Chegado o final do ano, tradicionalmente ocorre o Congresso do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet), ocasião em que é possível constatar, a partir das múltiplas palestras condensadas em três dias de evento, quais foram os temas tributários relevantes do ano (no caso, de 2024) e, especialmente, a partir deles projetar as tendências com que o intérprete do Direito Tributário (autêntico ou não) poderá se deparar em 2025.
Após assistir a quase trinta palestras, a respeito dos mais variados temas e pontos de vista sobre os assuntos tributários, permeados pela Filosofia do Direito e Teoria Geral do Direito, apontamos quatro tendências que parece recomendável sejam tomadas com mais vagar pelos operadores do direito tributário para o próximo ano.
A primeira delas se refere à escolha do modelo de interpretação dos textos da Emenda Constitucional 132/2023 e das futuras leis regulamentadoras, o que depende, preliminarmente, de um registro histórico sobre a evolução da ciência do direito tributário no Brasil.
A sistematização do direito tributário brasileiro se deu com a edição do Código Tributário Nacional de 1966, publicado em um ambiente anterior à (re)democratização do país, que ocorreu com a Constituição de 1988. Àquela época, havia um aporte significativo da doutrina estrangeira para se compreender a norma jurídica tributária, o que turvava, entre nós, o conhecimento sobre como concebê-la, sistematizá-la e interpretá-la.
Eis porque os juristas pátrios tiveram o mérito de construir a ciência tributária brasileira, que assumia contornos próprios e não importados de teorias alienígenas, no contexto de um regime ditatorial. Se apoiaram, pois, nos princípios disponíveis à época, entre eles o republicano e o federativo, e defendiam a delimitação rígida da partilha das competências tributárias, isto é, a cada ente tributante caberia uma parcela específica e bem circunscrita do poder de tributar os fatos da vida real.
Foi nesse momento embrionário (em termos históricos) da ciência tributária no Brasil que sobreveio a Constituição Federal de 1988, trazendo o rol de direitos e garantias individuais, os quais careciam de densidade normativa, mediante a edição de regras infraconstitucionais pelo Poder Legislativo e de decisões pelo Poder Judiciário.
A partir de 1988 ganharam força os conflitos entre contribuintes e Fisco, gerando a judicialização maciça corporificada nas teses tributárias, muitas delas pautadas na inconstitucionalidade formal das regras-matrizes de incidência, discussões estas que tiveram seu desfecho no Supremo Tribunal Federal em 1992. O fundamento último das teses se apoiava nos contornos rígidos da divisão das competências tributárias.
Alguns acórdãos da corte acolheram o ponto de vista do contribuinte, aderindo ao conceitualismo do poder de tributar dos entes políticos, isto é, admitiram que a Constituição já traz a definição do conceito de “faturamento”, “folha de salários”, “renda”, “lucro”, não havendo qualquer margem para o legislador infraconstitucional dispor sobre as notas conceituais fechadas no Texto de 1988.
Cite-se como exemplo o julgamento do Recurso Extraordinário 166.772, em 1994, pelo Supremo Tribunal Federal, concernente à incidência da contribuição previdenciária sobre a folha de salários, em que o ministro relator Marco Aurélio afirmou lançar “crença na premissa de que o conteúdo político de uma Constituição não pode levar quer ao desprezo do sentido vernacular das palavras utilizadas pelo legislador constituinte, quer ao técnico, considerados institutos consagrados pelo Direito”, denotando que ao partilhar as competências tributárias, o próprio texto definiu os conceitos por ele fixados.
Por outro lado, em 2016, foi decidido o Tema 581 pela corte, no que tange à exigência do ISS em relação às atividades exercidas pelas operadoras de planos de saúde, em que foi acolhida a abordagem interpretativa ampla (que alguns doutrinadores identificam como tipológica), levando em consideração a complexidade e a mutabilidade da vida real, que não comporta conceitos fechados dependentes da perfeita subsunção da norma jurídica ao fato.
A nosso ver, não se trata de um acórdão isolado localizado fora de uma linha reta, tido como algo errante e que deva ser desconsiderado do todo, mas de um continuum evolutivo experimentado pela Suprema Corte acerca da hermenêutica constitucional tributária, levando em consideração o dado da experiência.
Diante disso, parece que o conceitualismo não se encaixa mais como modelo que melhor atende à exegese da Constituição e das leis.
Cotejando as decisões da Corte Suprema em matéria tributária que, partindo de uma perspectiva nominalista e passando pela decisão mais ampla em termos interpretativos (Tema 581 antes referido), é palatável questionar como deverão ser interpretadas as eventuais sobreposições de incidência a serem trazidas com a Emenda Constitucional 132/2023.
A evolução acima descrita pode ancorar a decisão sobre quais bases teóricas adotaremos para analisar os textos da reforma tributária. Se aquela que prega o conceitualismo ou, diferentemente, a tipológica ou, o que seria ainda mais produtivo para dar conta da atual realidade desafiadora, uma terceira via que combine aspectos de uma ou outra, para sairmos da dualidade teórica que parece não resolver os problemas da realidade tributária.
Em resumo, o ponto de partida para se compreender o Direito Tributário (inclusive a Emenda Constitucional 132/2023 e futuros atos normativos) deverá ser conscientemente escolhido e cuja tendência revela a aproximação ao modelo mais amplo tipológico ou, até mesmo, seria factível imaginar um terceiro caminho a ser pavimentado, ajustável à realidade. Em razão disso, devemos saber que a opção metodológica a ser assumida pelo intérprete impactará a aceitação (ou não) de eventual sobreposição do IBS e da CBS com outros impostos discriminados de modo exclusivo na Constituição.
A segunda tendência refere-se ao movimento, identificado nas palestras de ministros das Cortes Supremas naquele XXI Congresso do Ibet, quanto à ampliação da consensualidade no âmbito dos tribunais superiores, algo que os intérpretes deveriam acompanhar para avaliar como se dará o desenvolvimento deste tema. Podemos afirmar que essa nova possibilidade de realização de acordos nos recursos extraordinários e especiais ou até em ações de controle concentrado guarda relação com a primeira tendência acima apontada (de amplitude exegética), porque ambas são derivadas da complexidade da vida social espelhada na atuação das Cortes Supremas. De fato, estamos diante de múltiplas forças atuando para gerar um contexto ainda mais heterogêneo que o contribuinte terá que lidar.
Já a terceira, integrada àquelas duas, diz respeito à teoria dos precedentes, em que o operador do direito tributário não poderá perder de vista o entendimento de como ela (teoria) funciona. A partir do julgamento dos Temas 881 e 885 houve a confirmação daquilo que se desenhou normativamente, ou seja, precedente é fonte do direito e adscreve sentido aos textos constitucionais e legais. Conceitos como razões de decidir (ratio decidendi), vinculação, superação, distinção, formação e técnica de julgamento devem ser cuidadosamente compreendidos, até para saber se e quais precedentes já exarados pelas Cortes Supremas podem ser aproveitados na interpretação das regras postas pela reforma tributária.
Portanto, a tendência é a necessidade cada vez maior de nos apropriarmos sobre como os precedentes operam, especialmente mediante a sistematização daqueles já produzidos em matéria tributária, de modo a avaliar a conexão (ou não) com a Emenda Constitucional 132/2024.
Por fim, a quarta tendência decorre da tecnologia, especialmente da inteligência artificial “invisível”, que está em toda parte, mas pode passar despercebida. A IA “invisível” encontra-se presente na Emenda Constitucional 132/2023 e nos textos projetados (split payment, declarações pré-preenchidas, etc.); nos julgamentos virtuais realizados pelas Cortes Superiores; nas redistribuições de processos para o ambiente 100% digital com o avanço da implementação da Justiça 4.0; nas plataformas utilizadas pelo Supremo Tribunal Federal (Victor, RAFA e VictorIA), pelo Superior Tribunal de Justiça (Athos e Sócrates) e pelo Carf (IARA); na multiplicidade de atos normativos que regulamentam o ambiente digital expedidos pelas Cortes e pelo Conselho Nacional de Justiça.
Para esse aspecto, a tendência é o (re)dimensionamento da importância da efetiva aplicação dos princípios do contraditório, ampla defesa e devido processo legal e suas derivações para o ambiente tecnológico, de modo a garantir o manejo de manifestações/recursos por parte do contribuinte e, especialmente, assegurando que ele seja atendido com respostas satisfatórias no tempo exíguo que a tecnologia permite.
Como se percebe, as quatro tendências estão hiperconectadas, seja quando apontam para o modelo teórico mais amplo de interpretação do direito tributário, para dar conta da evolução com que as cortes supremas têm se movimentado, seja para investigar de modo mais detido a teoria dos precedentes e sua implicação com o novo ambiente reformador, porque a tecnologia é uma espécie de “bolha” que cobre as relações jurídico-tributárias, o que demanda a efetiva aplicação de princípios que garantam a intervenção eficaz do contribuinte nos atos jurídicos digitais.
Fonte: Conjur
Deixe um comentário