Os cartórios da cidade de São Paulo estão realizando oito mudanças de nome e sexo por dia no registro de nascimento de transexuais e transgêneros sem a exigência de autorização judicial. Foram 240 procedimentos do tipo de 21 de maio a 21 de junho, segundo levantamento da Associação dos Registradores de Pessoas Naturais do Estado de São Paulo (Arpen).
 
Essa garantia de direito só está sendo possível porque em 21 de maio foi publicado no Diário Oficial o provimento número 16/2018 da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo, padronizando os procedimentos em todos os cartórios. A medida foi tomada dando efetividade à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), de março deste ano, determinando que as trocas devem ser feitas, independente de autorização judicial e também sem a obrigatoriedade de a pessoa ter feito a cirurgia de redesignação sexual, popularmente chamada de mudança de sexo.
 
Antes, cabia a cada titular de cartório realizar ou não as trocas nos registros, assim como a indicação dos documentos a serem solicitados. Na maioria das vezes, exigiam autorização judicial, o que poderia levar anos até a pessoa conseguir de fato ter sua nova identidade de gênero anotada no documento.
 
“Socialmente as pessoas trans já eram conhecidas pelos nomes que escolheram, então o que o direito fez foi evoluir e acompanhar esta demanda já comum na sociedade”, diz Adolpho José Bastos da Cunha, oficial do Cartório Cerqueira César, na Zona Oeste, a unidade campeã de registros no período, totalizando treze procedimentos (confira no fim do texto quais documentos levar e como proceder).
 
Morador de Santana e profissional de webdesign, Nicolas Issaho, de 19 anos, foi o primeiro a retirar seu novo RG no cartório de Cerqueira César. “Em apenas uma semana ficou pronto e quando peguei nas mãos eu nem acreditei. Liguei para minha mãe e começamos a chorar juntos ao telefone”, relata ele que trocou no documento a identidade feminina para a masculina, como se enxerga desde que era uma criança.
 
Issaho escolheu ter o nome Nicolas após participar de um projeto social em uma casa de acolhimento de crianças e a primeira que teve contato foi um menino de 3 anos com esse nome.
 
A nova norma vai possibilitar as pessoas trans a expressarem sua identidade de gênero com mais tranquilidade, evitando que passem por constrangimentos diários nos ambientes sociais, seja na universidade, escola ou mesmo numa consulta em um serviço público de saúde. “Um dos motivos que me fez deixar a faculdade de design, por exemplo, foi porque os professores e funcionários não respeitavam meu nome social. Na chamada falavam o meu nome de nascimento e eu me recusava a responder e sempre levava falta”, afirma.
 
Issaho conta só ter coragem de revelar que era trans, ou seja, que se identificava como sendo do gênero oposto, aos 17 anos de idade, para sua mãe. Aos 18, revelou para toda a família. “Fui privilegiado. Minha mãe me deu apoio e começou a pesquisar tudo sobre o assunto para me ajudar”, diz. Desde então, ele faz acompanhamento psicológico e toma hormônios receitados por um endocrinologista para bloquearem as características femininas e ressaltarem as masculinas, por exemplo, como crescimento de pelos. “Agora com meu novo RG não preciso ter medo de nada e nem tentar esconder quem eu sou”, diz.
 
COMO PROCEDER E QUAIS DOCUMENTOS LEVAR:
 
Podem realizar a alteração de nome e sexo diretamente nos cartórios pessoas maiores de 18 anos que tenham capacidade de expressar sua vontade de forma inequívoca e livre.
 
Os interessados devem se dirigir a qualquer uma das unidades do estado e preencher pessoalmente o requerimento de alteração e apresentar os seguintes documentos: RG, CPF, título de eleitor; certidões de casamento e de nascimento dos filhos, se existirem; e comprovante de residência.
 
Também devem ser apresentadas certidões dos distribuidores cíveis e criminais da Justiça Estadual e Federal e da Justiça do Trabalho, todos são obtidos gratuitamente pela internet nos seguintes endereços: http://www.tjsp.jus.br/, http://www.trf3.jus.br/ e http://www.tse.jus.br/.
 
“Isso serve basicamente para sabermos se há algum processo em tramitação e podermos informar aos órgãos competentes as mudanças, ou seja, não causa nenhum impedimento”, explica o escrevente Rafael Felipe de Souza Santos.
 
Além disso, também são necessárias certidões dos dez cartórios de protesto, que custam 129,20 reais e podem ser obtidas também pela internet em https://www.protestosp.com.br/. No final, é necessário pagar um valor ao cartório de 130,81 reais, caso a pessoa ateste que é de baixa renda não precisará arcar com essa quantia. Os Cartórios de Protesto informam que são parceiros da prefeitura e por meio do programa Transcidadania é possível obter de forma gratuita certidões negativas de débito para que as pessoas possam mudar de nome sem deixar títulos protestados no nome antigo.
 
Feita a alteração na certidão de nascimento, o cidadão deverá providenciar a mudança do nome e gênero nos demais documentos junto aos respectivos órgãos emissores. Uma nova alteração do nome e/ou sexo somente será possível via judicial.