadora de saúde ilustra a complexidade de casos envolvendo relações de consumo. A decisão reiterou a solidariedade entre fornecedores nos termos do art. 14 do CDC, afastando a tese de exclusão de responsabilidade com base em atos de terceiros, dada a relação direta entre o serviço prestado e o dano alegado.
O julgamento não conheceu do AgInt no AREsp 2577351/SP reafirmando a rigidez técnica necessária no processo recursal perante os tribunais superiores. A decisão evidencia a importância da impugnação específica e do princípio da dialeticidade como garantias de eficiência e racionalidade no sistema de justiça. Ademais, destaca que manutenção da decisão proferida é questão de ordem, eis que não existe motivos para sua alteração, já que o óbice pela projudicialidade e falta de demonstração do dissídio interpretativo e pela incidência das súmulas 284 do STF e 7 do STJ ao caso não foi afastado.
Impacto jurídico e consolidação do precedente
O caso em tela reafirma o compromisso do Poder Judiciário com a proteção da dignidade humana, criando um precedente inaugural indispensável para a justiça. A atuação solitária e estratégica do advogado, aliada ao suporte técnico-médico e ao voto do revisor, foi determinante para alcançar um resultado justo e exemplar.
O trânsito em julgado da decisão em análise representa uma consolidação jurisprudencial de extrema relevância, sobretudo no que diz respeito à proteção dos direitos da personalidade no ordenamento jurídico brasileiro. Tal desfecho reafirma princípios fundamentais que permeiam o equilíbrio das relações jurídicas, especialmente em contextos envolvendo a responsabilidade objetiva em relações de consumo. Essa abordagem jurídica transcende a aplicação meramente técnica das normas, posicionando-se como baluarte para garantir que os direitos individuais sejam efetivamente protegidos contra lesões graves e irreparáveis.
No âmbito das relações de consumo, a responsabilidade objetiva constitui uma ferramenta indispensável para assegurar a equidade e a confiança entre fornecedores e consumidores. O caso em questão evidencia que, diante de circunstâncias em que o consumidor é lesado por condutas ilícitas associadas à cadeia de fornecimento, a atribuição de responsabilidade ao fornecedor deve ser inequívoca. Tal entendimento não apenas reforça a solidariedade nas obrigações decorrentes de relações de consumo, mas também desestimula práticas negligentes e promove maior rigor nos processos de fiscalização e controle.
Ademais, a decisão sublinha a importância de uma valoração justa e proporcional dos danos morais em casos de extrema gravidade. Em situações em que a dignidade da pessoa é profundamente afetada, a reparação deve transcender o caráter meramente compensatório, assumindo uma função pedagógica e sancionatória. A correta quantificação dos danos morais não apenas repara o prejuízo sofrido pela vítima, mas também atua como mecanismo de prevenção, desencorajando condutas lesivas por parte dos fornecedores de bens e serviços.
O precedente consolidado reforça, ainda, a relevância de decisões judiciais que se alinhem aos valores constitucionais, especialmente no tocante à dignidade da pessoa humana. A jurisprudência aqui estabelecida aponta para um caminho de maior rigor na análise de casos similares, garantindo que os tribunais superiores permaneçam atentos à necessidade de tutelar os direitos da personalidade de forma ampla e efetiva. Esse compromisso com a justiça e a equidade é o que confere legitimidade e credibilidade ao sistema jurídico.
Por fim, a decisão reafirma o papel do Poder Judiciário como guardião dos direitos fundamentais e das normas protetivas do consumidor. A clareza e a firmeza com que os tribunais superiores têm abordado questões envolvendo responsabilidade objetiva em relações de consumo reforçam a confiança da sociedade na aplicação das leis. Dessa forma, o trânsito em julgado deste caso não apenas fortalece os direitos da personalidade, mas também contribui para a evolução contínua do direito do consumidor e da proteção individual no Brasil.
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1 Conceito, função e quantificação do dano moral. Revista IBERC, v.1 n. 1, 2019, p. 1.
2 O que correspondia na época da sentença em R$ 606.000,00 (Seiscentos e seis mil reais) em favor da autora.
3 REsp 1152541/RS, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 13/09/2011, DJe 21/09/2011.
4 DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. 20. ed. Salvador: JusPodivm, 2020.
Fonte: Migalhas
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