Animais não humanos e sua natureza jurídica sui generis, tornando-se assim sujeitos de direitos despersonificados. Uma breve análise do PL 27/18.
 
Como consequência da consciência nascida nas últimas décadas, nas sociedades preocupadas com os direitos humanos, existe uma corrente, a nível internacional, verdadeiro irradiação do conceito do constitucionalismo global, cada vez mais difundida, que visa estabelecer as bases do respeito que deve regular o relacionamento de pessoas com os seres vivos do ambiente deles / delas e especialmente com animais. Na verdade a causa dos direitos dos animais não é antagônica à dos direitos dos humanos, geneticamente animais. É esse movimento que, em princípio, assegura os direitos ligados aos direitos humanos;  direitos das mulheres; LGBTs e demais minorias. Além disso,  presumir e  atribuir-lhes características inferiores e limitativas –, é algo extremamente curioso e paradoxal quando analisamos nossas semelhanças com os animais, principalmente ao sabermos que partilhamos mais de 98% do nosso DNA com os chimpanzés ou, inclusive, o fato de ser possível a xenotransplantação.
 
Vários países preocuparam-se com esse tema e já o normatizaram, a exemplo e semelhança do PL 27/18. Áustria, Alemanha e Suíça indicam expressamente que os animais não são coisas. Por outro lado, França e Portugal dispõem que se trata de seres dotados de sensibilidade. O Código Civil Alemão, BGB, por sua vez, prevê, em seu § 90-A, que “os animais não são coisas. Os animais são protegidos por leis especiais. Eles são regulados pelas regras relativas às coisas, com as necessárias modificações exceto se de outra maneira for previsto”. Já o Código Civil Francês previu que “os animais são seres vivos dotados de sensibilidade. Salvo disposição especial que os proteja, os animais são submetidos ao regime dos bens”
 
No Brasil, a jurisprudência e a doutrina se dividem em basicamente três correntes. A primeira se dedica a elevar os animais ao status de pessoa, haja vista que, no cerne da temática, todos nós somos animais, devendo-se, assim, serem atribuídos direitos de personalidade para eles. A segunda corrente (aplicada integralmente no presente Projeto de Lei) defende uma separação de conceitos, com a intenção de  diferenciar “pessoa” de “sujeito de direitos”, possibilitando a irradiação do ordenamento jurídico aos animais, sem atribuir-lhes propriamente uma personalidade dita. A terceira corrente defende que se mantenha a visão de hoje, ou seja, que sejam considerados semoventes e classificados como “coisa”. Ousaremos, ainda, falar em uma eventual quarta corrente, baseado no atual arcabouço jurídico, teoria de bens, devendo ser aplicada até que seja editada Lei que altere o status dos animais no Código Civil e na legislação competente. Para aplicação dessa corrente, atualmente, existe uma concepção moderna na relação jurídica, à qual parte da doutrina apelidou de “elemento funcional”. A ideia é oferecer uma explicação convincente de sua tese sobre a ligação dos efeitos da relação jurídica, que dá dinamismo aos elementos da relação, ou seja, a função teria um elemento integrador e justificador, tornando-se possível e suficiente uma relação jurídica sem sujeitos, aplicando integralmente aos animais, de acordo com o caso concreto.
 
De qualquer forma, com aprovação do referido projeto, teremos a concretização dos direitos fundamentais, além do cumprimento parcial da Declaração Universal dos Direitos Animais de 1978, que o Brasil é signatário, havendo lei em sentido estrito para proteção e tutela dos animais, alterando substancialmente nosso ordenamento jurídico.
 
O avanço é imensurável, no entanto, os aspectos práticos será bem complexo. Tanto para os mais radicais, que acreditam na necessidade de proteção isonômica, tanto para os antropocentristas médios quanto para os especistas, ficará uma margem hermenêutica ao intérprete para solução do caso, que muitas vezes poderá modular a efetividade dos direitos animais. É bem verdade que o Código Alemão(BGB), foi inovador em separar as “coisas” dos “animais”. O referido código estabelece que a proteção jurídica deve ser concedida aos animais.  O art. 90º do Código Civil Alemão (BGB), introduzido em 1990, distingue a natureza jurídica dos animais das coisas, determinando a sua regulação em legislação especial, mas estabelecendo o recurso subsidiário às normas relativas às coisas. Nesse contexto, desde 1990, o BGB deixou de considerar os animais como “coisas” (§ 90a) e, a partir de maio de 2002, a Constituição passou a consagrar o dever estadual de proteção e de respeito pelos direitos dos animais, funcionalizando-os, embora juntamente com bases naturais da vida, ao interesse das gerações futuras (art. 20a). Com isso, obteve, inclusive, a prevalência de alguns direitos dos animais sobre interesses religiosos e científicos dos humanos. O Código Civil Português também adotou a mesma solução, alçou os animais para uma tutela especial (senciencia) mas deixou expresso à aplicabilidade subsidiária ao conceito de propriedade, o que diferentemente do nosso projeto que veda a possibilidade de seu tratamento de coisa
 
A previsão do artigo 225, parágrafo 1º, inciso VII, na Constituição de 1988, pode ser considerada um marco para o reconhecimento, no Brasil, do valor intrínseco a todos os animais. A Constituição acabou permitindo uma interpretação que contemplasse a dignidade animal e viabilizou a construção jurisprudencial do conceito de não crueldade animal.
 
Nesse sentido, vale pontuar que alguns precedentes oriundos do Supremo Tribunal Federal se fundamentaram no referido artigo 225, parágrafo 1º, VII, para proibir a “farra do boi” , as “rinhas de galo”   e, mais recentemente, a vedação da prática da “vaquejada”  – esta por haver crueldade intrínseca aplicada aos animais. Cabe destacar que, posteriormente, houve o efeito ”backlash”, no qual o Poder Legislativo, tendo sofrido essa derrota no Supremo, aprovou uma PEC autorizando a vaquejada. Vê-se, assim, uma verdadeira ditadura do Legislativo, que demanda uma certa cautelaridade. Ainda que ocorra à aprovação, devemos ser precavidos com os próximos passos no tocante a sua aplicabilidade, a previsão é necessária, e como um veemente defensor dos direitos dos animais não humanos, classificação essa criada por nós mesmo, comemoro e muito nossa evolução, apenas de existir a conscientização, já é um grande avanço, porém destaco alguns possíveis entraves para nossa apreciação, a pergunta é bem simples e objetiva , – “ um sujeito de direito, personificado ou não, pode estar no cardápio de um restaurante? “ Sendo animais sujeitos de direito, qual será a proteção dos animais para abate? Ou a sociedade passará a ser vegetariana em estralo de dedos? Ainda não temos esse poder ou interesse, a verdade é que para muitos, somos destinatários de todos os recursos. O cachorro, nosso “pet”, que é membro da família, é igual ao gado para abate? Mas os dois tem senciencia e sentem dor, sofrimento. Vamos tratar os animais de forma diferente? Quem decidirá isso? Animais selvagens; de criação para produção alimentícia; de companhia; em cativeiro, animais usados em pesquisa, como será a irradiação dessa importante e necessária regulamentação.
 
Ao mesmo tempo que estou feliz com essa inicial conquista, faço essas breves considerações para que possamos refletir a agir, evitando a sensação de uma legislação simbólica.
 
Em suma, não sei se o teor do Projeto vai realmente fazer a diferença necessária, mas é um ponto de partida importantíssimo para o futuro, haverá um esforço hermenêutico pelos operadores do direito para concretização desses direitos. Por fim, menciono artigo do saudoso Professor Antônio Junqueira de Azevedo, que tratou da crítica ao personalismo ético em busca uma reflexão para introduzir retificações na ideia que predominantemente vem sendo apresentada, de dignidade da pessoa humana, excluindo os animais dessa irradiação, finalmente estamos diante desse longo e nobre caminho em defesa de nossa animalidade.
 
[1] Pós-graduado em Direito Civil pela USP – Faculdade de Direito de Ribeirão Preto. Especialista em Direito Notarial e Registral Imobiliário pela Escola Paulista da Magistratura de São Paulo (EPM). Ex- Advogado, atuou voluntariamente na 2º Câmara de Direito Público do TJ/SP. Atualmente é Oficial Registrador e Tabelião de Notas – RCPN e Tabelionato de Notas do Distrito de Cachoeira de Emas – Município de Pirassununga no Estado de São Paulo- Membro da Comissão Notarial e Registral do IBDFAM (Instituto Brasileiro de Direito de Família). Professor no curso de Direito do Centro Universitário Anhanguera – Pirassununga.