Em setembro de 2016, o Supremo Tribunal Federal julgou um recurso extraordinário ao qual se reconheceu repercussão geral, e em que se discutiu a possibilidade de cumulação do vínculo de parentesco socioafetivo com o vínculo de parentesco biológico. Por maioria, o Tribunal entendeu que existe a possibilidade, e fixou a seguinte tese: “a paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios”. Trata-se do que a doutrina denomina pluriparentalidade, ou multiparentalidade.
 
Em seu voto, o relator do recurso, Min. Luiz Fux, havia proposto tese ligeiramente diferente: “a paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com todas as suas consequências patrimoniais e extrapatrimoniais”.
 
O acórdão ainda não foi publicado.
 
Não obstante, depreende-se da diferença entre a redação da tese aprovada e a redação da tese proposta pelo Min. Fux que o Tribunal considerou que a questão constitucional limitava-se à possibilidade ou não da cumulação de vínculos de parentesco, constituindo a questão dos efeitos da pluriparentalidade matéria infraconstitucional. O recado, então, foi dado para o legislador, e para o STJ.
 
Querendo, pode o Congresso Nacional, no exercício da competência privativa da União para legislar sobre Direito Civil (art. 22, I da Constituição de 1988), regular quais os efeitos jurídicos da pluriparentalidade, observadas as diretrizes constitucionais.
 
Enquanto isso não for feito, eventualmente caberá ao STJ, no exercício de sua competência de “guardião da lei” (art. 105, III da Constituição de 1988), interpretar a legislação civil e esclarecer quais são os efeitos jurídicos da pluriparentalidade.
 
E o Tribunal fez exatamente isso, em julgado desta semana. Segundo foi noticiado em sites jurídicos — a decisão ainda não foi disponibilizada online, nem publicada —, a 3ª Turma do STJ reconheceu como efeito jurídico da pluriparentalidade o direito sucessório com relação a cada um dos pais, tanto o socioafetivo quanto o biológico.[1]
 
No caso julgado, uma pessoa de quase 70 anos, que já havia sucedido seu pai socioafetivo, obteve, recentemente, o reconhecimento de quem era seu pai biológico. O STJ entendeu que, tendo havido o reconhecimento da paternidade biológica, o filho deveria participar também da sucessão do respectivo genitor.
 
A decisão foi ao encontro do entendimento imaginado por alguns autores do GEN.
 
Foi o que antevimos, eu e o Prof. Elpídio Donizetti, ao traçar um breve e cauteloso comentário sobre o assunto na 6ª ed. do nosso Curso Didático de Direito Civil. O texto da edição foi concluído no início de janeiro de 2017, quando ainda era possível apenas especular sobre o que viria. Mas já imaginávamos que a obrigação alimentar e o direito sucessório seriam efeitos certamente reconhecidos à pluriparentalidade.
 
Na 3ª ed. do seu Direito das Sucessões, publicada poucos dias atrás pelo GEN, nosso caro Luiz Paulo Vieira de Carvalho também defende que o direito sucessório é um dos efeitos jurídicos da pluriparentalidade.[2]
 
Conforme as notícias veiculadas em portais jurídicos sobre a decisão do STJ, o julgamento do recurso foi unânime. O relator, Min. Villas Bôas Cueva, teria se baseado na decisão do STF para fundamentar seu voto, mencionando os efeitos alimentares e sucessórios dentre os efeitos jurídicos da pluriparentalidade, e a Min. Nancy Andrighi teria afirmado que, ainda que se possam questionar as razões para o pedido tardio de reconhecimento da paternidade biológica, não se podem negar os efeitos desta, uma vez confirmado o vínculo.
 
Considerando que o STJ acabou tendo a oportunidade de se posicionar sobre o tema tão pouco tempo após a decisão do STF, é de se imaginar que dificilmente o legislador irá agir no curto prazo para disciplinar os efeitos jurídicos da pluriparentalidade.
 
Arrisco, até mesmo, afirmar que, afinal, a tese aprovada pela Suprema Corte será interpretada nos termos da tese proposta pelo Min. Luiz Fux, derivando da pluriparentalidade “todas as suas consequências patrimoniais e extrapatrimoniais”.
 
Todavia, algumas questões pontuais irão reclamar maior atenção, ainda que se interprete a tese de maneira ampla e irrestrita.
 
Por exemplo, em se tratando de sucessão de ascendentes, determina o Código Civil que, havendo herdeiros na linha materna e na linha paterna, divida-se a herança antes por linhas, e somente depois por cabeça (art. 1.836, § 2º).
 
Conforme tenho defendido nas minhas aulas de Sucessões, reconhecendo-se efeitos sucessórios à pluriparentalidade, entendo que deve a herança ser dividida por tantas linhas quantos forem os pais ou mães do falecido. Ou seja, havendo uma mãe e dois pais, deve a herança ser dividida por três, independentemente do gênero dos ascendentes de 1º grau, e do número de herdeiros em cada linha.
 
Sendo chamados à sucessão, por exemplo, o pai socioafetivo, o pai biológico, e a mãe, defendo que a herança seja dividida por três.
 
Por sua vez, sendo chamados à sucessão, v.g., os avós, por serem os ascendentes de 1º grau todos premortos, e tendo, por exemplo, um dos pais e a mãe deixado vivos ambos os seus pais, e o outro pai apenas sua mãe, entendo que a herança deve ser dividida por três linhas. A avó de um dos pais recebe sozinha um terço da herança, e os demais avós recebem um sexto cada, conforme o montante atribuído à respectiva linha.
 
Luiz Paulo Vieira de Carvalho, a seu turno, segue entendimento diverso. Defende o autor que a herança seja sempre dividida primeiramente em duas linhas, considerando-se o gênero: linha materna e linha paterna. Em seguida, procede-se à divisão considerando-se quantas mães ou pais há.[3]
 
Ambos os posicionamentos são defensáveis. Antes, porém, que mais uma divergência se instaure no Direito das Sucessões, já arruinado pelas falhas do Código de 2002, o ideal seria que esta e outras questões pontuais fossem resolvidas definitivamente.
 
Todos devemos esperar que isso ocorra, e fazer o possível para colaborar.
 
[1] Portal Migalhas, disponível em <http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI256451,101048-Homem+tem+direito+a+heranca+de+pai+biologico+mesmo+ja+tendo+recebido>, acesso em 29 mar. 2017, e Portal do IBDFAM, disponível em <http://www.ibdfam.org.br/noticias/6244/Decisão+concretiza+tese+firmada+pelo+STF+sobre+a+multiparentalidade>, acesso em 29 mar. 2017.
[2] CARVALHO, Luiz Paulo Vieira de. Direito das Sucessões. 3ª ed. São Paulo, GEN Atlas, 2017.
[3] CARVALHO. Op. cit.