Foi amplamente divulgada nas mídias sociais a notícia de que, no início deste ano, o Supremo Tribunal Federal proferiu importante decisão tributária envolvendo o ITCMD (imposto sobre a transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos) nas transmissões por doação ou herança com relevante elemento de conexão no exterior.
 
Trata-se do Recurso Extraordinário nº 851.108, com repercussão geral reconhecida (Tema 825), no qual se firmou o seguinte entendimento: “É vedado aos estados e ao Distrito Federal instituir o ITCMD nas hipóteses referidas no artigo 155, §1º, III, da Constituição Federal, sem a intervenção da lei complementar exigida pelo referido dispositivo constitucional”.
 
De acordo com a maioria dos ministros da Suprema Corte (7 a 4), nada obstante a Constituição Federal ter garantido a competência tributária dos estados e do Distrito Federal sobre referido imposto, estes não poderiam instituir sua cobrança por meio de lei própria quando existir alguma ligação com países estrangeiros (e.g. bem localizado no exterior e doador residente no Brasil).
 
Isso porque o ordenamento constitucional foi claro ao determinar que a regulamentação da matéria em comento, por envolver possíveis conflitos de competência (entre o Brasil e algum outro país, bem como entre os próprios estados brasileiros), e por se tratar de norma geral em matéria de legislação tributária, estaria reservada a lei complementar, em razão do que dispõem os artigos 146, I e III, “a”, e 155, §1º, inciso III, alíneas “a” e “b”, da CF.
 
Na ocasião, também foram modulados os efeitos da decisão, de tal forma que ela somente será eficaz para “fatos geradores” ocorridos após a publicação do acórdão, salvo os que já são objeto de discussões judiciais ainda não transitadas em julgado.
 
Ou seja, entendeu-se que os estados e o Distrito Federal não podem instituir o ITCMD sobre transmissões envolvendo relevante elemento de conexão com o exterior, enquanto não publicada lei complementar disciplinando a matéria.
 
Todavia, pouco se disse a respeito de quais seriam esses elementos. Apenas a existência de bens/direitos no exterior ou também outras hipóteses poderiam ser abarcadas pela decisão? Ainda, quais oportunidades surgem para os contribuintes com essa decisão?
 
Considerando a redação da tese firmada no supracitado RE 851.108, além da fundamentação adotada no corpo do acórdão, compreende-se que não apenas os bens localizados no exterior não podem ser objeto de tributação de ITCMD até a publicação de LC, mas também outros casos.
 
O enunciado consolidado pela Suprema Corte foi muito claro no sentido de que em qualquer das hipóteses do §1º, inciso III, do artigo 155 da Constituição Federal, a instituição do ITCMD por Estados e DF não está autorizada. Logo, até o presente momento não há incidência do imposto:
 
1) Quando o transmitente do bem tem domicílio ou residência no exterior, estando ou não o bem localizado em algum estado brasileiro;
 
2) Caso os bens inventariados ou doados estejam localizados no exterior, ainda que o doador ou de cujus resida/residia ou seja domiciliado no Brasil;
 
3) Na hipótese de o inventário ser processado em país estrangeiro, mesmo que os beneficiários sejam residentes e domiciliados no Brasil.
 
Muito se leu nos últimos meses sobre essa decisão ter garantido a não incidência do ITCMD nas doações e heranças de bens no exterior — até publicação de LC. Contudo, suponha-se que o contribuinte, por razões relacionadas ao seu trabalho, resida em mais de um país, por exemplo, na Itália, no Brasil e no México (dez dias em cada uma), e realize a doação de um apartamento localizado no estado do Rio de Janeiro.
 
Sabe-se que, nos termos do artigo 71 do Código Civil, caso a pessoa natural possua várias residências, considerar-se-á o seu domicílio qualquer uma delas. Por sua vez, o artigo 127 do Código Tributário Nacional define como domicílio tributário da pessoa física a sua residência habitual. Portanto, nessa hipótese, poderia o estado onde está localizado o bem doado exigir o ITCMD?
 
De acordo com a decisão da Suprema Corte e com o enunciado do artigo 155, §1º, III, “a”, da Constituição Federal, a eventual cobrança do ITCMD pelo referido estado do Rio de Janeiro dependeria de lei complementar, prescindindo de qualquer outra condição, haja vista o fato do doador também residir em país estrangeiro.
 
Por mais que esse cenário — apesar de hipotético, bastante factível atualmente considerando os efeitos da globalização — possa causar perplexidade e provavelmente insurgências pelas Fazendas estaduais, fato é que se trata de uma hipótese de incidência tributária do ITCMD que possui elemento de conexão com o exterior (residência do doador em outro país, ainda que também possua no Brasil), de tal modo que a lei complementar se revela indispensável para a cobrança do imposto.
 
Como bem destacado pelo ministro Dias Toffoli, relator do recurso extraordinário “(f)oi devido ao elemento da extraterritorialidade que o Constituinte ordenou ao Congresso Nacional que procedesse a um maior debate político sobre os critérios de fixação de normas gerais de competência tributária, com o intuito de se evitarem conflitos de competências geradores de bitributação entre os estados da Federação e entre países com os quais o Brasil possua acordos comerciais, mantendo-se uniforme o sistema de tributos”.
 
Nessa esteira, por mais que o foco das mídias sociais tenha sido quanto à aplicação do julgado nos casos de bens localizados fora do Brasil, existem outras situações relevantes — como a citada acima — nas quais os contribuintes podem se valer da decisão do STF, sendo uma excelente oportunidade para dar andamento em projetos de planejamento patrimonial e sucessório com economia tributária.