Fraudes exploram a publicidade dos processos judiciais. É hora de repensar sigilo e proteção de dados para advogados e jurisdicionados.

Semana passada alguém se fez passar por mim e, por WhatsApp, entro em contato com profissional de seguradora que costumo defender para dialogar sobre um importante caso.

O profissional inteligentemente desconfiou e não levou adiante.

Evidentemente que agora há procedimento interno e a envolver o escritório para se entender a causa fundamental do incidente.

Por mais que a tentativa fraudulenta tenha sido descoberta em tempo hábil e esteja escancarada, interessa tanto ao escritório como à seguradora apuração horizontal para se ter certeza de que os sistemas de proteção de dados são eficazes.

Estou convicto de que as informações foram obtidas pelos criminosos diretamente no portal da Justiça. Não por falha dela ou eventual inidoneidade de algum servidor, mas em decorrência de algo bom, constitucional e democrático: o princípio da publicidade.

Por meio desse princípio, qualquer pessoa tem amplo acesso aos processos judiciais que não são por lei chancelados pelo sigilo.

De posse de dados e os nomes dos advogados postulantes, criminosos podem engendrar e praticar fraudes.

Esse é um novo desafio a ser cuidadosamente operado por juízes, advogados e jurisdicionados: como respeitar o princípio da publicidade da era digital?

Sabemos todos – e prezados isso – que a regra é a publicidade e o sigilo a execeção, mas será que um e outro não merecem reavaliações jurídico-ontológicas relativamente urgente?

Aos colegas que advogam para pessoas naturais, a justa preocupação com suas intimidades. O fato de um litígio não conter algo especialmente grave não significa subvalorização das compreensíveis sensibilidades.

E aos que advogam para pessoas jurídicas, o cuidado com os negócios que a informam. Vejam o meu caso: quando postulo em defesa de seguradora, tenho no processo, direta ou indiretamente envolvidos, além dela própria, um ou mais transportadores, um terminal, um ou mais segurados, vendedor e comprador, a Receita, corretor de seguros e eventualmente outras personagens. Há um emaranhado de negócios, documentos, não pouco de caráter estratégico empresarialmente.

Muita coisa importante em jogo para ser refém de criminosos que se valem de norma fundamental para a saúde social com objetivo ilícito.

Certa vez um colega adversário requereu segredo de justiça em um caso nosso. Ele queria proteger cláusulas de instrumento internacional. Achei exagero dele. Hoje, depois dessa irritante experiência, não mais. Ele estava certo.

Neste momento avalio a possibilidade de requerer mais vezes o selo de segredo de justiça nos litígios em que atuar. Uma forma a mais de minimizar riscos. De modo algum desejo esvaziar o princípio da publicidade; apenas quero oferecer uma camada a mais de proteção a quem defendo.

Rogo humildemente à OAB que dialogue com a Justiça a respeito disso.

Fonte: Migalhas

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