(O registro de imóveis e os títulos materiais inscritíveis: a hipoteca – parte 27)
 
833. Tratemos agora da hipoteca reversa (ou inversa), e, à partida, convém emitir um seu amplo conceito explicativo que parece pode ser este:
 
– o de uma garantia hipotecária que,
– recaindo sobre um dado imóvel,
– diz respeito a determinado valor pecuniário (ou seja, de início, é um empréstimo financeiro)
– que o credor hipotecário vai entregando de maneira periódica –embora, quod raro accidit, possa fazê-lo de uma só vez, é mais comum a entrega mês a mês, menos ordinariamente de dois em dois meses, ou de três em três meses–
– a um beneficiário –em geral, o dono desse imóvel e que satisfaça uns tantos requisitos–
– até sua morte ou por um tempo limitado,
– quando, com a morte do beneficiário, seus herdeiros deverão restituir, com juros e correção monetária (suposto que se prevejam), o montante recebido, –ou, se o ajuste foi por tempo certo, ao beneficiário cabe a restituição do valor recebido,
– pena de executar-se a garantia ou vender-se o prédio,
– atribuindo-se aos herdeiros (ou, quando o caso, ao próprio beneficiário) o eventual diferença maior do preço obtido com a alienação.
 
Por que se designa reversa ou inversa esta hipoteca? Parece que se trata de uma referência ao fato de que a dívida seja crescente com o passar do tempo (vale dizer, o beneficiário vai recebendo periodicamente as prestações do empréstimo, além do aumento relativo aos juros), o que não ocorre com a hipoteca ordinária, em que a dívida decresce, rotineiramente, pelos pagamentos parciais (cf., a propósito, Contreras, Aguirre Aldaz e Pérez Álvarez). Disto resulta que, na verdade, a inversão é relativa ao débito, não à hipoteca que, de si própria, nada tem de invertida quanto à garantia hipotecária ordinária.
 
Está-se diante, pois, de um meio financeiro com que concede liquidez a um ativo imobiliário, sem que se altere a propriedade do imóvel, e nisto exatamente se encontra o discrimen da hipoteca reversa em relação à renda vitalícia, por nesta ser traço comum o de o imóvel não ser do domínio do beneficiário.
 
834. Alguns fatores sociológicos explicam o surgimento do instituto da hipoteca inversa: de logo, (i) o envelhecimento da população, com o aumento paulatino da expectativa de vida (no Brasil, o indicador total, em 1940, era de 45,5 anos, e, em 2015, 75,5 anos, segundo o Instituto brasileiro de geografia e estatística -Ibge); (ii) isto se acompanha, todavia, da aparição de muitas enfermidades: neurovegetativas (p.ex., o mal de Alzheimer, o mal de Parkinson, a esclerose lateral amiotrófica, as diferentes formas de demência senil), doenças cardiovasculares associadas à ancianidade, patologias de locomoção (artrose, osteoporose) e dos órgãos dos sentidos externos (deficiência auditiva, catarata). Desta maneira, está-se à frente de uma elevação do número de pessoas que ou bem não podem realizar atividades rotineiras ou apenas as pode executar com maior ou menor ajuda de outros, o que reclama uma série de providências cooperantes, cujo custeio pode suportar-se mediante empréstimos financeiros com garantia hipotecária (cf. o tomo XIX dos Anales de la Academia Sevillana del Notariado). Tampouco é de negligenciar o papel da queda da taxa bruta de natalidade (que, no Brasil, em 15 anos, passou de 20,86, em 2000, para 14,16, em 2015, segundo o Ibge), o que influi decisivamente na capacidade de sustentação pensional dos mais velhos.
 
Deste modo, a ideia de, com a hipoteca inversa, prover financeiramente a velhice, por meio de empréstimo monetário paulatino parece responder à vantagem de permitir melhores condições de vida do beneficiário sem privar da família a propriedade do bem dado em garantia, ao mesmo tempo em que favorece (é o mais comum que ocorra) a prestação diluída do valor que o credor hipotecário despende.
 
Na Espanha, a Lei n. 41/2013 (de 18-11) –Ley de protección patrimonial de las personas con discapacidad– lança na exposição de motivos alguma luz sobre a razão de ser da hipoteca inversa:
 
“Hoy constituye una realidad la supervivencia de muchos discapacitados a sus progenitores, debido a la mejora de asistencia sanitaria y a otros factores, y nuevas formas de discapacidad como las lesiones cerebrales y medulares por accidentes de tráfico, enfermedad de Alzheimer y otras, que hacen aconsejable que la asistencia económica al discapacitado no se haga sólo con cargo al Estado o a la familia, sino con cargo al propio patrimonio que permita garantizar el futuro del minusválido en previsión de otras fuentes para costear los gastos que deben afrontarse.
 
Esta ley tiene por objeto regular nuevos mecanismos de protección de las personas con discapacidad, centrados en un aspecto esencial de esta protección, cual es el patrimonial.
 
Efectivamente, uno de los elementos que más repercuten en el bienestar de las personas con discapacidad es la existencia de medios económicos a su disposición, suficientes para atender las específicas necesidades vitales de los mismos.”
 
835. Os precedentes da hipoteca reversa vêm do Reino Unido (dos fins da década de 60 do século passado) –onde o instituto caiu em desuso já nos anos oitentas, sobretudo em virtude da desvalorização imobiliária, implicando como resultado que a depreciação do valor do imóvel garante não se ajustava ao montante do empréstimo. Isto levou a que as companhias prestadoras dos créditos passassem a exigir garantias adicionais, até que se estabeleceu um código de boas práticas, entre as quais se previu a assinação de um limite para o quantum do empréstimo correspondente ao do valor do imóvel. Em 1986, os Estados Unidos instituíram a hipoteca reversa –designada Home equity conversion mortgage: hipoteca de conversão do valor acumulado do imóvel– e, na sequência, outras modalidades dessa hipoteca, com finalidades específicas: p.ex., voltadas ao financiamento de construções. Também o Canadá, a França e a Espanha adotaram a hipoteca inversa (cf. os já referidos Anales de la Academia Sevillana del Notariado).
 
Do preâmbulo da Lei espanhola n. 41/2007 (de 7-12) –lei essa que ali permitiu a hipoteca inversa– consta um interessante conceito do instituto, conceito que, apesar de sua largueza, convém aqui visitar: “La hipoteca inversa regulada en esta Ley se define como un préstamo o crédito hipotecario del que el propietario de la vivienda realiza disposiciones, normalmente periódicas, aunque la disposición pueda ser de una sola vez, hasta un importe máximo determinado por un porcentaje del valor de tasación en el momento de la constitución. Cuando se alcanza dicho porcentaje, el mayor o dependiente deja de disponer de la renta y la deuda sigue generando intereses. La recuperación por parte de la entidad del crédito dispuesto más los intereses se produce normalmente de una vez cuando fallece el propietario, mediante la cancelación de la deuda por los herederos o la ejecución de la garantía hipotecaria por parte de la entidad de crédito”.
 
O instituto vem disciplinado na primeira disposição adicional dessa Lei n. 41/2007, que indica os requisitos da hipoteca reversa: “A los efectos de esta Ley, se entenderá por hipoteca inversa el préstamo o crédito garantizado mediante hipoteca sobre un bien inmueble que constituya la vivienda habitual del solicitante y siempre que cumplan los siguientes requisitos: a) que el solicitante y los beneficiarios que este pueda designar sean personas de edad igual o superior a los 65 años o afectadas de dependencia severa o gran dependencia, b) que el deudor disponga del importe del préstamo o crédito mediante disposiciones periódicas o únicas, c) que la deuda sólo sea exigible por el acreedor y la garantía ejecutable cuando fallezca el prestatario o, si así se estipula en el contrato, cuando fallezca el último de los beneficiarios” (ainda há um quarto requisito, que diz respeito à regulação do mercado hipotecário).
 
Dispõem os itens 5º e 6º do mesmo adicional:
 
5. Al fallecimiento del deudor hipotecario sus herederos o, si así se estipula en el contrato, al fallecimiento del último de los beneficiarios, podrán cancelar el préstamo, en el plazo estipulado, abonando al acreedor hipotecario la totalidad de los débitos vencidos, con sus intereses, sin que el acreedor pueda exigir compensación alguna por la cancelación.
 
En caso de que el bien hipotecado haya sido transmitido voluntariamente por el deudor hipotecario, el acreedor podrá declarar el vencimiento anticipado del préstamo o crédito garantizado, salvo que se proceda a la sustitución de la garantía de manera suficiente.
 
6. Cuando se extinga el préstamo o crédito regulado por esta disposición y los herederos del deudor hipotecario decidan no reembolsar los débitos vencidos, con sus intereses, el acreedor sólo podrá obtener recobro hasta donde alcancen los bienes de la herencia. (…)”
 
836. No Brasil, embora não haja permissivo legal para a hipoteca inversa, tramita no Parlamento –mais exatamente, no Senado Federal– um projeto de inclusão de um capítulo na Lei n. 9.514/1997 (de 20-11), instituindo a hipoteca reversa de coisa imóvel, que assim se anuncia
 
“A hipoteca reversa regulada por esta Lei é o negócio jurídico pelo qual o credor hipotecário reverso, com o escopo de garantia, contrata a transferência ao devedor hipotecário reverso da propriedade resolúvel de coisa imóvel.
 
§ 1º A hipoteca reversa poderá ser contratada por pessoa física ou jurídica, não sendo privativa das entidades que operam no SFI, podendo ter como objeto, além da propriedade plena:
I – bens enfitêuticos, hipótese em que será exigível o pagamento do laudêmio, se houver a consolidação do domínio útil no credor hipotecário reverso;
 
II – o direito de uso especial para fins de moradia do credor hipotecário reverso;
 
III – o direito real de uso, desde que suscetível de alienação;
IV – a propriedade superficiária” (PLS 52/2018, proposta do Senador catarinense Paulo Bauer).