Imagine um casal de namorados que resolvam ir morar juntos, mas não desejam que aquela relação se torne uma união estável. O que poderiam fazer?
Cada vez mais casais de namorados têm se preocupado com os efeitos que o reconhecimento de uma união estável poderia trazer para aquele relacionamento. Essa crescente preocupação veio, em grande parte, após a edição da Lei nº 9.278/96 que afastou o antigo prazo mínimo de cinco anos de convivência que constava na Lei nº 8.971/94.
Além disso, a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 226, §3º, nada dispôs em relação ao prazo mínimo para a configuração da união estável. O Código Civil de 2002, da mesma forma, não trouxe qualquer inovação relevante, mas manteve a mesma sistemática da Lei nº 9.278/96 ao dispor no artigo 1.723 que “É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura, com o objetivo de constituição de família”.
Dessa forma, percebe-se que um simples namoro poderá rapidamente se tornar uma união estável, independentemente do casal estar junto há anos, meses ou até mesmo semanas. Ficou, portanto, a critério do Judiciário a análise da situação de fato e documental para declarar que aquela relação é pública, contínua e duradoura, e tem o objetivo de constituir uma família, ou seja, uma união estável.
O reconhecimento de uma união estável pode trazer vários efeitos indesejados para o casal, principalmente patrimoniais, como o direto de repartir todos os bens adquiridos durante a convivência, direito a alimentos (no caso de dissolução da união), e o direito à herança no caso de falecimento do companheiro, recentemente equiparado ao casamento pelo Supremo Tribunal Federal (RE 878694 – MG).
Com receio dos efeitos mencionados, alguns casais de namorados têm buscado os Cartórios de Notas para lavrar uma espécie de documento (chamado de Escritura Pública de Contrato de Namoro), onde declaram de livre e espontânea vontade que aquela relação é um mero namoro, e que não desejam que seja reconhecida como uma união estável.
Mas muito se discute na doutrina e na jurisprudência sobre a validade deste instrumento, pois as regras que tratam da união estável são consideradas normas de ordem pública, ou seja, inafastáveis pela simples vontade das partes. Então qual seria a utilidade deste Contrato de Namoro?
O eminente professor e notário, Zeno Veloso, entende que o Contrato de Namoro poderá prevenir graves discussões patrimoniais:
Diante disso, pela insegurança que envolve o assunto, para evitar riscos e prejuízos que podem advir de uma ação com pedidos de ordem patrimonial, alegando-se a existência de uma união estável, com o rol imenso de efeitos patrimoniais que enseja, quando, de fato e realmente, só havia namoro, sem maior comprometimento, algumas pessoas combinam e celebram o que se tem denominado contrato de namoro. Já se vê que não é acordo de vontades que tem por objeto determinar, singelamente, a existência de um namoro, que, se assim fosse, nem contrato, tecnicamente, seria. Mas, deixando de lado a questão terminológica e indo direto ao ponto, tal avença, substancialmente, é uma declaração bilateral em que pessoas maiores, capazes, de boa-fé, com liberdade, sem pressões, coações ou induzimento, confessam que estão envolvidas num relacionamento amoroso, que se esgota nisso mesmo, sem nenhuma intenção de constituir família, sem o objetivo de estabelecer uma comunhão de vida, sem a finalidade de criar uma entidade familiar, e esse namoro, por si só, não tem qualquer efeito de ordem patrimonial, ou conteúdo econômico. [1] (grifos nossos)
Nesse sentido, a renomada advogada Regina Beatriz Tavares da Silva também defende o que ela chama de “declaração de namoro”, mas alerta que tal declaração deve retratar a realidade, não podendo ser um instrumento para encobrir uma união estável:
Há quem diga que a celebração do equivocadamente chamado “contrato de namoro” configura ato ilícito. Porém, quem faz esse tipo de afirmação esquece de que a declaração de namoro serve para provar o que efetivamente existe, ou seja, relação de afeto sem consequências jurídicas. Essa declaração somente pode ser tida como ilícita se falsear a verdadeira relação que existe entre aquelas duas pessoas, ou seja, declararem que há namoro quando, na verdade, o que existe é união estável. [2]
Apesar de poucas decisões judiciais ainda sobre o assunto, finalizamos este breve artigo mencionando um relevante precedente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que, ao afastar a pretensão de reconhecimento de uma união estável, considerou como uma das provas a existência de um contrato de namoro firmado entre o casal:
“Verifica-se que os litigantes convencionaram um verdadeiro contrato de namoro, celebrado em janeiro de 2005, cujo objeto e cláusulas não revelam ânimo de constituir família”(gn). (TJSP – Apelação n. 9103963-90.2008.8.26.0000. 9ª Câmara de Direito Privado. Relator: Grava Brazil. Data de julgamento: 12/08/2008).
Conclui-se, portanto, que o contrato de namoro não tem o condão, por si só, de afastar os efeitos da união estável, mas é perfeitamente lícito e tem sido considerada uma importante prova para atestar que o relacionamento se trata apenas de um namoro, sendo que a sua formalização perante um Cartório de Notas dará mais credibilidade e segurança, pois o tabelião de notas tem a fé pública para confirmar a livre e certa manifestação da vontade das partes que o procuram.
*Isaque Soares Ribeiro é assistente jurídico do CNB/SP. Advogado, é bacharel em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie
[1] VELOSO, Zeno. É Namoro ou União Estável. 2016. Disponível em: <http://www.ibdfam.org.br/noticias/6060/%C3%89+Namoro+ou+Uni%C3%A3o+Est%C3%A1vel%3F>.Acesso em: 29 mai. 2017.
[2] SILVA, Regina Beatriz Tavares da. Contrato de namoro. 2016. Disponível em: <http://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/contrato-de-namoro/>. Acesso em: 29 mai. 2016.