Na antiguidade, os homens lutavam pelo direito de viver em suas tribos e possuir um pedaço de terra. Nesse contexto, todos dividiam o que produziam. Na Idade Média, as famílias buscavam condições para cultivar e sobreviver em seus pequenos terrenos.

 

Já na Idade Moderna, a luta por direitos iguais marcou a sociedade, com homens e mulheres reivindicando o direito à vida e à tão almejada igualdade. Foi Aristóteles, ao compreender as proporcionalidades, quem cunhou o termo “equidade”.

 

O fio condutor desse direito está na compreensão da necessidade em postular no ordenamento jurídico o preceito da isonomia. Afinal, a justiça no contexto aristotélico deve ser alicerçada no reconhecimento da igualdade sobre os iguais, enquanto, os desiguais na medida das suas desigualdades.

 

Agora, estamos no primeiro quarto do século 21, e existe outro espaço de debate e luta travada pela humanidade. Um espaço no qual a maioria da população participa, se informa, se diverte, mas não percebe o quão manipulável pode ser. Nesse contexto, o Judiciário brasileiro e as big techs estão travando sua luta apocalíptica.

 

Para manter esse precioso campo aberto de informações e do direito à liberdade de expressão, surge a necessidade de regulação de plataformas digitais, o que se tornou um dos grandes desafios jurídicos do século 21, especialmente diante da crescente influência dessas plataformas na disseminação de informações, na formação de opinião pública e na organização de movimentos sociais.

 

As relações políticas, econômicas e sociais já estavam em debate há quase um século pela famosa Escola de Frankfurt. Seus pensadores (Horkheimer, Adorno, Benjamin, Habermas, Marcuse e Fromm) já alertavam sobre a manipulação das massas.

 

Em sua teoria crítica marxista, eles produziram textos que, de certa forma, denunciavam a estratégia de controle social. Naquela época, o perigo, para eles, estava nas mensagens propagadas por rádio, TV, cinema, arte, música etc. Atualmente, as redes sociais tomaram rapidamente esse lugar.

 

Entramos agora em um mundo em que realidade e virtualidade fazem parte do mesmo contexto, dependendo de como analisamos tudo que está acontecendo. A era digital trouxe consigo novos desafios jurídicos, principalmente em relação à regulação de plataformas digitais e à proteção de direitos fundamentais.

 

A decisão jurídica do ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), que suspendeu uma rede social, proibindo o uso por qualquer pessoa ou grupos, sejam extremistas ou não, nas áreas políticas ou sociais, e negando-lhes o direito de usufruir desse espaço, criou animosidades em todos os campos, tanto entre os que são a favor quanto entre os que são contra.

 

O ato motivado ocorreu diante de manifestações nas redes com disseminação de informações ilícitas, o que levantou um intenso debate sobre os limites da liberdade de expressão, abrindo caminho para outra discussão: se haveria a necessidade de intervenção estatal para proteger a dignidade humana, a ordem pública e a segurança nacional.

 

Este artigo propõe uma análise crítica e ponderada dos argumentos prós e contras sobre a suspensão de plataformas digitais, considerando os princípios constitucionais e infraconstitucionais que embasaram essa decisão.

 

Argumentos a favor da decisão

Iniciamos com um olhar favorável ao Judiciário brasileiro. A decisão do ministro de suspender uma plataforma digital foi avaliada como uma medida necessária para proteger os direitos fundamentais, especialmente diante da ameaça que a disseminação de desinformação e discursos de ódio representam à dignidade humana.

 

Como fundamento, temos o artigo 1º, inciso III da Constituição, que trata da “dignidade da pessoa humana”, embasada na obrigação que o Estado tem de proteger os indivíduos contra qualquer violação desse princípio fundamental. Em um texto (ensaio), o ministro Luís Roberto Barroso nos brinda com uma definição primorosa sobre a dignidade, baseada no pensamento de Kant:

 

“todo homem é um fim em si mesmo, não devendo ser funcionalizado a projetos alheios; as pessoas humanas não têm preço nem podem ser substituídas, possuindo um valor absoluto, ao qual se dá o nome de dignidade” [1].

 

Nesse aspecto, a dignidade é primordial para que a sociedade não se constitua como des(h)umana.

 

Além disso, o artigo 5º, inciso X da Constituição afirma o valor da inviolabilidade da intimidade, o cuidado da vida privada, o respeito à honra e à imagem dos seres humanos. Esses são direitos que podem ser comprometidos pela circulação indiscriminada de conteúdos ilícitos nas redes sociais.

 

Na ARE 660861 RG, o STF entendeu que as plataformas digitais têm responsabilidade sobre o conteúdo que são publicados e disseminados pela rede, e, portanto, estarão sujeitas as medidas restritivas quando falham e não coíbem atos considerados criminosos em suas plataformas, já que são capazes de moderar adequadamente esse conteúdo. Vejamos:

 

EMENTA:GOOGLE – REDES SOCIAIS – SITES DE RELACIONAMENTO – PUBLICAÇÃO DE MENSAGENS NA INTERNET – CONTEÚDO OFENSIVO – RESPONSABILIDADE CIVIL DO PROVEDOR – DANOS MORAIS – INDENIZAÇÃO – COLISÃO ENTRE LIBERDADE DE EXPRESSÃO E DE INFORMAÇÃO vs. DIREITO À PRIVACIDADE, À INTIMIDADE, À HONRA E À IMAGEM. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA PELO PLENÁRIO VIRTUAL DESTA CORTE.

(ARE 660861 RG, Relator(a): Min. LUIZ FUX, julgado em 22/03/2012, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-219 DIVULG 06-11-2012 PUBLIC 07-11-2012).

 

Suspender uma plataforma que permite ações que violam regras básicas de uma sociedade livre foi justificado como uma medida proporcional e necessária, em conformidade com os valores primordiais dos direitos estabelecidos na lei.

 

A competência do STF está claramente em conformidade com o artigo 102 da Constituição, pois essa é a instituição do Estado que tem o dever de ser o guardião da ordem constitucional.

 

Assim, diante do fato de que a plataforma digital desrespeitou a Constituição e diversas leis infraconstitucionais, podemos atribuir ao STF o direito legal de garantir a segurança pública, especialmente quando o conteúdo disseminado pela plataforma incita ações antidemocráticas ou até mesmo violência, seja no discurso, seja em ações coordenadas que ameacem a ordem constitucional.

 

Argumentos contra decisão

Agora, analisamos essa decisão sob outro viés jurídico. A suspensão de uma plataforma digital levanta significativas preocupações, especialmente em relação à liberdade de expressão, tema caro ao direito, não só no contexto brasileiro, mas também no direito internacional.

 

No Brasil, essa é uma premissa fundamental garantida na Constituição em seu artigo 5º, incisos IV, V, IX e XI. A liberdade de expressão, e o pensamento humano em uma sociedade livre, são a base da mais justa e equilibrada relação do Estado democrático de direito.

 

Nesse contexto, essa liberdade precisa invariavelmente ser protegida contra ações excessivas do Estado. A decisão de suspender uma rede social, para alguns, pode ser vista como uma forma de censura prévia, o que definitivamente não tem respaldo na Constituição.

 

A Constituição assegura esse direito em seu artigo 220, quando assevera que é digna de ser protegida a liberdade de manifestação do pensamento, criação, expressão e informação, premissas que fortalecem as relações sociais.

 

A suspensão de uma plataforma digital pode ser considerada uma medida desproporcional, especialmente se existirem alternativas menos invasivas para lidar com conteúdo ilícito, como a remoção seletiva de posts ou a aplicação de multas. Essas devem ser as medidas prioritárias em casos como este, pois salvaguardam as relações cordiais entre o Estado (direito público) e o direito privado (pessoa física ou jurídica) no contexto jurídico ou socioeconômico.

 

Por fim, do ponto de vista legal, o artigo 19 do Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014) explicita que plataformas digitais são responsáveis pelos conteúdos gerados por terceiros, principalmente se receberam alguma ordem judicial específica para a remoção do conteúdo.

 

Essa é a fundamentação legal que pode ser dirimida dentro do contexto da liberdade condicionada ou “safe harbors” (intermediários se responsabilizam por conteúdos de terceiros e têm responsabilização parcial, portanto, devem cumprir alguns requisitos).

 

Nesse contexto, a suspensão total de uma plataforma pode ser avaliada como uma punição coletiva extrema que fere os direitos dos usuários que utilizam o serviço de forma legítima. Essa prerrogativa pode até ser aventada; no entanto, muitos países têm agido com essas mesmas intervenções, inclusive os Estados Unidos.

 

Dicotomia entre proteção e liberdade

Neste artigo, avaliamos a suspensão da plataforma digital com a intenção de compreender o processo. Assim, diante dos argumentos a favor e contra a decisão do ministro Alexandre de Moraes, evidenciou-se que existe uma linha tênue que complica o verdadeiro sentido relacionado aos direitos fundamentais e à preservação da liberdade de expressão, temas importantes que foram prejudicados com toda a crise política que adentrou nas redes sociais.

 

A Constituição define que a dignidade humana e a proteção da ordem pública são valores fundamentais que precisam ser preservados.

 

Portanto, seria justificável a intervenção estatal em casos de ofensas e discursos de ódio, sejam de pessoas públicas ou simples usuários das plataformas; porém, essa intervenção deve ser necessariamente proporcional.

 

Nesse aspecto, temos no princípio da legalidade o fundamento do artigo 37 da Constituição, que obriga setores como a administração pública a agir apenas diante de lei expressa. Enquanto isso, o mesmo princípio se aplica à pessoa física ou jurídica de direito privado, indicando que a ação ou omissão só poderá ser considerada crime se houver uma lei que assim o defina, antes de ser executada.

 

No âmbito da Constituição, o artigo 5º, XXXIX — determina que não se pode culpar alguém por um crime sem que ele esteja estipulado em lei, e todos são iguais perante a lei (artigo 5º, caput). Esses são princípios que são substancialmente importantes para fortalecer a segurança jurídica, tão necessária para salvaguardar as liberdades individuais e garantir a previsibilidade das ações do Estado.

 

O ministro Gilmar Mendes nos informa na RE 511.961/SP que “as liberdades de expressão e de informação e, especificamente, a liberdade de imprensa, somente podem ser restringidas pela lei em hipóteses excepcionais, sempre em razão da proteção de outros valores e interesses constitucionais igualmente relevantes, como os direitos à honra, à imagem, à privacidade e à personalidade em geral”.[2]

 

Por outro lado, as plataformas digitais têm papel crucial na sociedade moderna e devem assumir a responsabilidade pelo conteúdo disseminado. Filio-me ao entendimento dessa premissa, principalmente quando se trata de discurso de ódio ou desinformação.

 

A ideia é que, ao proteger a dignidade humana e a ordem pública, o STF age em conformidade com os princípios fundamentais que regem o Estado democrático de Direito. É mister esclarecer que, para manter um meio-termo entre proteção e liberdade, é essencial que as medidas restritivas sejam aplicadas com prudência e estejam sempre sujeitas a uma avaliação criteriosa da adequação, da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito.

 

Esses três princípios equilibram e fundamentam o ato de justiça em que o debate público da liberdade de expressão está inserido. Segundo Alexy, “quanto maior o grau de não satisfação ou de detrimento de um princípio, maior a importância de se satisfazer o outro. […]. Essa regra expressa a tese de que a otimização relativa de princípios concorrentes consiste em nada mais do que no balanceamento desses princípios” (2008, p. 136, apud Supacaia, 2013, p. 195) [3].

 

Portanto, se algo parece não estar adequado, como, por exemplo, a limitação da liberdade de expressão, é a necessidade de um agir em favor da dignidade humana que nos obriga restringir esse direito. Assim, a proporcionalidade em sentido estrito coloca um ponto final na dúvida, pois resulta na escolha de um meio menos gravoso e eficaz para impedir um ato criminoso.

 

Conclusão

A suspensão de uma plataforma digital pelo STF, como vimos, levanta questões complexas que envolvem a proteção de direitos fundamentais, a liberdade de expressão e o papel das redes sociais no mundo atual. Não há resposta única ou fácil para os desafios que surgem nessa nova era digital. Mas é evidente que a regulação de plataformas digitais exige uma abordagem equilibrada e fundamentada nos princípios constitucionais e infraconstitucionais.

 

Rui Barbosa, entendendo a importância da liberdade com responsabilidade, afirmou: “A liberdade não é um luxo dos tempos de bonança: é, sobretudo, o maior elemento de estabilidade das instituições” [4].

 

Esse é o grande desafio do direito no século 21: encontrar o equilíbrio entre proteger a dignidade humana e a liberdade de expressão, duas faces de uma mesma moeda que precisam ser cuidadosamente ponderadas para garantir um Estado democrático de Direito.

 

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Referências

 

[1] BARROSO, Luís Roberto. O conceito de dignidade humana: núcleo essencial de direitos fundamentais. Revista Brasileira de Direito Constitucional, Curitiba, n. 16, p. 57-65, jan./jun. 2010.

 

[2] STF, RE 511961/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, Brasília. J. 17 de junho de 2009.

 

[3] SAPUCAIA, Rafael Vieira Figueiredo. A Aplicação da Máxima da Proporcionalidade no STF: Um Caso. Rev. SJRJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 36, p. 193-204, abr. 2013.

 

[4] BARBOSA, Rui. Obras Completas, Vol. XVI, Tomo IV. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Saúde, 1948.”

 

Fonte: Conjur

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