Um forte movimento vem sendo empreendido no meio jurídico para combater a praga das demandas predatórias, irmã maléfica das demandas frívolas e repetitivas. Aqui na revista eletrônica Consultor Jurídico, dois artigos recentes resumem bem a importância do tema e a necessidade urgente de buscar soluções adequadas.

Em 18 de junho passado, a ConJur anunciou que “Juízes sugerem proposta para enfrentar litigância predatória”, informando que a Corregedoria Geral da Justiça e a Escola Paulista de Magistratura promoveram curso sobre os poderes do juiz em face da litigância predatória, com votação de enunciados.

Em 31 de julho, Renato Luiz F. Dowxley de Morais e Eduardo Fiorucci Vieira, em “Litigância predatória e o fim da inocência”, sustentaram que “Ou a advocacia começa a discutir seriamente o combate a atuações predatórias, ou assume o risco de transformar o prestígio da classe em mera recordação.”.

Recentemente o CNJ aprovou por unanimidade, uma proposta de recomendação apresentada pelo presidente do órgão e do Supremo Tribunal Federal, ministro Roberto Barroso, e pelo corregedor nacional de justiça, ministro Mauro Campbell Marques, com parâmetros para identificação, tratamento e prevenção do fenômeno da litigância abusiva no Poder Judiciário.

Com cuidado e respeito apontamos dois pontos do nosso sistema judicial, que, parecendo avanço jurídico social, na verdade, têm sido a causa dominante desta distorção doentia: a assistência judiciária gratuita amplíssima; e pagamento automático da condenação judicial por intermédio do advogado.

Primeiro, a assistência judiciária gratuita. A Constituição garante o acesso ao Judiciário. A legislação, entretanto, alargou demasiadamente o princípio, sem colocar limites objetivos, concedendo, ao que declarar impossibilidade de pagar custas e advogado, o acesso ao Judiciário sem taxas e também isenção de pagar despesas do processo, mesmo quando a demanda for julgada improcedente.

Instaurou-se uma situação altamente permissiva de acesso ao Judiciário livre de despesas e saída também livre de despesas. O fundamental princípio da responsabilidade, inafastável para funcionamento de uma sociedade justa, está sendo descumprido.

Isso resultou em uma explosão de processos, aventuras irresponsáveis e demandas predatórias, na medida em que não há nenhum risco ou um mínimo de responsabilidade em caso de perder a demanda. O vencedor do processo, que teve elevada despesa para se defender, fica com prejuízo, caracterizando uma injustiça institucionalizada.

Esse critério, por demais amplo, precisa ser remodelado, permitindo a isenção de custas para o acesso, para iniciar e levar a julgamento, mas com a possibilidade de condenação em sucumbência ponderada quando a demanda for improcedente, resgatando a aplicação do inafastável princípio da responsabilidade.

A legislação já tem um bom sistema de proteção a todos os devedores (impenhorabilidade de salários, poupança popular, habitação, bem de família e instrumentos de trabalho), não havendo necessidade de isenção tão ampla e descompromissada com o princípio da responsabilidade.

Entrega do crédito ao advogado

Segundo, o pagamento automático do crédito judicial ao procurador do processo. Para ficar claro o objetivo respeitoso deste debate, é importante deixar registrado a indiscutível indispensabilidade dos advogados nas soluções dos conflitos sociais, especialmente nos casos levados ao Judiciário e o reconhecimento do trabalho que a categoria tem feito em prol do desenvolvimento da democracia, cidadania e defesa dos valores sociais e republicanos.

É oportuno também destacar a inexistência de qualquer intenção de restringir a atuação profissional desses valorosos profissionais, mas, sim, de apenas contribuir para o aprimoramento e eficiência dos serviços judiciais, como determina a Constituição.

O Estado, através do Judiciário, decide um processo e consegue receber o crédito reclamado pelo demandante. Por consequência, o Estado é o depositário dos valores apurados e tem obrigação constitucional de fazer o pagamento ao respectivo credor com eficiência, segurança, transparência e pelo caminho mais direto possível, inclusive sob pena de responder civilmente por adotar procedimento inadequado.

A pretensão de que todos os valores recebidos judicialmente sejam entregues automaticamente ao advogado do processo, muitos casos consistentes em milhões, coloca no procedimento um intermediário desnecessário, fragilizando o controle e fiscalização do ato de pagamento ao credor, além de possíveis implicações de ordem tributária.

O pagamento deve ser feito ao titular do crédito, preferencialmente por transferência bancária para conta do credor, cortando na raiz a possibilidade de demandas sem conhecimento do demandante. Em caso de necessária representação, a exigência de procuração recente, específica para levantamento de valores, dirigida ao banco, com o número da conta ou valor do crédito e assinatura reconhecida, conforme o costume bancário, conscientiza o outorgante, titular do crédito, fortalece o ato de pagamento e diminui espaços para desacertos.

Não há nenhum desprestígio para o advogado quando a parte recebe diretamente seu crédito judicial. O advogado já cumpriu a sua importante função, ganhando a causa e colocando o valor à disposição de seu cliente, em banco oficial, sob controle do Poder Judiciário. Não há risco de prejuízo para o advogado, pois, querendo, pode pedir a separação de seus honorários, conforme dispõe o Estatuto da OAB.

Reis Friede, respeitado jurista, tem ponderado: “Convenhamos. Após a liberação do numerário, o magistrado pouco pode fazer para proteger o jurisdicionado. Eventual comunicação ao órgão de classe (OAB), intimação do causídico, ou mesmo ofício ao Ministério Público para apuração quanto à suposta apropriação indébita, são medidas que, infelizmente, não se mostram céleres, e, por conta disso, podem restar ineficazes ao final, considerando a alta burocracia e o formalismo necessário para efetivá-las”.

Os operadores do Direito têm obrigação de construir um procedimento seguro e transparente para esses pagamentos, milhões de casos, grande parte de valores de elevada monta, que diariamente ocorrem pelos fóruns judiciais do Brasil. O Judiciário não pode transferir a realização desse importante ato da Justiça. A advocacia ganhará ainda mais respeito e legitimidade defendendo procedimento que homenageia a transparência e a justiça.

A remodelação desses dois pontos, conforme acima, certamente vai ser uma virada histórica, garantidora de eficiência e transparência em benefício dos jurisdicionados, colocando fim na crescente praga das demandas predatórias e suas congêneres desnaturadas.

Fonte: Conjur

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