A maioria das pessoas já ouviu falar em testamento, muitas até já o providenciaram. Inclusive, nós aqui do Sempre Família já apresentamos uma série especial para auxiliá-lo no momento de redigir este documento.
 
Resumidamente, o testamento tem como objetivo determinar em vida o que será feito com os bens materiais após o falecimento, excluindo últimas diretivas de vontade quando o titular se encontra incapaz de manifestá-la. Isso, inclusive sobre a forma de seu sepultamento, já que o documento testamentário será aberto apenas quando o processo de luto já estiver decorrido.
 
Feito e usado em vida, o testamento vital, conhecido também como diretivas antecipadas de vontade, é um documento que garante a forma de que o paciente será tratado diante de uma doença que o impossibilite de manifestar plenamente sua vontade e até mesmo a forma de ser sepultado ou cremado, explica Ivone Zeger, especialista em direito de família e sucessões, autora de obras como Família: Perguntas e Respostas e Herança Perguntas e Respostas.
 
Para garantir que os últimos dias sejam vividos com dignidade e consonância com as crenças que pratica, a pessoa pode redigir um documento que vai determinar quais são os procedimentos que aceita, desde que previstos em lei, em caso de uma doença grave ou terminal, enquanto estiver incapacitada de agir.
 
“Muitas vezes, por questões pessoais, religiosas ou principiológicas, as pessoas temem que lhes sejam aplicados métodos sistemáticos que, em uma situação de morte inevitável, lhes prolongue a vida causando-lhes sofrimento sem que haja qualquer expetativa de cura. Ou seja, a pessoa quer ter uma morte digna, respeitado o seu ponto de vista e as implicações legais e éticas atinentes aos envolvidos”, esclarece Adenilda Costa, advogada especialista em direito de família, sucessões, civil e administrativo, sócia fundadora da Schmidt & Costa Advogados Associados.
 
O documento será elaborado de acordo com os desejos declarados no que atine, por exemplo, aos tratamentos que não gostaria de receber – desde que não implique em eutanásia, visto que proibida no Brasil – se permite ou não a doação de órgãos, as visitas que não quer receber, os cuidados pessoais e aspectos religiosos, como orações e visitas.
 
Ivone esclarece a diferença da eutanásia para a ortotanásia, nome dado a permissão da morte por meio do processo natural do corpo humano, permitida pelo ordenamento brasileiro, na qual os médicos, ao terem a certeza do quadro irreversível do paciente, não postergam seu falecimento por maneiras artificiais, podendo ser prevista na diretiva de última vontade.
 
Embora seja válido apenas nas doenças irreversíveis, progressivas e em situações de incapacidade da pessoa, Ivone esclarece que para redigi-lo não há qualquer requisito a ser cumprido pelo testador. “O declarante deve ter todas as suas faculdades mentais em ordem, independente da sua idade, desde que a partir dos dezoito anos, não sendo necessária a pré-existência de qualquer doença”.
 
Garantia de cumprimento
 
Um testamento vital, segundo Ivone, não pode ser anulado por nenhum familiar ou terceiro. Apenas, se comprovado por meio de processo judicial, que o declarante não gozava de sua capacidade quando redigido o documento. A garantia de cumprimento se dará pelo procurador, que é a pessoa de confiança que foi escolhida pelo próprio declarante, desde que não tenha nenhum interesse no seu cumprimento ou não.
 
No momento da enfermidade, muitas pessoas desejam ajudar de alguma maneira e querem dar continuidade aos cuidados com o enfermo. Só que podem pensar de modo distinto deixando de cumprir com suas vontades. Assim, com a escolha do procurador se estabelece quem será o executor de suas decisões, determinando que apenas ele dê o cumprimento no seu tratamento e outras vontades a serem realizadas.
 
“Quando você determina a pessoa que executará o testamento somente ela terá o direito e dever de cumprir sua vontade. As outras pessoas, mesmo com boa vontade, não terão essa possibilidade porque o documento determina aquilo que você deseja”, acrescenta Ivone.
 
Além disso, a advogada alerta que o testador deve escolher um procurador que, além de ser de confiança, demonstre que cumprirá com a determinação das suas vontades dispostas no testamento. Adenilda alerta que, embora a resolução 1995/2012 possibilite ao paciente registrar seu testamento na ficha médica ou no prontuário, não implica na obrigatoriedade de seu cumprimento pelos médicos. Isso porque, existem questões atinentes à ética médica que precisam ser respeitadas quando da confecção do documento.
 
Contudo, caso haja negativa de descumprimento por parte dos médicos ou por familiares e afins, o judiciário poderá ser acionado. Por isso a importância do assessoramento por médico e profissional do direito, que diminuem a possibilidade do documento incorrer em determinações que sejam contra o ordenamento jurídico brasileiro, bem como à ética medica.
 
Além do mais, Ivone explica que para o testamento vital ser cumprido em outro país, após verificar se há permissão legal, o declarante deve registrar o documento no cartório do país de sua residência, seja definitiva ou momentânea. Afinal, os documentos redigidos em cartório ou de forma particular no Brasil não tem validade em outros países.
 
Considerando que a legislação brasileira não prevê esta espécie de testamento, aquele que deseja fazê-lo está amparado pela Constituição Federal, por meio dos princípios da dignidade da pessoa humana, direito a vida e autonomia da pessoa, explica Adenilda.
 
O primeiro passo, por tratar-se de uma forma de testamento bem específica, é procurar a assessoria jurídica de um especialista em direito de família e sucessões. Este profissional estará acostumado a redigir tal documentação e irá observar uma série de considerações que poderão ser ignoradas involuntariamente por um leigo, como também evitará problemas futuros e até mesmo a intervenção de terceiros que poderão contestar as vontades ali postas.
 
Escolhido um procurador, Ivone orienta que haja uma conversa com o advogado e médico de confiança. O objetivo é alinhar as diretivas de vontade do autor e garantir a execução do testamento vital, sendo imprescindível que ele aceite cumprir as decisões dispostas no documento.
 
Neste sentido, afirma Adenilda, “é fundamental o aconselhamento com um médico de confiança e um advogado, pois o documento a ser elaborado deve estar em consonância com as disposições da Constituição Federal, Código Civil e demais portarias e resoluções, editadas pelo Conselho Federal de Medicina, aplicáveis à elaboração do testamento vital”.
 
Para evitar lacunas e garantir que todos os quesitos sejam realizados, Ivone orienta que o advogado redija o testamento vital junto com o tabelião, no cartório de notas, na presença do declarante, se possível acompanhado do médico de confiança e do procurador que executará o documento.