ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1017089-93.2019.8.26.0053, da Comarca de São Paulo, em que são apelantes ROSIMEIRE SILVA DE OLIVEIRA SOUZA, JULIO SILVA DE OLIVEIRA, JULIO CESAR DE OLIVEIRA e ROSELI SILVA DE OLIVEIRA, é apelado ESTADO DE SÃO PAULO.
ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 1ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Deram provimento ao recurso. V. U., de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Desembargadores DANILO PANIZZA (Presidente sem voto), LUÍS FRANCISCO AGUILAR CORTEZ E RUBENS RIHL.
São Paulo, 13 de agosto de 2019.
MARCOS PIMENTEL TAMASSIA
Relator
Assinatura Eletrônica
VOTO Nº 9782
APELAÇÃO Nº 1017089-93.2019.8.26.0053
COMARCA: SÃO PAULO
APELANTES: ROSIMEIRE SILVA DE OLIVEIRA SOUZA E OUTROS
APELADA: FAZENDA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO
INTERESSADO: CHEFE DO POSTO FISCAL DA CAPITAL 11 LAPA, INTEGRANTE DA DELEGACIA REGIONAL TRIBUTÁRIA DA CAPITAL
Julgador de Primeiro Grau: Kenichi Koyama
RECURSO DE APELAÇÃO – ITCMD – Pedido de isenção do tributo nos termos do art. 6º, I, a, da Lei nº 10.705/00, o qual estabelece a isenção do tributo na transmissão causa mortis de imóvel que não supere o valor de 5.000 UFESPs – Valor a ser verificado, para fins de isenção, que deve representar a fração do imóvel que efetivamente foi transmitida aos herdeiros – Impetrantes que, nos termos legais, fazem jus à isenção – Sentença reformada – Recurso provido.
Vistos etc.
Trata-se de recurso de apelação interposto no bojo de mandado de segurança impetrado por ROSIMEIRE SILVA DE OLIVEIRA SOUZA E OUTROS contra ato reputado ilegal do CHEFE DO POSTO FISCAL DA CAPITAL 11 – LAPA, INTEGRANTE DA DELEGACIA REGIONAL TRIBUTÁRIA DA CAPITAL. A r. sentença (fls. 86/91) denegou a segurança, consignando que o valor do ITCMD deverá incidir sobre a integralidade do bem, e não apenas sobre a parte transmitida, tudo em conformidade com o que dispõe o artigo 111, inciso II, do CTN, que determina a interpretação literal dos dispositivos que regulamentam as isenções tributárias. Desta forma, seguindo a interpretação literal do artigo 6º do Decreto nº 46.655/02, o cálculo limite da isenção se dá sobre valor do imóvel. Imóvel, pois, é a unidade do bem afixado na terra. (…) Não for assim, a incidir apenas sobre a cota-parte, haverá multiplicação da isenção para tantos quantas forem as cotas-parte, tudo à revelia da vontade legiferante. Alcançar-se-á, mais que interpretação literal, uma interpretação ampliativa da isenção. Mais que consagrar um direito dos beneficiários, o que haveria seria quebra da igualdade e da impessoalidade, princípios constitucionais, cuja densidade é suficientemente palpável para repelir a conveniência dos sucessores em lugar da técnica tributária. Afinal, um mesmo imóvel, de elevado valor, poderia ou não ser base de cálculo do ITCMD, a depender de quantos herdeiros ou beneficiários tivesse, a depender das cotasparte em que dividido.” (fls. 87/88).
Em suas razões (fls. 100/109), os apelantes asseveram, em breve resumo, que a fração de 50% do imóvel por eles herdado após o falecimento de José Pedro de Oliveira está isenta do ITCMD, nos termos do que estabelece o art. 6º, I, da Lei nº 10.705/00. Sustentam que, no caso, não pleiteiam o direito à isenção de cada cota-parte do imóvel. O pedido de isenção, no caso, baseia-se no valor total da fração por eles recebida, o que difere do entendimento esposado na r. sentença atacada. De acordo com a tese defendida no presente apelo, o ITCMD tem, como fato gerador, a transmissão causa mortis de patrimônio. Em assim sendo, deve-se considerar, para fins de cálculo do tributo e, por consequência, de incidência da norma de isenção tão somente a fração do bem que foi de fato transmitida. Os apelantes citam, no mais, precedentes jurisprudenciais. Requerem, nesses termos, a reforma do julgado adversado.
Contrarrazões foram apresentadas às fls. 118/125.
O Ministério Público não se manifestou no feito (fls. 82/84 e 129).
É o relatório.
DECIDO.
A apelação é tempestiva. Os demais requisitos de admissibilidade foram contemplados.
Os apelantes sustentam, em breve síntese, que são herdeiros de José Pedro de Oliveira (fl. 19), falecido em agosto de 2017, deixando a eles a fração ideal de 50% de um imóvel localizado na Vila Clarice SP. Como o valor da fração de 50% do bem imóvel é inferior a 5000 UFESPs, os apelantes asseveram que, nos termos do art. 6º, I, da Lei nº 10.705/00, fazem jus à isenção do ITCMD na espécie.
A Fazenda Estadual, contudo, indeferiu o pedido de isenção formulado pelos impetrantes, sob o fundamento de que, “conforme as alíneas ‘a’ e ‘b’ do inciso I do art. 6º da Lei 10.705/2000, consideram-se o valor e as características do bem transmitido e não a parcela correspondente ao quinhão de cada herdeiro ou legatário. Para fins de aplicação da isenção, não enseja qualquer diferença o fato de o arrolamento ser de fração ideal do imóvel, pois a condição para aplicação desse benefício diz respeito ao bem como um todo e não à quota parte, objeto de sucessão” (fl. 25).
Inconformados, os impetrantes se valeram do presente remédio heroico para verem reconhecido o direito líquido e certo que alegam ostentar.
A r. sentença (fls. 86/91) denegou a segurança, consignando que o valor do ITCMD deverá incidir sobre a integralidade do bem, e não apenas sobre a parte transmitida, tudo em conformidade com o que dispõe o artigo 111, inciso II, do CTN, que determina a interpretação literal dos dispositivos que regulamentam as isenções tributárias. Desta forma, seguindo a interpretação literal do artigo 6º do Decreto nº 46.655/02, o cálculo limite da isenção se dá sobre valor do imóvel. Imóvel, pois, é a unidade do bem afixado na terra. (…) Não for assim, a incidir apenas sobre a cota-parte, haverá multiplicação da isenção para tantos quantas forem as cotas-parte, tudo à revelia da vontade legiferante. Alcançar-se-á, mais que interpretação literal, uma interpretação ampliativa da isenção. Mais que consagrar um direito dos beneficiários, o que haveria seria quebra da igualdade e da impessoalidade, princípios constitucionais, cuja densidade é suficientemente palpável para repelir a conveniência dos sucessores em lugar da técnica tributária. Afinal, um mesmo imóvel, de elevado valor, poderia ou não ser base de cálculo do ITCMD, a depender de quantos herdeiros ou beneficiários tivesse, a depender das cotasparte em que dividido.” (fls. 87/88).
Conquanto se respeite o entendimento firmado na r. sentença, o recurso interposto comporta provimento.
Com efeito, Lei nº 10.705/2000, que “dispõe sobre a instituição do Imposto sobre Transmissão ‘Causa Mortis’ e doação de quaisquer bens ou direitos ITCMD”, estabelece, em seu artigo 6º, inciso I, alínea ‘a’, o seguinte:
“Artigo 6º – Fica isenta do imposto:
I – a transmissão “causa mortis”:
a) de imóvel de residência, urbano ou rural, cujo valor não ultrapassar 5.000 (cinco mil) Unidades Fiscais do Estado de São Paulo – UFESPs e os familiares beneficiados nele residam e não tenham outro imóvel;
(…)”
Tem-se, portanto, que o mencionado dispositivo legal prevê que, para a isenção do ITCMD na transmissão causa mortis de imóvel, é necessário que concorram três requisitos, quais sejam: (i) o valor não ultrapasse 5.000 UFESPs, os familiares beneficiados (ii) nele residam e (iii) não tenham outro imóvel.
Assentadas essas premissas, tem-se que, no caso, de um lado, os impetrantes aduzem que o valor a ser considerado para fins de isenção deve corresponder à parcela do bem imóvel efetivamente a eles transmitida. Dessa forma, como a fração de 50% do imóvel herdada representa importância não superior a 5.000 UFESPs, incide, na espécie, a previsão isentiva insculpida no supracitado dispositivo legal.
De outra banda, a Fazenda Estadual sustenta que a isenção legal prevista no art. 6º, I, a, da Lei nº 10.705/00, somente vale para os casos em que o valor total do bem imóvel e não apenas da fração de 50% herdada não supere as 5.000 UFESPs. Assim, no caso, não haveria que se falar em direito à isenção por parte dos impetrantes, eis que o valor total do imóvel herdado superaria o limite estabelecido em lei para tal fim.
Como se sabe, o fato gerador do ITCMD é a transmissão (passagem jurídica) da propriedade ou de bens e direitos de uma pessoa a outra, ocorrente em caráter não oneroso, seja por morte (transmissão causa mortis), seja por doação (ato de liberalidade).
Nesses termos, para fins de isenção do tributo em questão, a base de cálculo deve ser o valor do efetivo acréscimo patrimonial, correspondente à fração de 50% do bem imóvel, a qual foi efetivamente transmitida aos sucessores.
No caso, portanto, sendo certo que o valor venal do imóvel representa a quantia de R$ 221.670,00 (duzentos e vinte e um mil seiscentos e setenta reais – fl. 20), a fração de 50% – R$ 110.835,00 (cento e dez mil oitocentos e trinta e cinco reais) – não supera o valor de 5.000 UFESPs, que, para o ano de 2017 (em que faleceu José Pedro de Oliveira), era de R$ 125.350,00 (cento e vinte e cinco mil trezentos e cinquenta reais).
Inevitável, à luz das considerações tecidas, o reconhecimento de que os impetrantes fazem jus à isenção pleiteada. Destaco, sem embargo do exposto, que a Fazenda não aduziu o descumprimento dos demais requisitos necessários para a isenção.
Assim é que não alegou e muito menos provou sejam os herdeiros proprietários de outros imóveis. De forma vaga, disse não tem prova da presença dos demais requisitos.
Incontroverso que o imóvel objeto da herança está tendo como destinação a residência dos herdeiros, pouco importa se de todos ou de parte deles. O objetivo da isenção é não sobrecarregar com tributos o imóvel humilde e único objeto da herança, utilizado como residência da família. Não há alegação ou notícia de que a destinação do bem tem sido o comércio ou a locação. Antes, destina-se à residência de herdeiros, que fazem jus à benesse fiscal.
Ainda, caberia à Fazenda provar por meio de certidões a existência de outro imóvel de propriedade dos herdeiros a inibir o benefício, o que não ocorreu. Não se pode exigir dos demandantes prova negativa.
É, no mais, nesse sentido que já se posicionou esta Corte de Justiça, em casos análogos:
“REEXAME NECESSÁRIO – Mandado de segurança – ITCMD – Pretensão à isenção, nos termos do disposto no art. 6º, I, b, da Lei 10.705/00 – Admissibilidade – Valor do quinhão do bem imóvel transmitido equivalente a 50%, que deve ser considerado, porquanto se consubstancia no efetivo acréscimo ao patrimônio do herdeiro – Sentença concessiva da segurança mantida – REEXAME NECESSÁRIO DESPROVIDO.” (Reexame Necessário nº 1014635-76.2018.8.26.0506, 1ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. Vicente de Abreu Amadei, j. 08.05.2019).
“APELAÇÃO – Mandado de Segurança – Isenção de ITCMD – Possibilidade – Impetrante casada no regime de comunhão universal de bens – Transmissão de apenas 50% do valor do imóvel, o que ostenta valor venal inferior ao limite de 5.000 UFESPS – Inteligência do artigo 6º, I, “a”, da Lei nº 10.992/2001 – Sentença mantida – Recursos oficial e voluntário desprovidos” (Apelação n.º 0010188-23.2008.8.26.0309, Rel. Des. Ana Luiza Liarte, j. 10.2.2014) (negritei).
“Agravo de Instrumento – Inventário – Decisão que indeferiu pedido de isenção de pagamento do ITCMD – Insurgência – Transmissão de 50% do único imóvel deixado em herança Inteligência do art. 6º, inciso I, alínea “b”, da Lei nº 10.992/2001 – O imposto deve incidir sobre o montante transmitido e não sobre o valor venal do imóvel – Decisão reformada – Recurso provido.” (Agravo de Instrumento nº 2195306-14.2016.8.26.0000, Rel. Des. J. B. Paula Lima, j. 9.4.19) (negritei).
“MANDADO DE SEGURANCA – ITCMD – Pretensão à isenção do imposto nos termos do artigo 6º, inciso I, letra “a”, da Lei Estadual 10.705/00 – Transmissão de 50% do imóvel – Considera-se apenas a parte ideal que será transmitida aos herdeiros para verificação da isenção do valor venal da fração a ser acrescida ao patrimônio deles – Inteligência do art. 38 do Código Tributário Nacional e §1º do artigo 9º da Lei Estadual 10.705/00 – Sentença de denegação da ordem – Recurso provido”. (Apelação nº 1040332-37.2017.8.26.0053, Rel. Des. Reinaldo Miluzzi, j. 29.3.19).
“APELAÇÃO – ITCMD – BASE DE CÁLCULO – ALTERAÇÃO POR DECRETO – IMPOSSIBILIDADE – MEAÇÃO. 1. Fisco Estadual que por meio do Decreto Estadual n.º 55.002/2009 adotou valor venal para fins de lançamento do ITBI como base de cálculo do ITCMD. Ofensa ao princípio da legalidade. Lei Estadual n.º 10.705/2000 que prevê o valor venal para fins de IPTU como base de cálculo mínima. Alteração que, de fato, criou nova base de cálculo sem, contudo, haver o mínimo respaldo legal. 2. Em caso de transmissão de parcela de imóvel, em virtude de meação, considera-se para fins de isenção apenas o valor venal da fração do bem transmitida. Segurança concedida. Sentença mantida. Recurso de apelação e remessa necessária desprovidos.” (Apelação nº 1042492-35.2017.8.26.0000, Rel. Des. Nogueira Diefenthaler, j. 29.3.19) (negritei)
“APELAÇÃO – MANDADO DE SEGURANÇA – TRIBUTÁRIO – ITCMD ISENÇÃO – A base de cálculo do ITCMD é o valor da cota parte objeto de transmissão, tendo em vista que o imposto deve incidir sobre o montante efetivamente transmitido – Fração do imóvel transmitido que corresponde ao acréscimo patrimonial obtido pelos herdeiros Inteligência dos artigos 6º e 9º da Lei Estadual nº 10.705/2000 – Isenção – Possibilidade – Valor do bem transmitido inferior ao limite legal – Sentença concessiva mantida – Reexame necessário e Apelo improvidos.” (Apelação nº 1002878-86.2018.8.26.0053, Rel. Des. Maurício Fiorito, j. 12.3.19).
Em suma, a r. sentença deve ser reformada, invertendo-se os ônus de sucumbência.
Ante o exposto, voto pelo PROVIMENTO do presente recurso.
MARCOS PIMENTEL TAMASSIA
Relator – – /
Dados do processo:
TJSP – Apelação Cível nº 1017089-93.2019.8.26.0053 – São Paulo – 1ª Câmara de Direito Público – Rel. Des. Marcos Pimentel Tamassia – DJ 16.08.2019