Apelação – Responsabilidade civil – Ação reportada a pedido de indenização por danos materiais e morais – Serviço notarial – Preliminares afastadas – Legitimidade passiva do Estado para compor o polo passivo da relação processual – Responsabilidade extracontratual do Estado – Tabelião – Agente público – Art. 37, § 6º, da CF/88 – Prescrição afastada – Determinado o retorno dos autos à vara de origem para prosseguimento da ação – Recurso provido
 
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 1017097-12.2015.8.26.0053, da Comarca de São Paulo, em que é apelante WILSON ZAPONI GOMES DA SILVA, é apelado ESTADO DE SÃO PAULO.
ACORDAM, em 3ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento ao recurso, nos termos que constarão do acórdão. V. U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores ANTONIO CARLOS MALHEIROS (Presidente sem voto), MARREY UINT E CAMARGO PEREIRA.
São Paulo, 14 de novembro de 2017.
AMORIM CANTUÁRIA
RELATOR
Assinatura Eletrônica
APELAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO REPORTADA A PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. SERVIÇO NOTARIAL. PRELIMINARES AFASTADAS. LEGITIMIDADE PASSIVA DO ESTADO PARA COMPOR O POLO PASSIVO DA RELAÇÃO PROCESSUAL. RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL DO ESTADO. TABELIÃO. AGENTE PÚBLICO. ART. 37, § 6º, DA CF/88. PRESCRIÇÃO AFASTADA. DETERMINADO O RETORNO DOS AUTOS À VARA DE ORIGEM PARA PROSSEGUIMENTO DA AÇÃO. RECURSO PROVIDO.
WILSON ZAPONI GOMES DA SILVA ajuizou ação de indenização contra o ESTADO DE SÃO PAULO, pretendendo a condenação do réu ao pagamento de indenização por danos materiais que na época somaram R$ 125.013,22; também pediu uma indenização por danos morais a ser arbitrada pelo Juízo. Sustentou, em síntese, que em 25 de agosto de 2005, adquiriu por instrumento particular de venda e compra um imóvel localizado na Rua Madre Linda Lucotte, nº 70, 14º Subdistrito – Lapa, São Paulo/SP, de propriedade de Carlos Salberto Venturelli e sua esposa Arima Palma Venturelli, representados naquele ato pelo procurador ‘Luiz Ricardo Antunes’, que apresentou uma procuração lavrada pelo 6º Tabelião de Notas da Capital. Asseverou que o preço total da compra foi de R$ 425.000,00, sendo que no ato da assinatura do Instrumento Particular foi pago R$ 50.000,00 e o restante estava representado em dois lotes de terrenos, do loteamento Recantos dos Pássaros, Km 82, da Rodovia Raposo Tavares em São Roque/SP, somando o valor de R$ 375.000,00. Afirmou ainda, que a escritura foi lavrada em 26 de agosto de 2005, pelo Tabelionato de São João Novo, no Município de São Roque, quando os proprietários também foram representados pelo procurador ‘Luiz Ricardo Antunes’, juntando a procuração a ele outorgada, com poderes específicos para a venda do imóvel. Esclareceram que o Tabelionato de São João Novo, diligente, solicitou certidão sobre a dita procuração. Após todas as providências, o Tabelionato de São João Novo lavrou a escritura de venda e compra, em data de 28/08/2005. Aduziu que, supreendentemente, recebeu a citação de uma ação anulatória de escritura de venda e compra, proposta pelos supostos vendedores do imóvel recém adquirido pelo autor, sob a alegação de que a procuração outorgada ao Sr. Luiz Ricardo Antunes era falsa. Alega que o Sr. Tabelião do 6º Tabelionato de notas da Capital não procedeu a verificação da veracidade dos documentos e das informações que foram prestadas lavrando, em consequência, procuração falsa, que deu origem a venda e compra do imóvel, permitindo, assim, que o falsário agisse como mandatário do legítimo proprietário. Formalizada a compra e venda, que foi declarada falsa definitivamente em 12/05/2010, com o trânsito em julgado da ação anulatória. Afirmou, por fim, que os danos materiais e morais, ora pleiteados, restaram configurados, tendo em vista a desídia no atendimento do 6º Tabelionato de Notas da Capital, daí o ajuizamento desta ação.
A r. sentença, acolhendo a preliminar, suscitada pela FESP, reconheceu a prescrição, por entender que entre o termo inicial, ou seja, a data da ciência inequívoca (12/05/2010) e a propositura da ação em 12/05/2015, operou-se a prescrição. Desta forma, julgou extinta a ação com conhecimento do mérito e determinou que as custas e os honorários advocatícios, na ordem de 15% sobre o valor da causa atualizado, ficavam a cargo do autor (fls. 313/314).
Apela o autor, batendo-se pela inocorrência da prescrição, ao argumento de que o art. 184, “caput” do CPC, determina que deverá ser excluído o dia do começo e incluído o dia do vencimento. Assim, afirmou que o autor teve ciência inequívoca do fato no dia do trânsito em julgado da sentença anulatória, ou seja, no dia 12/05/2010, que deverá ser excluído, e distribuiu a presente demanda em 12/05/2015 que deverá ser incluído. Pugnou pelo afastamento da prescrição, bem como pela remessa dos autos à Vara de Origem para regular prosseguimento (fls. 316/319).
Processado o recurso, foram apresentadas contrarrazões (fls. 323/332), suscitando preliminarmente a ilegitimidade passiva do Estado de São Paulo para figurar no polo passivo, bem como a ocorrência da prescrição, que a seu ver deve pode ser contada de duas maneiras: a) a partir da lavratura da escritura em 26.08.2005 e o ajuizamento da demanda em 12.05.2015; ou b) da ciência inequívoca do fato em 12/05/2010 e a citação do apelado, que somente ocorreu em dezembro de 2016. Afirmou que em ambos os casos teria ocorrido a prescrição (fls. 323/332).
É o relatório.
Trata-se de ação de indenização ajuizada contra o Estado de São Paulo, na qual o autor alega que, em virtude da desídia do 6º Tabelionato de Notas da Capital foi induzido a erro e formalizou um negócio de venda em compra de um imóvel, com um falsário, detentor de uma procuração falsa, incorrendo em severos prejuízos, tanto de ordem material quanto moral.
Incialmente tem-se que no campo da prescrição das ações contra a Fazenda Pública ou desta contra terceiros, obedeceu-se uma sistematização inicial: a primeira seria quinquenal, excluída a relativa a direitos reais; a segunda haveria de obedecer às regras do Código Civil (Hely Lopes Meirelles, “Direito Administrativo Brasileiro”, págs. 687 e seguintes).
Já foi decidido que “sem embargo do disposto no art. 1º do Decreto nº 20.910/32, que expressamente prevê que a prescrição quinquenal tem aplicação em qualquer tipo de direito ou ação em face da Fazenda Pública, é assente na doutrina e na jurisprudência o entendimento de que, em se tratando de ações que envolvam direitos reais, o prazo prescricional é o comum, ou seja, o do Código Civil. Precedente: REsp. nº 623.511/RJ, Rel. Min. LUIZ FUX, DJ de 06/06/05.” (REsp 770.014/MT e AgRg no Ag 1230668/RJ, Rel. Min. Benedito Gonçalves, 1ª Turma, j. 11.05.2010, DJ 24.05.2010).
Fixado um termo para o exercício do poder dever de invalidar seus próprios atos, a Administração tem para tanto um prazo fixado pela origem do direito ou por norma especial. Dessa forma, se o direito discutido tem natureza real ou fulcro na legislação civil, sem qualquer implicação de direito público, o prazo se regula pelas normas do Código Civil. Em se tratando de direito vinculado ao direito público, o prazo prescricional é de cinco anos, na esteira do art. 1º do Decreto nº 20.910/32 que, nesta parte, foi repetido pelo art. 54 da Lei Federal nº 9.784/84. Por isso, é inócua a afirmação de que o prazo deste último dispositivo não se aplica retroativamente (Corte Especial STJ, MS nºs 9.112/DF e 9.157/DF, rel. Ministra Eliana Calmon; MS nº 9.115/DF, rel. Ministro Cesar Asfor Rocha; julgado em 16.02.05), pois anteriormente já havia tal normatização.
Como define PONTES DE MIRANDA, in Tratado de Direito Privado, Parte Geral, tomo VI, Campinas: Bookseller, 2000, página (p.) 135.: Prescrição é a exceção que alguém tem contra o que não exerceu, durante certo tempo, que alguma regra jurídica fixa, a sua pretensão ou ação. Serve à segurança jurídica e a paz pública para limite temporal à eficácia das pretensões e das ações. (negritei)
Vê-se, portanto, que a prescrição tem sido um dos temas mais divergentes e palpitantes, porquanto seu fim último é justamente a segurança jurídica e a paz pública.
José Fernando Simão, in “Prescrição e Decadência Início dos Prazos”, Editora Atlas, 2013, p.201 afirma: “No tocante à contagem dos prazos de prescrição e decadência, é necessário que se faça a conciliação de dois valores aparentemente antagônicos: justiça e segurança. Não se nega que, conforme leciona Heleno Taveira Torres, o direito, na forma de ordenamento jurídico, organiza-se para garantir a segurança jurídica. Contudo, o drama reside no fato de que a justiça e a segurança, embora caminhem normalmente a par, podem, em certos casos, ter exigências não coincidentes. Pode-se falar de uma repetida confrontação dos dois valores, cabendo à política resolver o conflito em cada caso. Com frequência, será necessário sacrificar a justiça por amor à segurança ou sacrificar a segurança por amor à justiça – ou sacrificar ambas parcialmente. Essa conciliação de valores é o que se pretende. Se toda a interpretação das regras referentes aos prazos decadenciais e prescricionais se pautar pela ideia de segurança jurídica, a conclusão a que se chega é a de que os prazos de iniciam assim que o evento ocorre (no caso de dano, por exemplo), ou quando da conclusão ou celebração do ato. É o que fez o Código Civil com relação à anulação de casamento… (omissis) Antonio Pérez-Luño explica que, se a segurança jurídica é um princípio será necessário elucidar sua relação com o valor jurídico basilar: a justiça. Parece claro que a justiça é uma condição da sociedade bem organizada. Daí a impossibilidade de se estabelecer uma antítese entre justiça e segurança, porque ambas comportam pressupostos e procedimentos inevitáveis para se garantir a boa ordem da sociedade. Não obstante essa coincidência básica, não se exclui a possibilidade de se reconhecerem perfis próprios da segurança jurídica que se traduzem em exigências objetiva de: correção estrutural (formulação adequada das normas do ordenamento jurídico) e correção funcional (cumprimento do direito por seus destinatários e, especialmente, pelos órgãos encarregados de sua aplicação). Com essa dimensão objetiva de segurança jurídica, apresenta-se sua concepção subjetiva por meio da certeza do direito. Esta se traduz, basicamente, na possibilidade de conhecimento prévio por parte dos cidadãos das consequências jurídicas de seus atos. Com isto, tende-se a estabelecer um clima de confiança na ordem jurídica, fundada em pautas razoáveis de previsibilidade. Para conciliação dos valores de justiça e de segurança quanto ao início da contagem dos prazos de prescrição e decadência, importante a reflexão de Giorgio Del Vecchio. Quem diz justiça, diz subordinação a uma hierarquia de valores e nada existe de mais contrário a tal princípio do que a arbitrária remoção dos limites que separam o lícito do ilícito, o mérito do demérito. Por conseguinte, nada perturba mais o nosso sentimento de justiça do que quando se tratam ou se compensam de igual modo os entusiastas e os indolentes, os bons e os maus, os inocentes e os culpados. As diversas energias individuais aguardam precisamente que a justiça as reconheça e trate proporcionalmente: é ilusório qualquer outro critério, mesmo se aparentemente apoiado em alguma oportunidade transitória; a miúdo, um esquecimento é culpa e uma compaixão imerecida é crueldade para com outrem. Por tal motivo (como já Santo Agostinho, perspicazmente observou), existe uma crueldade que perdoa, do mesmo modo que uma misericórdia que castiga. É necessário que se busque o fundamento para ora os prazos se iniciarem imediatamente, ora se iniciarem com ciência de determinado fato ou negócio, ou, como se vê em Giorgio Del Vecchio, corre-se o risco de se tratar de igual modo os entusiastas e os indolentes.”.
Prossegue o autor a p. 203, citando Mario Losano: “…. todo juízo de valor é irracional porque baseado na fé, e não na razão; nesta base, pois, é impossível indicar cientificamente ou seja, racionalmente um valor como preferível ao outro; portanto, uma teoria científica da justiça limita-se a enumerar os possíveis valores de justiça, sem apresentar um que seja preferível ao outro. Se o contrário fosse possível, e se preferisse a segurança jurídica à justiça, pela passagem inexorável do tempo linear, concluir-se-ia que todo e qualquer prazo decadencial ou prescricional se inicia imediatamente após a formação do negócio ou a ocorrência de um fato. Já se se preferisse a justiça à segurança, os prazos se iniciariam quando da ciência de um fato ou de um negócio jurídico. Na primeira situação, encontramos o tempo de Heráclito, em que tudo flui. Nada permanece igual e, por isso, direitos e pretensões fenecem. É o tempo da finitude, o tempo que não tem mais volta, o tempo linear. Na segunda situação, encontramos o tempo de Parmênides, em que tudo permanece. Há um conteúdo de eternidade, conforme a lição de Santo Agostinho. Foge-se do efeito aniquilador do tempo, pois, no caso concreto, este não conseguirá fluir. De certa forma, essa possibilidade de sempre se exercer pretensões ou direitos como forma de fuga do tempo e de seus efeitos, é o que Albert Einstein já preconizava quanto admitia uma possível viagem ao passado. Assim, a interpretação quanto ao início da contagem dos prazos não passa por excluir segurança jurídica, aplicando-se o valor da justiça, nem ao se fazer o inverso. A tese que se defende é a de que, apesar da dificuldade de aplicação da justiça (Serge-Christophe Kolm), é possível conciliar justiça e segurança sem apresentar um valor como preferível ao outro (Mario Losano).”.
Por outro lado, os diversos autores que se dedicaram aÌ análise do termo inicial da prescrição fixaram-no, sem divergência, no nascimento da ação (actio nata) – esta entendida com a pretensão quando então ocorria a violação de um direito.
Para Savigny, por exemplo, apontava que a actio nata caracterizava-se por dois elementos: a) existência de um direito atual, suscetível de ser reclamado em juízo e a b) a violação desse direito.
Já para Antônio Luís da Câmara Leal, ainda na vigência do Código Civil de 1916, já apontava as condições elementares para se verificar a ocorrência da prescrição: (i) a existência de uma ação exercitável (actio nata); (ii) a inércia do seu titular e (iii) a continuidade dessa inércia durante determinado período; e (iv) a ausência de algum ato ou fato impeditivo, interruptivo ou suspensivo do lapso prescricional.
É vetusta a polêmica em torno de ser ou não permitido um elemento subjetivo entre as condições da prescrição (a ciência inequívoca por parte do titular da pretensão) ou se esta deveria ser interpretada de modo estritamente objetivo (a violação da norma). Essa discussão ganha relevo especialmente em casos de ilícitos complexos, nos quais a relação entre a violação de algum direito e o resultado nocivo não são, a priori, tão evidentes.
De qualquer forma, não haveria prescrição sem negligência, nem negligência sem conhecimento da violação, pois, para que se pudesse considerar o comportamento desidioso, a inércia do titular teria que ser consciente.
Também em relação à feição subjetiva da actio nata o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) se divide igualmente em duas correntes: (i) a primeira que reconhece que o termo a quo da prescrição é o nascimento da pretensão, mas afirma que a sua contagem se dá a partir da lesão, independentemente de seu conhecimento pelo titular e (ii) a segunda, que reconhece que a contagem do prazo prescricional deve se dar a partir do momento em que o titular da pretensão toma ciência inequívoca da violação ou da lesão ao seu direito subjetivo.
No tocante à primeira corrente, confira-se o trecho extraído dos Recursos Repetitivos (REsp 1003955/RS e REsp 1028592/RS):
“TERMO A QUO DA PRESCRIÇÃO: o termo inicial da prescrição surge com o nascimento da pretensão (actio nata), assim considerada a possibilidade do seu exercício em juízo. Conta-se, pois, o prazo prescricional a partir da ocorrência da lesão, sendo irrelevante seu conhecimento pelo titular do direito”. (REsp 1003955/RS, Rel. Ministra ELIANA CALMON, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 12/08/2009, DJe 27/11/2009 e REsp 1028592/RS, Rel. Ministra ELIANA CALMON, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 12/08/2009, DJe 27/11/2009).
Já no tocante à segunda corrente, pode-se citar, à guisa de exemplo, as seguintes ementas:
“AGRAVO REGIMENTAL. PROCESSO CIVIL. CONSUMIDOR. RECURSO ESPECIAL. ART. 27 DO CDC. PRESCRIÇÃO. TERMO A QUO. PRINCÍPIO DA ACTIO NATA. CIÊNCIA INEQUÍVOCA DO ATO DANOSO. LAUDO TÉCNICO ATESTANDO O ATO ILÍCITO. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. “O curso do prazo prescricional do direito de reclamar inicia-se somente quando o titular do direito subjetivo violado passa a conhecer o fato e a extensão de suas consequências, conforme o princípio da actio nata” (REsp 1257387/RS, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 05/09/2013, DJe 17/09/2013) 2. A prescrição do art. 27 do Código de Defesa do Consumidor é de 5 (cinco) anos, começando a fluir com a data da ciência inequívoca do ato danoso, que no caso ocorreu com a elaboração de laudo técnico atestando a ocorrência de cobrança de encargos abusivos. Precedentes. 3. Agravo regimental não provido”. (AgRg no REsp 1324764/PB, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 15/10/2015, DJe 20/10/2015).
“RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E DIREITO AMBIENTAL. CONTAMINAÇÃO DO SOLO E DO LENÇOL FREÁTICO POR PRODUTOS QUÍMICOS UTILIZADOS EM TRATAMENTO DE MADEIRA DESTINADA À FABRICAÇÃO DE POSTES. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADO. PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL. SÚMULA Nº 7/STJ. NÃO CABIMENTO. CIÊNCIA INEQUÍVOCA. PRECEDENTES. 1. A demonstração do dissídio jurisprudencial pressupõe a ocorrência de similitude fática entre o acórdão atacado e o paradigma, o que não ocorreu no caso. 2. Inviável a incidência da Súmula nº 7/STJ a obstaculizar o conhecimento do recurso, visto que se trata, na espécie, tão somente de firmar posição sobre tese jurídica, isto é, qual o termo inicial para a contagem do prazo prescricional. Precedentes. 3. Não há como se presumir que, pelo simples fato de haver uma notificação pública da existência de um dano ecológico, a população tenha manifesto conhecimento de quais são os efeitos nocivos à saúde em decorrência da contaminação. 4. Na linha dos precedentes desta Corte Superior, o termo inicial do prazo prescricional para o ajuizamento de ação de indenização, por dano moral e material, conta-se da ciência inequívoca dos efeitos decorrentes do ato lesivo. 5. Recurso especial parcialmente conhecido e nesta parte não provido, para dar prosseguimento ao processo”. (REsp 1346489/RS, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 11/06/2013, DJe 26/08/2013).
Assim, embora a orientação do STJ ainda esteja dividida em se tratando do caráter subjetivo da prescrição, não se pode negar que a Súmula 278/STJ admite que o lapso prescricional só se dá a partir da ciência inequívoca, senão confira a redação dada à Súmula 278: “O termo inicial do prazo prescricional, na ação de indenização, é a data em que o segurado teve ciência inequívoca da incapacidade laboral” (e não da data do acidente), o que podemos, por analogia, transportar para outras áreas do direito.
É, portanto, a partir ciência inequívoca da violação de um direito que esse se considera violado; não basta a sua violação, sendo necessário a ciência inequívoca do fato, a partir da qual se inicia a fluência do prazo prescricional. Ainda que seja juridicamente possível o exercício da pretensão desde a violação do direito, não há como se exigir de seu titular que ajuíze a ação antes da ciência da ilicitude e seus efeitos.
Nesse passo, a pretensão do apelado para que seja mantido o reconhecimento da prescrição não merece prosperar.
A uma porque não se pode considerar como termo inicial a data da lavratura da escritura, época em que, obviamente, o autor, não tinha ciência inequívoca do fato. Lembre-se, não há como se exigir de seu titular que ajuíze a ação antes da ciência da ilicitude e seus efeitos.
A duas porque, segundo a Súmula nº 106 do STJ, dispõe: “Proposta a ação no prazo fixado para o seu exercício, a demora na citação, por motivos inerentes ao mecanismo da justiça, não justifica o acolhimento da arguição de prescrição ou decadência.” Assim, a demora da citação, tendo em vista que a mesma ocorreu somente em dezembro de 2016, não se presta a fundamentar a ocorrência da prescrição.
Assim, com razão o apelante, pois considerando termo a quo da prescrição como sendo a data do trânsito em julgado da decisão proferida nos autos da ação anulatória, ou seja, em 12/05/2010, excluindo-se o primeiro dia (art. 184, “caput” do CPC) e a data da propositura da ação em 12/05/2015, não há que se falar em prescrição.
Por segundo, a preliminar de ilegitimidade passiva foi bem afastada.
Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público, nos termos do art. 236 da CF, competindo ao Estado fiscalizá-los e zelar para que sejam prestados com rapidez, qualidade satisfatória e de modo eficiente (arts. 37 e 38 da Lei n. 8.935/94).
O C. Supremo Tribunal Federal possui entendimento, reconhecendo a responsabilidade objetiva do Estado pelos atos praticados por seus delegados, nos termos do art. 37, §6º, da CF:
“Agravo regimental no recurso extraordinário. Atividade notarial e de registro. Danos materiais. Responsabilidade objetiva do Estado. Possibilidade. Precedentes. 1. A Suprema Corte já assentou o entendimento de que o Estado responde objetivamente pelos danos causados a terceiros em decorrência da atividade notarial, cabendo direito de regresso contra o causador do dano em caso de dolo ou culpa, nos termos do art. 37, § 6º, da Constituição Federal. 2. Agravo regimental não provido” (AgR. no RE. n. 788.009, rel. Min. Dias Toffoli, j. 19.8.2014).
“CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL DO ESTADO. TABELIÃO. AGENTE PÚBLICO. ART. 37, § 6º, DA CF/88. 1. A função eminentemente pública dos serviços notariais configura a natureza estatal das atividades exercidas pelos serventuários titulares de cartórios e registros extrajudiciais. RE 209.354/PR. 2. Responsabilidade extracontratual do Estado caracterizada” (AgR. no RE. n. 551.156, rel. Min. Ellen Gracie, j. 10.3.2009). “1. Agravo regimental em agravo de instrumento. 2. Responsabilidade civil do Estado. Danos morais. Ato de tabelionato. CF, art. 37, § 6º. Cabimento. Precedentes. 3. Agravo regimental a que se nega provimento” (AgR. no AI. n. 522.832, rel. Min. Gilmar Mendes, j. 26.2.2008).
Portanto, afasto a preliminar de ilegitimidade passiva, para manter o Estado de São Paulo no polo passivo da lide.
Ante o exposto, DÁ-SE PROVIMENTO AO RECURSO DE APELAÇÃO DO AUTOR, a fim de afastar a prescrição e consequentemente a extinção da ação, bem como determinar a remessa dos autos à origem para prosseguimento da demanda.
DES. AMORIM CANTUÁRIA
Relator
Assinatura Eletrônica
Dados do processo:
TJSP – Apelação Cível nº 1017097-12.2015.8.26.0053 – São Paulo – 3ª Câmara de Direito Público – Rel. Des. Amorim Cantuária – DJ 17.11.2017