Por Rafael Depieri*
 
Na última edição do Jornal do Notário discorremos sobre os casos de dispensa da apresentação do alvará judicial para os atos notariais de venda ou compra de imóvel por menores impúberes.
 
Nesta edição continuaremos o tema, agora abordando as escrituras públicas onde figurarem menores como doadores ou donatários de bens imóveis.
 
De proêmio, importante relembrar a diferença entre o que a doutrina e a jurisprudência denominam como doação pura e simples da doação com encargo ou onerosa.
 
Doação pura é aquela feita por mera liberalidade, sem condição, encargo ou termo, isto é, sem quaisquer restrições ou modificações para a sua constituição ou execução. Já a doação com encargo (ou onerosa) é aquela em que o doador impõe ao donatário uma incumbência em seu benefício, em proveito de terceiro ou do interesse geral.
 
Importante aqui destacarmos que ainda que a doação seja com reserva de usufruto ou mesmo com alguma cláusula restritiva (inalienabilidade, impenhorabilidade ou incomunicabilidade) não deixará de ser pura e simples[1].
 
Feito o breve esclarecimento, passaremos a analisar em quais casos seria dispensável a autorização judicial para um menor participar de uma escritura pública de doação.
 
Como mencionado na edição anterior, dispõe o artigo 1.691 do Código Civil que os pais não podem alienar, gravar de ônus real os bens imóveis dos menores não emancipados, nem contrair obrigações que ultrapassem os limites do poder de administração que detém, salvo no interesse da prole e mediante prévia autorização judicial.
 
Dessa forma, podemos facilmente concluir que para os atos de doação que envolvam menores impúberes, a regra será a apresentação prévia da autorização judicial, pois o ato de doar se inclui dentre as modalidades de alienação, que fogem à mera administração.
 
Não há dúvida, portanto, que se o menor figurar como doador de um bem imóvel, será imprescindível para formalização da escritura pública a prévia apresentação do alvará judicial, conforme o art. 1.691 do Código Civil c/c Item 41 “e” do Capítulo XIV das Normas dos Serviços Extrajudiciais da CGJ/SP.
 
Todavia, o Código Civil de 2002 inovou em relação ao Diploma Civilista de 1916, ao prever no artigo 543 a dispensa da aceitação do absolutamente incapaz nas doações puras, posto estas serem realizadas em seu benefício exclusivo, veja:
 
Art. 543. Se o donatário for absolutamente incapaz, dispensa-se a aceitação, desde que se trate de doação pura.
 
Assim sendo, o consentimento do absolutamente incapaz, que depois das alterações trazidas pela Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015) são somente os menores impúberes, deixa de ser elemento integrante do contrato doação, aperfeiçoando o ato de liberalidade com a tradição do bem ao incapaz e o registro da escritura de doação do bem imóvel.
 
Nessa linha, o E. Conselho Superior da Magistratura Paulista firmou entendimento pela prescindibilidade da vênia judicial nas doações puras em favor de menor impúbere, dispensando, inclusive, a participação dos genitores na escritura pública, conforme trecho do Acórdão, em destaque:
 
Em arremate, a exigência questionada pelo recorrente não encontra amparo no art. 1.691, caput, do CC, igualmente sublinhada pelo suscitante. Primeiro, porque a doação se submete, antes, à disciplina de outra norma, a plasmada no art. 543 do CC, a dispensar, inclusive, insista-se, a participação dos genitores. No mais, porque não houve disposição de bens dos menores, não gravaram (eles, genitores, em nome dos filhos) o imóvel de ônus reais nem contraíram obrigações em nome dos filhos. (Apelação nº 1055983-36.2015.8.26.0100 do Conselho Superior da Magistratura, Publicada em 08/06/2016, Rel. Des. Manoel de Queiroz Pereira Calças.)

*Rafael Depieri é assessor jurídico do CNB/SP. Advogado, é bacharel em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e pós-graduado em Direito Notarial e Registral pela Faculdade Arthur Thomas. Envie sua dúvida para [email protected].