Situações envolvendo arquivos virtuais estão se tornando comuns e desafiam a Justiça, já que ainda não existe solução regulamentada
 
Redes sociais, e-mails, arquivos de música, filmes, fotos e moedas virtuais. A quem é reservado o direto de acesso a essas informações de pessoas que já morreram?
 
Apesar de ainda não haver uma solução regulamentada em relação ao assunto, a Justiça já tem decisões referentes a pedidos relacionados com herança digital. No País, dois casos foram julgados pela Justiça de Minas Gerais e do Mato Grosso do Sul.
 
Em Minas, uma mãe que pedia para ter acesso aos dados da filha morta arquivados em uma conta virtual teve o pedido negado. Em sua decisão, o magistrado considerou que a mãe teria acesso às informações de terceiros.
 
Já no Mato Grosso do Sul, um pedido de uma mãe para apagar o perfil da filha que morreu foi atendido. O Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJ/ES) não soube informar se há algum processo referente ao assunto no Estado.
 
A reportagem conversou com alguns juízes que explicaram que ainda não tinham se deparado com uma situação como essa no Espírito Santo. Eles reconheceram que é algo que precisa ser pensado, já que tende a ser cada vez mais comum.
 
O advogado Gustavo Varella reforçou que não há uma regulamentação sobre herança digital, mas deixou claro que, em vida, o cidadão pode indicar alguém para poder acessar esse conteúdo.
 
Se a pessoa que morreu não tiver indicado herdeiro no campo disponível para isso em algumas redes sociais e nem tiver deixado testamento, não tem como fugir dos mecanismos atuais. “Nesses casos, a família que quer ter acesso à herança digital deve entrar com uma ordem judicial para isso”, explicou.
 
O Facebook já disponibiliza a opção de “Seu contato herdeiro”. Contudo, o doutorando em Ciências da Computação pela Ufes, Marcello Novaes, acredita que as pessoas podem ter receio de indicar um herdeiro digital, em um primeiro momento, até estarem esclarecidas sobre o processo para que este herdeiro tenha acesso às suas contas.
 
Em relação ao dinheiro virtual, o investidor e consultor do Libertas Bank, assessoria especializada em finanças digitais em Vitória, Daniel Herkenhoff, disse que em algumas situações será impossível deixar as moedas virtuais como herança.
 
Falta consenso sobre o que pode ou não ser acessado
 
Ainda não há consenso sobre o que pode ou não ser considerada herança digital e o assunto divide especialistas em busca de respostas. Por um lado, há quem defenda que é todo conteúdo de contas ou arquivos digitais, independente do valor econômico. Por outro, há quem acredite que somente os conteúdos que têm valor econômico possam ser herdados.
 
Dessa forma, é discutido, por exemplo, se o herdeiro poderia ter acesso às mensagens de WhatsApp e às conversas no Facebook, cuja página não seja comercial, além de vídeos de conversa no Skype, da pessoa que morreu. A preocupação é para que não sejam desrespeitados os direitos do morto, como o direito à intimidade e à dignidade.
 
O advogado Flávio Fabiano afirma que da mesma forma como existe um inventariante do patrimônio material, deveria haver um inventariante do patrimônio imaterial.
 
“Acredito que como herança digital deve ser considerado o conteúdo digital que tem valor econômico ou comercial. Se não tem, não deve ser utilizado, sob pena de multa e ação penal por desrespeito à intimidade e à dignidade do morto”, defendeu.
 
Ele lembrou que a exceção seria em caso de crime. Em uma situação, por exemplo, em que a morte fosse consequência de crime. Nesses casos ele defende que a informação seja acessada judicialmente.