(Princípio da prioridade registral -Nona parte)
 
611. Tratemos agora do que dispõe o art. 190 da Lei nacional n. 6.015, de 1973:
 
“Apresentado título de segunda hipoteca, com referência expressa à existência de outra anterior, o oficial, depois de prenotá-lo, aguardará durante trinta (30) dias, que os interessados na primeira promovam a inscrição. Esgotado esse prazo, que correrá da data da apresentação, sem que seja apresentado o título anterior, o segundo será inscrito e obterá preferência sobre aquele”.
 
Confirmou-se este preceito pelo que veio a enunciar o Código civil de 2002, em seu art. 1.495:
 
“Quando se apresentar ao oficial do registro título de hipoteca que mencione a constituição de anterior, não registrada, sobrestará ele na inscrição da nova, depois de a prenotar, até trinta dias, aguardando que o interessado inscreva a precedente; esgotado o prazo, sem que se requeira a inscrição desta, a hipoteca ulterior será registrada e obterá preferência”.
 
Já a norma do art. 837 do Código civil de 1916 assim previa:
 
“Quando, antes de inscrita a primeira, se apresentar ao oficial do registro, para inscrever, segunda hipoteca, sobrestará ele na inscrição desta, depois de a prenotar, até trinta dias, aguardando que o interessado inscreva primeiro a precedente”.
 
Este dispositivo abonou-se, adiante, pelo preceito do art. 198 do Regulamento de 1928 (o Decreto 18.542, de 24-12), que assim ditava:
 
“Se for apresentado título de segunda hipoteca, com referência expressa à existência de outra anterior, o oficial, depois de protocolá-lo, esperará 30 dias que o interessado na outra promova o registro com a devida preferência”.
 
E o Regulamento brasileiro de 1939 −Decreto n. 4.857− confirmou-o:
 
“Se for apresentado título de segunda hipoteca, com referência expressa à existência de outra anterior, o oficial, depois de prenotá-lo, esperará trinta dias, que o interessado na outra promova o registo com a devida preferência. Esgotado esse prazo, que correrá da data da apresentação, sem que apareça o primeiro título, o segundo será registado e obterá preferência sobre aquele”,
 
612. A referência à “segunda hipoteca” nestes dispositivos é apenas uma exemplificação redutora, porque não há limite para a pluralidade de hipotecas sobre um mesmo imóvel. Falar em segunda hipoteca é aí falar em hipoteca que secunda eventualmente outra, que goza de preferência relativa somente secundária.
 
Vem de molde esta lição de Affonso Fraga:
 
“A constituição por parte do devedor de uma primeira garantia hipotecária sobre um prédio qualquer do seu exclusivo domínio, o não inibe de constituir segunda, terceira ou mil sobre o mesmo prédio e exceda ou não o seu valor a soma dos créditos a garantir”.
 
Desta maneira, apresentado que seja a registro um título de quarta, quinta, vigésima ou milésima hipoteca, a espera protocolar dos 30 dias é a de todas as possíveis hipotecas de graus antecedentes, todas elas fruindo de preferência sobre as pósteras. Assim, se Tício, ad exemplum, solicita o registro de uma terceira hipoteca (e a indicação de que se trata de segunda, terceira ou décima hipoteca deve ser expressa na escritura) tem-se de esperar, no trintídio que se conta do protocolo, eventual apresentação de títulos de primeira e segunda hipotecas, ambas preferentes à terceira.
 
É doutrina de Carvalho Santos:
 
“O Código [civil de 1916] fala em segunda hipoteca, mas a regra se aplica no caso de terceira hipoteca, quando a segunda, por exemplo, não foi ainda inscrita, ou não o foram a primeira e a segunda.
 
Nem outra pode ser a solução, porque o intuito da lei foi garantir os direitos das hipotecas anteriores, prestigiando-as, a bem dos interesses gerais da confiança no crédito, sem que com isso prejudique os interesses dos credores posteriores”.
 
E, na mesma linha, mais recentemente, lecionou Valmir Pontes.
 
613. O prazo de prenotação de uma hipoteca secundária (secundária, no sentido apontado, seja a segunda, seja a milésima, etc.) não é (ou, quando menos, pode não ser) equivalente a 30 dias, porquanto, suposto se apresente, no trigésimo dia de protocolização de um título de segunda hipoteca, o título da primeira sobre o mesmo imóvel, o registro daquela garantia terá de sobrestar-se até o registro da hipoteca preferente (o que poderá despender um trintídio, por exemplo; ou mais: conjecture-se a suscitação de dúvida acerca do registro de uma primeira hipoteca). De toda sorte, ainda quando não se apresente um título de primeira hipoteca, o registro da segunda hipoteca só se fará após o trigésimo dia
 
Note-se, todavia, que já Clóvis Beviláqua ensinava que a segunda hipoteca, uma vez apresentado o título da primeira, perderia o número de ordem da prenotação. Diz o autor:
 
“A hipótese (…) é a de uma hipoteca somente, que se apresenta como segunda, para a inscrição. O oficial do registro prenota-a, mas não a inscreve, à espera de que apareça a primeira. Se esta não aparecer, passados trinta dias far-se-á inscrição, com o número de ordem que lhe competir pela prenotação. Vindo a registro, dentro desse prazo, a primeira hipoteca, tomará o número que lhe couber, e a segunda perderá o da prenotação para ser colocada em seguida à primeira. Se a primeira hipoteca for apresentada depois de decorridos os trinta dias, sofrerá desclassificação, pois, necessariamente, terá de inscrever-se depois da segunda, que ficará sendo primeira. A prioridade é determinada pelo registro, e este assinala à segunda hipoteca um número de ordem anterior ao da primeira, dando-lhe preferência sobre esta. A escritura é título de um direito pessoal; embora declare que a hipoteca é primeira, as suas enunciações não prevalecem contra o número de ordem do registro, de cujo Protocolo deverá constar, na coluna das observações, o motivo dessa discrepância entre a precedência do instrumento e da inscrição”.
 
No mesmo sentido, sustentou Carvalho Santos:
 
“Se, porém, no prazo de trinta dias, o credor da primeira hipoteca leva à inscrição o seu título, a prenotação da segunda não produzirá efeito, figurando a primeira hipoteca com o número que lhe couber [,] e a segunda com o número imediato, que será, certamente, outro que não o da prenotação”.
 
E não foi outra a orientação de Afrânio de Carvalho, cancelando-se a prenotação inaugural do título da segunda hipoteca, que deve passar para o número de ordem seguinte ao do protocolo da primeira hipoteca.
 
A posição firmada por estes três grandes juristas é de todo ortodoxa e assenta-se no respeito pela ordem do protocolo, por sua estrita numeração sequencial. Não é demasiado, entretanto, observar que a preservação do protocolo inaugural da segunda hipoteca tem a vantagem de evitar algumas possíveis vicissitudes que aflijam o direito posicional do segundo credor hipotecário.
 
Valmir Pontes ensina, a propósito, que, aparecendo, no trintídio posterior ao protocolo da segunda hipoteca,
 
“algum outro título que onere o imóvel hipotecado, ou que lhe possa acarretar a alienação, prejudicado não ficará, por isso, o direito do credor da segunda hipoteca, que terá prioridade sobre esse outro título de oneração ou alienação”.
 
De fato, pode pensar-se, ad exempla, em que, entre o protocolo da segunda hipoteca e o póstero, qual seja: o da primeira, haja um título de alienação do imóvel, ou de sua indisponibilidade. Se as sós circunstâncias da apresentação e da prenotação, no trintídio, do título de primeira hipoteca levarem ao perdimento rigoroso do número de ordem da segunda, ter-se-á o evidente risco de, no interregno entre as duas prenotações, avantajar-se um título oposto então às duas hipotecas. E com isto, haveria manifesta ofensa do direito de prioridade da prenotação inicial, sem que beneficie a primeira hipoteca: a lei prevê beneficiar-se com prazo mais largo a primeira hipoteca, não todos os títulos opostos à segunda hipoteca. Mas como admitir a conservação da eficácia prioritária da segunda hipoteca em face de títulos opostos no intercurso do trintídio de espera, se a prenotação inaugural for cancelada?
 
É de todo controverso o tema, porque, de um lado, a preservação protocolar da segunda hipoteca favorece-se do entendimento de o protocolo possuir apenas vitalidade interina, é dizer: de a vida do protocolo registral ser apenas a anterior à efetividade da inscrição permanente. Uma vez cumprida esta última, o protocolo perde eficácia em ato. É doutrina de Afrânio de Carvalho, com efeito, a de que o livro de inscrição definitiva “exterioriza para o público a situação jurídica do imóvel”, e é a inscrição definitiva a que “regula externamente a posição dos direitos”.
 
Mas, de outro lado, como admitir que o registro de uma primeira hipoteca, de prenotação tardia, perfaça-se com número de ordem protocolar posterior ao do registro da segunda hipoteca  que tem número anterior de protocolo? Como afirmar que a segunda hipoteca retroage à data de sua prenotação original, se a primeira hipoteca retrocede a uma data mais recente?