No dia 31 de agosto, o Colégio Notarial do Brasil – Seção São Paulo (CNB/SP) realizou no Fórum de Itapira (SP) o curso “Testamentos Públicos e o Atendimento aos Cidadãos LGBTQI+ nos Cartórios”. O treinamento, que teve como pilar o respeito à dignidade da pessoa humana, com o respaldo da legislação e da teoria, foi conduzido pela 28ª Tabeliã de Notas de São Paulo, Carla Watanabe, e reuniu mais de 50 pessoas de diferentes cidades da região.
Testamentos Públicos
Na parte da manhã, a notária discorreu detalhadamente o tema “Testamentos Públicos”, abordando visão histórica, características essenciais, procedimentos especiais e cautelas que devem ser adotadas para a sua confecção. Ao abrir sua exposição com sucessão legítima, pontuou a RE 646.721/RS e a RE 878.694/MG, que tratam como inconstitucional a diferenciação dos regimes sucessórios do casamento e da união estável (hetero e homoafetiva). “O companheiro é sim herdeiro necessário, como indicou o STJ. Na minha opinião, afastou uma das maiores iniquidades que havia no Código Civil”, defendeu. “Não havia porque diferenciar a sucessão do companheiro da sucessão do cônjuge uma vez que o Código Civil contava com duas leis que garantiam a igualdade dos regimes jurídicos do companheiro e do cônjuge”.
Em seguida, conceituou o que é testamento público de acordo com o jurista romano Ulpiano: “Testamento é o testemunho livre de nossa mente, realizado de forma solene, para que valha após nossa morte”. De acordo com Carla Watanabe, as características essenciais que compõem o testamento público são: documento unilateral, personalíssimo, revogável, gratuito e solene. “O testamento é um ato solene e o descumprimento de qualquer uma de suas solenidades o invalida”, ressaltou.
A tabeliã ainda categorizou os tipos de testamento como ordinários (público, cerrado e particular) e especiais (marítimo, aeronáutico e militar), discorreu sobre a capacidade testamentária ativa e passiva, teceu comentários gerais sobre testamento do cego, do surdo, do mudo, do analfabeto, testamento conjuntivo, revogação e rompimento do testamento, Registro Central de Testamentos e emissão de certidões; além de abordar toda a parte prática da lavratura de um testamento público.
Direito LGBTQI+
À tarde, o tema foi o atendimento aos cidadãos LGBTQI+ nas serventias, oportunidade na qual foi realizado um panorama histórico, sociológico e jurisprudencial sobre essa população. Carla Watanabe examinou as recentes decisões do STF sobre o assunto e suas implicações no extrajudicial com o objetivo de garantir segurança teórica e prática para que a vontade do testador não seja invalidada posteriormente; além de formar funcionários conscientes para atender cidadãos.
Na oportunidade, a tabeliã assegurou que, acima de tudo, é necessário entender bem o conceito de dignidade. Segundo o filósofo alemão Immanue Kant, “no reino dos fins, tudo tem ou um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem preço, pode ser substituída por algo equivalente; por outro lado, a coisa que se acha acima de todo preço, e por isso não admite qualquer equivalência, compreende uma dignidade”.
Segundo ela, dignidade é algo próprio do ser humano e isso é um princípio constitucional fundamental, um valor absoluto. “A dignidade da pessoa humana nem é um direito, é um princípio”, assegurou. Para ilustrar o tema, citou a ADPF 132/RJ, a ADI 4.277/DF, a interpretação da união homoafetiva conforme a CF do Art. 1.723 do CC, a Resolução CNJ 175/2013; além de analisar seus efeitos diretos no Direito de Família e Direito das Sucessões.
Carla Watanabe também explicou a diferença entre sexo, gênero e identidade de gênero. “Sexo é morfológico, gênero é a forma de expressão na sociedade e identidade de gênero (o que está no Provimento 73) é como a pessoa se vê”, resumiu. Depois, discorreu sobre a possibilidade de alteração do nome social no registro civil, “momento em que os transgêneros conseguiram finalmente conviver em paz com o seu nome”, disse. “Já pararam para pensar quando um nome se torna algo negativo para uma pessoa? Mais especificamente, na questão dos transexuais, isso é um problema constante”.
Por fim, ela expôs a ADI 4.275 e a despatologização das identidades trans com a dispensa de laudos: psiquiátrico, endocrinológico, psicológico, psicossocial, além da dispensa de cirurgia de readequação genital. “Eu considero de estrema valia trazer esse tema para o interior. Em uma cidade como Itapira, poderíamos pensar que as pessoas não estariam tão abertas a discutir diversidade, mas eu fiquei pasma com a quantidade de pessoas presentes aqui”, afirmou. “As pessoas estiveram dspostas a debater um assunto e compreender mensagens que acredito serem importantes não apenas para o cartório, mas sim para as suas próprias vidas. Eu fiquei bastante feliz”.
Clique aqui para ter acesso às apresentações da palestra “Testamentos Públicos e o Atendimento aos Cidadãos LGBTQI+ nos Cartórios”:
PARTE 1 – Testamentos Públicos
PARTE 2 – Atendimento aos Cidadãos LGBTQI+ nos Cartórios
**A professora Carla Watanabe é bacharel em Engenharia de Mecânica-Aeronáutica pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), onde recebeu o Prêmio Metal Leve – Turma 91 por ter sido a melhor aluna do curso. Além disso, é graduada em Direito pela Universidade de Brasília (UnB). Foi cadete-aviador da Aeronáutica, engenheira, servidora pública concursada no Tribunal de Contas da União e na Câmara dos Deputados, e, após aprovação em concurso público, se tornou a titular do Registro de Títulos e Documentos de Ribeirão Preto. Atualmente, é titular concursada do 28° Tabelião de Notas da Capital e faz parte da diretoria do CNB/SP desde 2008. Também foi membro das comissões examinadoras dos 7° e 8º concursos de Outorga de Delegações de Notas e Registro do Estado de São Paulo.