TJ|SP: Direito de Família – Regime de bens – Pretensão para modificação do regime da separação legal para separação parcial com efeitos “ex tunc” – Impossibilidade – Hipótese de improcedência da demanda e não extinção sem julgamento do mérito – Recurso não provido com observação.
 
PODER JUDICIÁRIO
 
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
 
9ª Câmara de Direito Privado
 
Registro: 2017.0000380573
 
ACÓRDÃO
 
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 0003304- 98.2015.8.26.0028, da Comarca de Aparecida, em que é requerente GONÇALO ALVES, Apelantes GONÇALO ALVES e IGNÊS CURSINO DA SILVA, é
 
apelado JUÍZO DA COMARCA.
 
ACORDAM, em 9ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento ao recurso, com observação. V.U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
 
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores COSTA NETTO (Presidente) e JOSÉ APARÍCIO COELHO PRADO NETO.
 
São Paulo, 30 de maio de 2017.
 
Alexandre Lazzarini
 
RELATOR
 
Assinatura Eletrônica
 
Voto nº 19517
 
Apelação nº 0003304-98.2015.8.26.0028
 
Comarca: Aparecida (1ª Vara)
 
Juiz(a): Rita de Cássia Spasini de Souza Lemos Apelantes: Gonçalo Alves e Ignês Cursino da Silva Requerente: Gonçalo Alves
 
Apelado: O Juízo
 
DIREITO DE FAMÍLIA. REGIME DE BENS. PRETENSÃO PARA MODIFICAÇÃO DO REGIME DA SEPARAÇÃO LEGAL PARA SEPARAÇÃO PARCIAL COM EFEITOS “EX TUNC”. IMPOSSIBILIDADE. HIPÓTESE DE IMPROCEDÊNCIA DA DEMANDA E NÃO EXTINÇÃO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO. RECURSO NÃO PROVIDO COM OBSERVAÇÃO.
 
1. Recurso interposto contra a sentença que julgou extinta demanda proposta para alteração de regime de bens instituído em casamento, nos termos do art. 485, VI, do CPC.
 
2. Irretroatividade do CC/02 ao casamento dos apelantes ocorrido em 2002. Ausência de fatos posteriores que permitam a alteração de regime de bens (separação legal para separação parcial) postulada.
 
3. Hipótese de improcedência da pretensão inicial e não extinção do feito sem análise do mérito. Alteração de ofício.
 
4. Recurso não provido, com observação.
 
A r. sentença (fl. 39), cujo relatório adota-se, julgou extinta a ação de “alteração de regime de bens instituído em casamento”, nos termos do art. 485, VI, do CPC, consoantes as razões a seguir deduzidas: “Considerando o disposto no art. 1.641, do CC, que estabelece o regime obrigatório de separação de bens, daqueles maiores de 70 anos, e que o requerido, nascido em  1940, tem 70 anos de idade fls. 37, verifica-se que houve a perda superveniente do objeto do presente feito”.
 
Apelam os autores, postulando a reforma da r. sentença.
 
Sustentam que se casaram, em 2002, sob o regime da separação obrigatória de bens, pois o co-autor/co-apelante tinha 62 anos de idade.
 
Com o advento do novo Código Civil, a idade neste regime passou a ser 70 anos, assim, encontra-se superada a causa impeditiva para adoção única da separação legal. Ademais, em razão do convívio comum e da confiança gerada, pretendem conquistar e fazer melhorias em seus bens, devendo o regime passar a ser o da comunhão parcial de bens com efeitos ‘ex tunc’.
 
Recurso recebido nos termos do art. 1.012 do CPC (fl. 47).
 
Parecer da d. Procuradoria Geral de Justiça, opinando pelo desprovimento do recurso (fl. 51).
 
É o relatório.
 
I) O recurso não deve ser provido, mas por fundamento diverso daquele explicitado pela r. sentença.
 
A interpretação conjunta dos arts. 1.639, § 2º, 2.035 e 2.039 do CC/02, admite a modificação do regime de bens observado no casamento, desde que ressalvados os direitos de terceiros e seja pertinente a justificativa apresentada para tal alteração.
 
No caso concreto, os apelantes buscam a aplicação retroativa da norma do art. 1.641, II, do CC, ao matrimônio contraído em 2002 (e não 2012 como noticiado nas razões recursais e na inicial), o que não se admite, sob pena de ofensa ao art. 5º, XXXVI, da CF/88.
 
Nesse sentido, ao fato pretérito (casamento dos apelantes) continua aplicável a norma do CC/1916, que estabelecia o regime da separação obrigatória quando um dos nubentes tivesse mais de 60 anos de idade, o que se encontra em consonância com a regra do art. 2.039 contida nas Disposições Finais e Transitórias do CC/2002: “O regime de bens nos casamentos celebrados na vigência do Código Civil anterior, Lei n. 3.071, de 1º de janeiro de 1916, é o por ele estabelecido”.
 
Não é demais salientar, ainda, que quando o co-apelante ingressou com a presente demanda, em 2015, tinha 75 anos (documento de identidade fl. 15), ou seja, a separação obrigatória ainda seria mantida, mesmo no novo diploma legal.
 
Nesse sentido transcrevo ementa do seguinte julgado do Superior Tribunal de Justiça (REsp 821.807 PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 19/10/2006):
 
“Direito civil. Família. Casamento celebrado sob a égide do CC/16. Alteração do regime de bens. Possibilidade.
 
– A interpretação conjugada dos arts. 1.639, § 2º, 2.035 e 2.039, do CC/02, admite a alteração do regime de bens adotado por ocasião do matrimônio, desde que ressalvados os direitos de terceiros e apuradas as razões invocadas pelos cônjuges para tal pedido.
 
– Assim, se o Tribunal Estadual analisou os requisitos autorizadores da alteração do regime de bens e concluiu pela sua viabilidade, tendo os cônjuges invocado como razões da mudança a cessão da incapacidade civil interligada à causa suspensiva da celebração do casamento a exigir a adoção do regime da separação obrigatória, além da necessária ressalva quanto a direitos de terceiros, a alteração para o regime de comunhão parcial é permitida.
 
– Por elementar questão de razoabilidade e justiça, o desaparecimento da causa suspensiva durante o casamento e a ausênica de qualquer prejuízo ao cônjuge ou a terceiro, permite a alteração do regime de bens, antes obrigatório, para o eleito pelo casal, notadamente porque cessada a causa que exigia regime específico.
 
– Os fatos anteriores e os efeitos pretéritos do regime anterior permanecem sob a regência da lei antiga. Os fatos posteriores, todavia, serão regulados pelo CC/02, isto é, a partir da alteração do regime de bens, passa o CC/02 a reger a nova relação do casal.
 
– Por isso, não há se falar em retroatividade da lei, vedada pelo art. 5º, inc. XXXVI, da CF/88, e sim em aplicação de norma geral com efeitos imediatos.
 
Recurso especial não conhecido.”
 
Além disso, é possível depreender-se da leitura da inicial, que uma das razões que motivaram o ajuizamento da demanda foram divergências e oposições apresentadas pelos filhos do co-apelante havidos em seu casamento anterior (fl. 03): “Eles indicavam que a Requerente não tinha direito nenhum perante ao que começaram constituir o casal, alvoroços foram acontecendo, sem contar as discussões onde ocorriam ameaças” (fl. 03).
 
Assim, conforme esse argumento, a principal finalidade desta demanda é proteger a co-apelante, e não a parte idosa (co-apelante) tutelada pela lei.
 
Não obstante seja vedada a modificação do regime de bens para os apelantes, vale lembrar que, segundo entendimento predominante, comunicam-se os bens adquiridos a título oneroso, na constância da relação conjugal, independente do esforço comum. É o que dispõe a Súmula 377 do STF: “No regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento”.
 
Sob qualquer ângulo que se analise a questão, portanto, não há como dar-se provimento ao recurso, sendo, porém, hipótese de improcedência da pretensão inicial e não a sua extinção sem julgamento pelo mérito.
 
II) Concluindo, o recurso não comporta provimento, devendo a r. sentença ser reformada de ofício, para que seja julgada improcedente a pretensão inicial, nos termos do art. 487, I do CPC.
 
Portanto, nego provimento ao recurso com observação.
 
ALEXANDRE LAZZARINI
 
Relator
 
(assinatura eletrônica)