Se tudo correr conforme o previsto, o Parlamento português aprovará em sua última sessão da legislatura o fim da discriminação de gênero para poder se casar novamente. Desde 1966, o Código Civil fazia uma distinção quanto ao prazo para uma nova união após o divórcio. O homem tinha que esperar 180 dias, e a mulher, 300. A diferença era justificada pela presunção de paternidade – conceito jurídico que atribui automaticamente ao marido a paternidade do bebê. De fato, a mulher podia se casar no mesmo prazo que o homem caso apresentasse um atestado médico de que não estava grávida. Em um parecer enviado ao Parlamento, a ex-procuradora-geral Joana Marques Vidal (durante a longa tramitação parlamentar houve substituição no cargo) lembrou que “atualmente existem mecanismos médicos legais que permitem a atribuição rigorosa da paternidade”. Para a jurista, “o prazo internupcial é discriminatório e como tal injustificado e inadmissível”.
 
Há dois anos, o Partido Socialista e o Bloco da Esquerda tentavam modificar a lei, mas o Partido Comunista (PCP), fundamental para a aprovação da reforma, não aderia. Também se opunham os grupos de centro-direita, Partido Social Democrata (PSD) e do CDS-Partido Popular. Finalmente, chegou-se a um consenso com PC e o PSD, e na última sessão plenária desta legislatura, no dia 19, a discriminação contra a mulher nessa questão terá fim.
 
Para que todos os partidos – exceto o CDS – aderissem ao consenso, os prazos simplesmente foram eliminados. Ambos os membros do matrimônio desfeito poderão se casar novamente assim que assinarem os papéis do divórcio. É a solução inicial que havia oferecido o único deputado do PAN (Pessoas-Animais-Natureza), porque o Bloco de Esquerda propunha igualar o prazo em 180 dias, enquanto o PS o igualava em 30.
 
Por exigência do PCP, e contrariando o parecer da ex-procuradora Vidal, se manteve no texto a presunção de paternidade, o que permitiu ampliar o consenso em torno da reforma do Código Civil, que pode entrar em vigor já em setembro.