PROVIMENTO CG Nº 44/2015
(Processo nº 2015/147075)

  
(Republicado por determinação judicial e consolidado com as alterações promovidas pelos Provimentos CG nº 15/2016 e 26/2017)
  
Regulamenta, no âmbito administrativo, o procedimento específico para apuração de denúncia de casos envolvendo tortura de criança ou adolescente por ação ou omissão de agentes públicos.
 
 O DESEMBARGADOR HAMILTON ELLIOT AKEL, CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA, no uso de suas atribuições legais,
CONSIDERANDO a vedação expressa à tortura no âmbito do Sistema Internacional de Direitos, prevista na Declaração Universal de Direitos Humanos (1948), no Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (em vigor no Brasil pelo Decreto nº 592/1992) na Convenção contra a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes (em vigor no Brasil pelo Decreto nº40/1991) e seu Protocolo Facultativo (em vigor no Brasil pelo Decreto nº 6.085/2007), bem como na Convenção sobre os Direitos das Crianças (em vigor no Brasil pelo Decreto nº 99.710/1990) e os diversos conjuntos de princípios das Nações Unidas;
CONSIDERANDO também a expressa vedação à tortura no âmbito do Sistema Interamericano de Direitos Humanos, prevista na Convenção Americana de Direitos Humanos – Pacto de San José da Costa Rica (em vigor no Brasil pelo Decreto nº 678/1992) e na Convenção interamericana para prevenir e punir a tortura (em vigor no Brasil pelo Decreto nº 98.386/1989);
CONSIDERANDO a proibição à tortura e a responsabilidade penal de seus autores nos termos da Constituição Federal e da Lei nº 9.455/1997 e o Sistema Nacional de Prevenção e COMBATE a Tortura criado pela Lei nº 12.847/2013;
CONSIDERANDO as referências mínimas para documentação e investigação eficazes da tortura previstas no Protocolo de Istambul e no Protocolo Brasileiro de Perícia Forense no Crime de Tortura;
CONSIDERANDO, outrossim, Recomendação nº 49/2014 do C. Conselho Nacional de Justiça;
CONSIDERANDO, ainda, a importância do Poder Judiciário na erradicação da tortura e responsabilização dos seus autores;
CONSIDERANDO, por fim, o exposto e decidido nos autos DICOGE nº 2015/112295,

RESOLVE:
Artigo 1º – Sempre que os Juízes de Direito, inclusive no plantão judiciário, tomarem conhecimento de notícias, indícios ou suspeitas de que uma criança ou adolescente, sob custódia ou poder de agentes ou instituições públicas, inclusive instituições de acolhimento e internação, sofreu qualquer tipo de agressão ou tortura por ação ou omissão de agentes públicos, deverão imediatamente determinar, sem prejuízo de outras providências, a realização de exame de corpo de delito em até 24 (vinte e quatro) horas.1
§1º – Na hipótese de o conhecimento ter ocorrido durante o plantão judiciário ordinário ou extraordinário, após a imediata determinação de exame de corpo de delito, deverá ser determinada a abertura de conclusão ao magistrado no primeiro dia útil subsequente.2
§2º – Os juízes poderão, antes ou depois da vinda do laudo de exame de corpo de delito, realizar a oitiva dessa criança ou adolescente.3
Artigo 2º Os exames de corpo de delito deverão ser realizados e os laudos apresentados de acordo com o disposto no Protocolo Brasileiro de Perícia Forense no Crime de Tortura, requisitando-se expressamente:
a) A identificação do periciando com fotografia de sua face no laudo;
b) coleta de impressão digital para identificação na requisição do exame;
c) Que no histórico do exame de lesão corporal deverão constar informações completas e detalhadas do evento, incluindo informações de doenças pregressas e traumas anteriores;
d) O registro em esquemas corporais de todas as lesões eventualmente encontradas. Se possível e, preferencialmente, deverá ser realizada documentação fotográfica de todas as lesões;
e) Que a perícia médico-legal deverá ser realizada em ambiente tranquilo, privado, sem a presença de condutores, possibilitando que o periciando informe livremente sobre agressões sofridas e se apresente totalmente despido;
f) Se a presença dos condutores for necessária para garantir a segurança do médico legista, isto deve ser consignado no laudo de maneira fundamentada, identificando os condutores com nomes, cargos e número de seus documentos;
g) Que o médico-legista deverá realizar uma descrição do estado emocional em que o periciando se apresenta, consignando no laudo alterações que julgar pertinentes. Caso necessário, deverá solicitar exames complementares de caráter psiquiátrico à vítima;
h) Que nos caso de perícias negativas (ausência de lesões), recomenda-se que a perícia seja acompanhada por um segundo médicolegista, que deverá assinar conjuntamente o laudo, não sendo recomenda a documentação fotográfica de corpo inteiro nu;
i) A remessa do laudo diretamente ao Juízo em até 72 (setenta e duas) horas.
Artigo 3º Deverá ainda ser determinado expressamente que, nos casos em que a pessoa a ser examinada tiver sido previamente atendida em pronto socorro, enfermaria ou outro equipamento de saúde, os relatórios desse atendimento e eventuais exames, ainda que em cópias, sejam apresentados ao médico perito, juntamente com a pessoa, no momento da perícia.
Artigo 4º As oitivas judiciais das vítimas, referidas no §2º do art. 1º, devem ocorrer na presença do Ministério Público e da Defensoria Pública ou defensor constituído ou nomeado, em ambiente tranquilo e, sempre que possível, sem a presença de condutores ou agentes de escolta, para que tenham a oportunidade de narrar ao Juízo as situações de violência sofridas, devendo o depoimento ser preferencialmente gravado em vídeo.4
§ 1º Caso imprescindível a presença de condutores ou agentes de escolta, o Juízo deverá justificar em termo de modo específico e fundamentado, determinando que tal encargo não possa recair em agentes da unidade ou estabelecimento de origem da pessoa a ser ouvida ou que possam ter qualquer relação com a violência por ela sofrida.
§ 2º Na hipótese de oitiva judicial e de haver mais de uma vítima do mesmo fato, elas devem ser ouvidas individualmente e em termos apartados.5
Artigo 5º Deverá ser expressamente vedada a condução, transporte, escolta ou qualquer tipo de acompanhamento das vítimas por agentes que sejam suspeitos de terem se envolvido, por ação ou omissão, na violência por elas suportada, principalmente para realização de exames de corpo de delito, audiências judiciais e transferências de estabelecimentos.
Artigo 6º A remessa de informações e documentos a quaisquer órgãos correcionais, às autoridades policiais e ao Ministério Público deverá ser acompanhada da expressa determinação da adoção de todas as medidas para resguardar a segurança e a integridade das vítimas, especialmente evitando a sua exposição a represálias.6
Artigo 7º Na hipótese de haver risco de morte ou de perpetuação da violência, deverá o Juízo adotar as medidas necessárias a resguardar a vida e a integridade das vítimas, inclusive determinando a sua transferência para outro estabelecimento ou inclusão em programas de proteção como o PROVITA (Programa Estadual de Proteção a Vítimas e Testemunhas) e o PPCAAM (Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte), conforme o caso.7
Artigo 8º Os procedimentos instaurados no âmbito judicial, inclusive por Juízos Corregedores, deverão observar, preferencialmente, o disposto na Recomendação nº 49/2014 do Conselho Nacional de Justiça, notadamente buscando:8
a) fotografias e filmagens dos agredidos;
b) listagem geral das pessoas sob cuidado ou custódia no mesmo estabelecimento no dia dos fatos, verificando a necessidade de requisição de exames periciais em outras potenciais vítimas;
c) cópia do livro de enfermaria e registros de atendimento do mesmo dia e dias subsequentes dos fatos, para identificar outras possíveis vítimas;
d) oitiva em Juízo de diretores e responsáveis pelo equipamento onde tenha ocorrido a agressão ou tortura;
e) sempre gravar em vídeo os depoimentos, bem como instar outras autoridades que também investiguem os fatos a filmarem os depoimentos no âmbito de seus procedimentos.
Artigo 9º As notícias relativas a agressões ou tortura, o processamento e a expedição de documentos compreendidos no âmbito deste provimento, devem ser tratados de forma urgente e prioritária pelos ofícios judiciais, promovendo-se a imediata conclusão dos autos para apreciação judicial e célere cumprimento das determinações.9
Artigo 10 Este provimento entra em vigor na data de sua publicação.10
São Paulo, 14 de outubro de 2015.